Dizem que o desenrascanço é uma característica tipicamente portuguesa. Para fazer jus ao povo, o novo primeiro-ministro tem de ser (visto como) muito desenrascado, principalmente porque o cenário político-partidário é adverso.

A situação de Luís Montenegro — uma maioria relativa dentro de uma composição parlamentar insólita (um terceiro partido muito expressivo) — é o oposto de um contexto de feição à partida. Quando o contexto é de feição à partida, basta não estragar, pelo que só há coisa digna de registo (por ser inesperada) se os intervenientes começarem a vacilar ou falhar. Foi o que aconteceu com a maioria absoluta de António Costa — supostamente um garante de estabilidade — com os sucessivos casos que teve.

Ao contrário de um quadro favorável, num cenário que é complexo a priori, o mais expectável é que o agente não seja bem-sucedido. É por isso que, se Montenegro se desenvencilhar, o seu desempenho será reconhecido como particularmente meritório. Ora, estão reunidas condições que permitem que mostre o que vale como político e chefe de governo. Só conseguirá governar bem se tiver jogo de cintura político, e esse seu jogo só será sustentado se governar bem.

É em condições menos propícias que os muito competentes mais se podem destacar. Porque, desde logo, as pessoas estão mais atentas ao que se passa. Além disso, porque as circunstâncias mais exigentes abrem um espaço único para que um protagonista resolva os problemas e ponha a ordem na casa. Se a atuação for reconhecida pelas pessoas, esse protagonista adquire um capital de carisma que lhe confere influência. Foi isso que aconteceu com Gouveia e Melo durante a pandemia.

É por isso que, se Montenegro mostrar capacidade no emaranhado em que se encontra, conquistará um capital político significativo. Veremos se será bem-sucedido. Para tal, têm sido vários os ingredientes que a comunicação social tem lançado sobre a receita governativa que levará a cabo: elenco de governo com competência técnica mas sobretudo política (para lidar com complicações em si mesmas políticas); avançar com medidas populares (de encontro às reivindicações de vários setores profissionais e consensuais entre os partidos); governar por decreto (tentando evitar o parlamento).

Não tendo eu a capacidade previsional de Marques Mendes, creio que o governo pode aguentar-se mais tempo do que alguns vaticinam. Convém não descurar que Luís Montenegro, dada a sua experiência, tem arcaboiço político (embora quem recorde a sua liderança do PSD pré-demissão de Costa possa achar que não). Afinal de contas, tem um selo de qualidade atribuído por alguém que governou dez anos e presidiu à República outros dez. (Curiosamente, esse mesmo alguém superou um teste mais ou menos parecido em 85-87.) É esperar para ver.

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