Presumo que a insólita ideia de associar o actual primeiro-ministro, na capa da revista do Expresso de sábado passado, ao slogan “Vogliamo Tutto”, criado há 50 anos por um dos movimentos políticos mais radicais da segunda metade do século passado, foi dos jornalistas… Seja como for, esta associação mistificadora não deixa de ter que ver com a campanha eleitoral do PS em busca de uma “maioria absoluta” que faria o mesmo que Sócrates fez desde 2005 até ser corrido em 2011. A cinco semanas das eleições, vale tudo!

Antes de abordar a entrevista do Expresso e o artigo encomendado ao Financial Times, convém que as pessoas saibam que essa frase desconhecida era o slogan — possivelmente inspirado numa velha canção revolucionária italiana — de Potere Operaio, um partido fundado em 1969 e dissolvido pouco depois para se transformar no movimento Autonomia Operaia… Trata-se, como calculam, de uma bizarra evocação oposta a tudo o que António Costa representa!

Efectivamente, ao ler uma entrevista em que tudo é prometido, conclui-se que o PM propõe os mesmos chavões servidos nos últimos quatro anos, alguns manifestamente falsos. O primeiro é o “virar a página da austeridade”, como se esta não tivesse sido “virada” em 2014 pelo governo do PSD+CDS com a “saída limpa” e um crescimento de quase 2% em 2015, ou seja, tanto ou mais do que a “geringonça” veio a fazer em média desde então. Por sua vez, a dívida pública, que era de 100 mil milhões de euros em 2005, já estava perto do dobro em 2011 quando Sócrates chamou a troika e se adicionaram os 70 mil milhões do empréstimo, perfazendo os 250 mil milhões da dívida actual, ou seja, 125% do PIB apesar dos adiamentos feitos e dos ‘bónus’ concedidos pelo Banco Central Europeu. Entretanto, a dívida pessoal de cada um de nós era de 21.000€ no fim de 2015 e aumento para 24.000€ em 2016 e aí se mantém!

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Pior, porque mais mistificador, é falso que o esquelético crescimento económico actual esteja a “evoluir em contraciclo com a economia mundial”, como se a nossa economia não dependesse da europeia desde a criação do Euro (2000) com um crescimento anual médio de zero; e como se nos últimos cinco anos não tivesse dependido do turismo aleatório, do aumento da bolha imobiliária e da poupança próxima de zero, com crescimento médio anual abaixo de 2%!

Em suma, o “cenário” apresentado pelo PM ao Expresso continua, pois, sujeito “àquilo que dependa de nós”, ou seja, das políticas estatistas e da clientelização dos rendimentos dependentes do Estado. É cada vez menos certo, porém, que haja recursos para isso apesar dos baixos juros da dívida, que são a principal tábua a que Costa e Centeno se agarram mas que são, simultaneamente, um sinal de contracção económica. No oposto do “bodo aos pobres” prometido pelo governo, quando os jornalistas perguntaram ao PM se este concordava com a eventual “redução das deduções na saúde para aumentar o investimento no SNS”, Costa respondeu secamente: “Não”! Ora, a saúde é de longe o maior problema do país, juntamente com o sistema de reformas, ambos ligados ao envelhecimento da população, acerca do qual o PM responde com a inútil “promoção da natalidade”…

Com efeito, já se sabe que não haverá estudantes qualificados em número adequado às novas tecnologias da altura, pois esses jovens não nasceram, assim como não nasceram bebés pois as suas potenciais mães também não, conforme a demografia demonstrou. Do mesmo modo, quanto ao conluio socialista imperante – o familismo, o amiguismo, o compadrio, numa palavra, a corrupção generalizada – de que é exemplo o caso Sócrates, que continua por julgar, assim como o do roubo de Tancos, a tudo isso o PM respondeu com a negação ou com a tese de que “a lei é para interpretar”.

A concluir, uma palavra acerca da imprensa internacional que voltou a iludir os leitores a respeito da “geringonça” com um artigo de publicidade onde os “editores” do Financial Times assumem a benevolência manifestada regularmente pelo correspondente em Lisboa. Desta vez, o jornal bem tentou recuperar a ideia disseminada pelo PS acerca de uma mirífica “via portuguesa para a saída da austeridade”, mas defrontou-se com a objecção maciça dos leitores britânicos que conhecem a nossa situação real.

Assim vai a campanha eleitoral de um governo legal mas ilegítimo, pois o PS não teria tido os votos que teve se tivesse anunciado antes das eleições de 2015 que iria aliar-se ao BE e ao PCP, cujas presenças António Costa tenta agora sacudir da sua companhia. Porém, os eleitores sabem que o PS não recua perante nada na sua propaganda e não deixará de se aliar à “esquerda” se não tiver a “maioria absoluta” dos deputados.