Um tema polémico é o das bênçãos das pessoas não casadas canonicamente, mas que vivem juntas, e que foi referido pelo Papa Francisco na sua resposta, de 11 de Julho passado, à carta que lhe escreveram cinco cardeais e que agora foi publicada.

Nessa, o Papa apelou à “caridade pastoral” e à “prudência pastoral”, que “deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, pedidas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma conceção errada do casamento”.

Já em 2021, uma Nota da então Congregação para a Doutrina da Fé afirmava uma verdade de La Palice, mas que, nos tempos que correm, é urgente e necessária: “Deus não pode abençoar o pecado”. Também o Papa, como é óbvio, reconheceu que há situações “moralmente inaceitáveis”.

O Santo Padre entende que, “quando se pede uma bênção, está-se a exprimir um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança num Pai que nos pode ajudar a viver melhor.” Certamente, aquele que quer ser abençoado, está a solicitar uma graça de Deus, mas também está a pedir que a Igreja legitime e até louve o que pretende que seja abençoado: bendizer é, etimologicamente, ‘dizer bem’.

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Portanto, tudo o que é bom pode ser abençoado e “não é necessário que as dioceses, ou as conferências episcopais, transformem essa caridade pastoral em normas ou protocolos fixos”. Ou seja, não é preciso inventar novas bênçãos, porque as que existem já são suficientes. Para casos especiais, “a questão pode ser tratada caso a caso, ‘porque a vida da Igreja funciona em canais para além das normas’.

Um princípio pastoral muitas vezes afirmado por Francisco é o de que os ministros da Igreja não podem agir como se fossem funcionários “que apenas negam, rejeitam e excluem”. Também não têm o poder de administrar os bens espirituais da Igreja a seu bel-prazer, pois o Papa, os bispos e os padres não são, como pretende o clericalismo, donos da Igreja, mas meros dispensadores das suas graças sacramentais e não só.

Nenhum padre, bispo ou Papa pode, por exemplo, conceder a graça baptismal de outra forma que não seja através do respectivo sacramento. Também ninguém, nem o vigário de Cristo na terra, pode absolver os pecados, cometidos depois do Baptismo, se não for através da absolvição sacramental. E, para que o perdão das faltas seja válido, é necessário o arrependimento, que só é verdadeiro quanto inclui o propósito de emenda, ou seja, a firme determinação de não voltar a pecar. Nalguns casos, como nos furtos e nos atentados contra a fama do próximo, a remissão do pecado pode exigir até, como condição sine qua non, a reparação devida, quer pela devolução do que foi injustamente subtraído, quer pela retracção pública da difamação produzida.

Portanto, onde não houver contrição, nem propósito de emenda, o confessor, mesmo que queira, não está habilitado para conceder o perdão sacramental e, se o fizer, incorre em sacrilégio. Nalguns casos, a inválida absolvição do cúmplice pode acarretar até a pena máxima de excomunhão. Por isso, a reconciliação penitencial nunca é automática: pressupõe sempre um juízo, a fazer pelo confessor, sobre as disposições do penitente, embora deva sempre facilitar o caminho do perdão, porque a confissão, como tantas vezes recordou o Papa Francisco, mais do que tribunal de justiça, deve ser expressão da infinita misericórdia de Deus.

A bênção, não sendo um sacramento, é, contudo, um sacramental, que também obedece a princípios próprios que, como recordou o Papa Francisco, admitem alguma flexibilidade pastoral, mas não uma utilização arbitrária, nem muito menos contrária à doutrina da Igreja. Faz sentido benzer um terço, ou uma medalha piedosa, mas não um amuleto, ou uma imagem blasfema. Mesmo em relação às pessoas, há exigências que a caridade e a prudência pastorais devem, por uma questão de coerência, respeitar.

Quando se pretende que um padre dê a bênção a duas pessoas que vivem juntas – para o efeito não interessa se são, ou não, do mesmo sexo, solteiros ou casados, embora estas circunstâncias sejam relevantes em termos morais – a questão não se põe quanto às pessoas em si mesmas, mas à sua união, à relação que pretendem que seja abençoada, de forma análoga a como os noivos, na celebração litúrgica do seu casamento, recebem a bênção nupcial.

Como disse o Santo Padre, uma bênção não pode nunca transmitir “uma conceção errada do casamento”. Logo, se duas pessoas que vivem maritalmente, sem estarem casadas pela Igreja, são abençoadas enquanto casal, é óbvio que essa bênção seria um simulacro da bênção nupcial e expressaria “uma conceção errada do casamento”, que o equipararia à união de facto. Seria, aliás, uma hipocrisia: a Igreja não pode dizer bem, que é bendizer, do que está objectivamente mal, por ser contrário à lei de Deus. Porém, pode e deve aproveitar esse salutar desejo dos fiéis para com eles iniciar um percurso de conversão, que lhes permita aceder à graça pretendida.

Aliás, a praxe seguida pela Santa Sé é a de só conceder a bênção papal aos casais cujo casamento foi celebrado catolicamente: não se outorga esta graça pontifícia a quem não esteja casado pela Igreja. Se a Santa Sé, com caridade e prudência pastoral, procede deste modo, agir de outra forma não só seria uma ofensa a Deus e um escândalo para os fiéis, mas também uma acção contra o Papa e a comunhão eclesial.

Quer isto dizer, então, que não se pode dar nunca a bênção aos católicos que vivem à margem da lei da Igreja, nomeadamente por conviverem maritalmente com quem não estão canonicamente casados?! De modo nenhum! De facto, todos os padres, sem necessidade de criar nenhuma nova bênção, habitualmente abençoam as pessoas que vivem juntas, sem estarem canonicamente casadas, pois sempre que esses fiéis, que ainda não estão em condições de comungar, nem de receber a bênção nupcial, participam na Eucaristia, recebem também, individualmente, como todos os presentes – que todos são, sem exclusão do celebrante, pecadores – a bênção de Deus! Este dom, a uns confirma no estado de graça, e a outros concede a ajuda espiritual propícia para a sua conversão e plena inserção na vida sacramental da Igreja.

Foi há já alguns anos que uma jovem mãe me pediu a bênção para os seus dois filhos que, como me disse na altura, eram dois diabinhos…

Ante uma tal declaração, vi-me obrigado a responder:

– Se são dois diabinhos, não lhes posso dar a bênção … mas posso fazer um exorcismo!

– Isso também não, Senhor Padre! – respondeu, escandalizada, a mãe dos petizes.

Se a primeira reacção materna foi de indignação, a segunda foi uma sonora gargalhada, ao perceber que, ao dizer que os seus filhos eram diabinhos, tinha exagerado, e que, se o fossem, não seria razoável pedir para eles a bênção de Deus.

Desfeito o equívoco, com caridade, prudência pastoral e bom humor, o episódio teve um happy end: os filhos receberam a desejada bênção e a mãe ficou muito grata e feliz.