É verdade que há luzes que nunca se apagam. Foi uma frase que há muitos anos as farmácias identificaram como lema do seu dia-a-dia. Os farmacêuticos conhecem-na bem, qualquer que seja o local onde trabalham. Porque sempre estiveram na linha da frente, com a porta aberta a 10 milhões de portugueses, que hoje, mais do que nunca, nos procuram para pedir ajuda. O medicamento que acabou, a febre e a tosse que os assusta… Infelizmente não aceitaram até agora a nossa ajuda na linha SNS24. Mais uma oportunidade perdida. Nada a que não estejamos já habituados. Ainda assim, fazemos o que deve ser feito naquilo que consideramos “uma grande cadeia de bom senso”: encaminhar, ajudar, proteger. Dar confiança. Porque somos de confiança.

Durante muitos anos, a nossa rede de farmácias preparou-se para o que desse e viesse. E hoje, em pleno combate a uma pandemia como a COVID-19, estamos organizados, juntos, a trabalhar com os médicos e outros profissionais para que poucas sejam as luzes que se venham a apagar. O contrário significaria que os portugueses não teriam acesso aos medicamentos de que precisam para manter a sua saúde. Isso não pode acontecer, não podemos aceitar. Se os farmacêuticos não continuassem na linha da frente, este combate estaria comprometido. Hora a hora, minuto a minuto, fazemos o que tem de ser feito. Trabalhando com todos os profissionais de saúde e com as autoridades.

Esta rede multidisciplinar está unida pelo mesmo fim: ajudar a combater a COVID-19 de forma enérgica e liderando por antecipação. Criámos uma Linha de Apoio aos Farmacêuticos (a LAF) com farmacêuticos treinados e com a ajuda de psicólogos especialistas em situações de emergência, porque precisamos de estar preparados para um combate longo e difícil. E contamos com todos os portugueses para que sejam cumpridas as normas da Autoridade de Saúde e as normas de segurança nas farmácias.

Tal como os outros profissionais de saúde nossos parceiros de combate, temos neste momento falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), faltam soluções alcoólicas — mais do que nunca, a higiene através da lavagem das mãos é fundamental.

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E, por outro lado, temos de estar todos muito atentos às falsas notícias, aos falsos produtos desinfetantes, aos falsos tratamentos. O vírus não se combate com banha da cobra. E não nos esqueçamos de repudiar vivamente preços astronómicos que algumas máscaras e luvas têm vindo a apresentar. A especulação não afasta o vírus.

Mais do que nunca, é agora que, tal como aconteceu nos fogos de Pedrogão, a nossa cidadania se coloca à prova. Demonstrar solidariedade é pensar no outro e perceber que, no caso dos medicamentos, teremos de adquirir apenas o que nos faz falta, de modo a garantir que todos os que precisam terão, sem falta, a sua medicação.

Temos de proteger a cadeia do medicamento como bem precioso que é, gerir da melhor maneira os nossos finitos recursos, compreender que limitar a necessária circulação de pessoas é também encontrar medidas excecionais para que a cadeia do medicamento se cumpra, chegando sem falta a todos os portugueses, e na primeira linha aos doentes. Sobretudo os doentes crónicos, as pessoas mais idosas, os que estão sozinhos e não têm como deslocar-se à farmácia ou quem o faça por eles.

É verdade que somos todos SNS. E que andamos há anos a dizer que precisamos de reorganizar o SNS, investir na proximidade, investir mais dinheiro, incentivar o seu capital humano. Mas agora é hora de fazer o que tem de ser feito, mesmo sabendo, nós profissionais, que não temos a proteção que devíamos, que uma parte importante dos que estão na linha da frente ficarão infetados, que também temos pais e filhos. Temos tudo isso, mas temos uma missão maior: os Portugueses.

Hoje Portugal pede-nos aquilo de que somos feitos: fibra, liderança, compaixão, abnegação, discernimento entre o necessário e o supérfluo. Sentido do dever. E pede-nos a todos que não esqueçamos esta experiência, que venhamos a ter uma estratégia para que esta e outras ameaças, reclamando uma incomensurável capacidade de resposta coletiva e individual, sejam mais rapida e eficientemente ultrapassadas.

Portugal tem de ouvir os cientistas, os especialistas. Tem de coordenar com a Europa. Não vivemos isolados do mundo. Tudo tem impacto. Este é um diálogo feito de inteligência colaborativa. Onde se devem desprezar preconceitos ideológicos e teimosias egocêntricas. Onde temos de contar com a experiência de todos, respeitando opiniões, mas fazendo acontecer sem perdas de tempo. Tempo é Vida, são vidas. Tempo é Saúde.

Vivemos num Mundo Novo em que as respostas que tínhamos já não servem, porque… as perguntas mudaram ou são outras, o Mundo mudou. É chegado o tempo de perceber que não precisamos de decretos para que os profissionais de saúde trabalhem juntos, em equipa, de forma transdisciplinar. Hoje sabemos que juntos somos mais de que a soma das partes.

São estas as luzes que nunca se apagam. E, assim, um frágil e cansado SNS, à míngua de recursos, com anos de escassez e decisões adiadas, há de erguer-se connosco, sem qualquer ausência, para tratar os portugueses e a nossa Pátria.

Sim, somos todos SNS. Em que o primeiro S pode ser Serviço ou Sistema. O que estamos a viver mostra-nos a fibra de que somos feitos e, por isso, nada mais poderá ficar igual. Portugal vai chorar, vai ter medo, mas vai lutar, vai acreditar e vai sobreviver. Somos mais de 800 anos de História de um Povo aberto ao mundo e à mudança. De uma História que não contempla desistências. Vamos ter de ser ainda melhores para, no dia seguinte, em vez de quebrarmos, reconstruirmos a nossa economia, sendo solidários. E trabalhar. Trabalhar muito.

A COVID-19 imporá a mudança necessária no nosso sistema de saúde, mais e melhor investimento, tal como nas nossas outras áreas de soberania. Nos desígnios nacionais. Nós, portugueses, trabalhamos metade do ano para pagar os nossos impostos e não iremos aceitar que a democracia que construímos com tanto esforço não saia reforçada da calamidade por que estamos a passar.

Depois disto, viveremos o primeiro dia do resto das nossas vidas. A sociedade não deixará de debater abertamente a organização e o investimento nos nossos serviços públicos, as condições em que os nossos profissionais trabalham, a falta de articulação entre unidades, a falta de resposta digital na saúde numa altura em que esta seria uma ajuda fundamental para combater a COVID-19.

É tempo de lutar, de ter confiança em nós como povo, na nossa capacidade de organização e na nossa vontade de trabalhar com as autoridades. É que a confiança numa altura destas não pode vir decretada na lei. Ou se tem, ou se não tem. E, para que os portugueses confiem, é preciso que se veja determinação e concretização nas autoridades, lideranças sólidas, cadeias de comando definidas e robustas.

Fica a nossa sincera e eterna gratidão aos profissionais de saúde – como nós, farmacêuticos, aos autarcas, aos bombeiros, aos militares, às forças de segurança, a todos os que mantêm a funcionar a nossa vida em nome da sobrevivência.

Nós, portugueses, temos um grande combate pela frente. Saibamos por isso que há luzes que nunca se apagam.