Começa na 5ª feira a Cimeira do Vaticano sobre abusos sexuais, uma iniciativa que prova que a Igreja Católica percebeu que já não vale a pena disfarçar. Sinceramente, nunca pensei chegar a ver a Igreja admitir que há um tema em que perdeu a capacidade de ludibriar pessoas. Mas, realmente, a epidemia de casos de abuso sexual de menores por padres é óbvia de mais para ser desmentida. Mesmo por uma organização conhecida pelo poder de persuasão e pelo talento em negar a realidade. Trata-se de uma instituição que anda há 2000 anos a convencer milhões de pessoas que é possível uma virgem dar à luz.

Eu simpatizo com a Igreja. Cresci numa família católica, com duas avós saudavelmente beatas, a frequentar um colégio de padres, a não faltar à missa ao Domingo – chegava a perder o MacGyver – e a desenvolver um estranho fascínio por procissões. Depois, afastei-me. À medida que fui crescendo, deixei de ter interesse na Igreja. E, percebo agora, à medida que fui crescendo deixei de ter interesse para a Igreja.

Para ser justo, há que reconhecer que não é a Igreja toda. Os padres envolvidos nos casos de abusos sexuais são uma minoria. O pior é a cobertura que lhes dá o resto da hierarquia católica. A protecção dos abusadores vê-se nas penas do Tribunal Eclesiástico. Quando eu ia à confissão apanhava penitências bem mais pesadas do que as que estes padres recebem. Sim, eu sei que era por também estar a abusar de um adolescente, mas ao menos era de mim próprio.

Desde que começaram a surgir as notícias destes crimes, nunca mais consegui encarar a confissão da mesma forma. Fui ensinado a pensar no confessionário como um sítio sagrado onde o padre intermedeia a relação entre Deus e os seus filhos (mais ou menos como uma daquelas governantas que as famílias ricas empregam para não terem que conviver com as crianças). Um local onde temos o à vontade para confessar as nossas culpas. Agora, dou por mim a pensar se, por vezes, mais do que ouvir as minhas faltas para as absolver, o padre não terá estado a tirar apontamentos, anotando as melhores ideias marotas para experimentar mais tarde. Se calhar, além de confessar pecados, estive a dar dicas.

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Não sei se o celibato do clero potencia as situações de abuso, mas sei que a Igreja tem uma visão tão condenatória do sexo que ninguém que siga os seus ensinamentos nessa matéria conseguirá desenvolver uma sexualidade saudável. Sei do que falo. Durante anos achei que a minha virgindade se devia ao facto de a moral cristã não me permitir ter relações sexuais antes do casamento. Estava enganado. Só depois de deixar de frequentar a Igreja é que compreendi que não, eu mantinha-me virgem mas era por não haver nenhuma rapariga que se dispusesse a remediar essa condição. Ao perceber isso, a minha falta de sexualidade tornou-se muito mais saudável. E deprimente, admito.

Entretanto, a Igreja portuguesa, através do porta-voz da Conferência Episcopal disse que em Portugal há pouquíssimos casos – num exercício de humildade cristã ou de desprezo pela qualidade das nossas crianças. Disse-o, aliás, no seguimento do que o Patriarca D. Manuel Clemente dissera em Novembro passado, sobre o número de casos não ser comparável ao de outros países. Assim sendo, nem sei o que é que a comitiva portuguesa vai fazer ao Vaticano. Só se for para envergonhar os outros países com a virtude do nosso clero que quase nem abusa sexualmente de menores.

É uma ideia que subsiste, a do excepcionalismo da Igreja portuguesa. Ideia que ficou cristalizada na declaração de D. António Marto, aquando da sua nomeação como Cardeal. Disse ele, numa entrevista ao Público em Junho de 2018, que “felizmente em Portugal e nos países latinos [a situação] foi muito comedida – houve casos pontuais –, mas nos países anglo-saxónicos foi terrível”. Um argumento que só deve ter colhido junto dos que acham que a nossa Igreja é especial. Ou dos que acreditam que isto da pedofilia é como na canção dos Clã, em que a língua inglesa é mais fácil para amar, mesmo quando são crianças.