Segundo o Boletim de ontem da DGS, Portugal tem agora 6430 recuperados de Covid-19, o que significa que estão reunidas as condições para passar à próxima fase do desconfinamento. A minha ideia é a seguinte: recuperado expiatório. Um recuperado é alguém que já teve a Covid e, portanto, está imune ao coronavírus. Já não pode infectar, nem ser infectado. Ora, pelas minhas contas, há uma dessas pessoas para cada 1555 portugueses. O que o Governo tem de fazer é a requisição civil dos recuperados e a sua distribuição equilibrada pelo território nacional, para que nós, que ainda podemos ficar doentes, os utilizemos em actividades que o distanciamento social não permite efectuar com segurança. Lá está: recuperado expiatório.

Por exemplo, hoje de manhã assisti a uma altercação no trânsito entre dois condutores, por causa de um lugar de estacionamento. Houve gritaria, mas nenhum se atreveu a sair do carro, nem sequer baixaram as janelas. Estavam os dois com mais medo da Covid do que com raiva um do outro. Parecia uma discussão entre dois peixes debaixo de água, mas cada um no seu aquário. Resultado, perderam a oportunidade de soltarem a tensão acumulada por estes meses de quarentena. E de proporcionar um espectáculo desportivo, numa altura em que a Sport TV só passa antiguidades.

Se houvesse um recuperado nas imediações, podia ter servido de alvo de substituição. Os condutores, à vez, gritavam na cara do recuperado, enchendo-o de perdigotos sem correr o risco de o infectar. Se um dos condutores se irritasse o suficiente com o outro, poderia até – mediante prévia autorização, claro – esbofetear o recuperado, que passaria a agredido por procuração.

Ultimamente, quando encontro um amigo, faz-me falta ter ali um recuperado. Estou farto do impessoal aceno à distância ou do ridículo cumprimento de cotovelo, apetece-me dar um sólido aperto de mão. Se tivesse o recuperado ao lado, dava-lhe um passou-bem, ele limpava-se e depois dava um aperto de mão ao meu amigo. Se fosse mesmo muito amigo, o recuperado abraçava-nos à vez. Tenho saudades de apertar um amigo e dizer-lhe “estás mais gordo!” Gostava de o poder fazer, mesmo que, na verdade, estivesse a abraçar uma senhora anorética.

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Não sei de que é que o Governo está à espera para instituir este serviço público de sucedâneos. É uma forma de aligeirar este regresso às ruas sob novas regras, de normalizar esta situação estranha de conviver com mascarados.

Por falar nisso, agora que só interagimos com gente de máscara, serei o único a achar que devia ter investido as minhas poupanças num daqueles mini-salões de centros comerciais onde se arranjam as sobrancelhas? Aquilo é negócio. A Wink vai ficar com os clientes dos dentistas e dos cirurgiões plásticos. O dinheiro que as pessoas antes gastavam a branquear os dentes e a endireitar o nariz, agora vai todo para frisar as pestanas e fazer madeixas nos pêlos do sobrolho.

É natural que as pessoas se preocupem com o aspecto da única coisa que se vê das suas caras quando estão de máscara, agora que passam tanto tempo a usá-la. Há medo da Covid e as pessoas respeitam todas regras do uso de máscaras. Ainda ontem vi um grupo de jovens na rua a tirarem as máscaras. Primeiro, afastaram-se dois metros. Depois, retiraram-nas pelos elásticos, sem tocarem no tecido. Guardaram-nas em saquinhos de plástico, cumprindo as recomendações da DGS e só depois, verificadas as condições de higiene, é que cada um pegou no seu próprio maço e acendeu um cigarro. Sem partilharem o isqueiro, claro. Estiveram muito bem. A saúde em primeiro lugar.