Mortal Kombat (MK) é uma franquia com uma história atribulada, que para além dos magistrais jogos que marcaram o mercado doméstico e das arcadas dos anos 90, tornando-se o sucesso que toda a gente queria replicar, passou também pela terrível transição para o 3D com jogos que foram lentamente empurrando a sigla MK para o lixo, contribuindo para a bancarrota em 2009 da proprietária da série, a Midway.

Foi nesse mesmo ano que a Warner Bros. adquiriu grande parte das propriedades intelectuais da Midway (o que incluiu Mortal Kombat) e, meses mais tarde, nasceu o NetherRealm Studios, liderado pelo histórico game designer Ed Boom, criador de Mortal Kombat e que há largos anos não conseguia um jogo de sucesso. Mortal Kombat, o reboot da série e nono jogo da linha principal acabaria por ser lançado em 2011 para gáudio dos media e dos fãs, levando a franquia para o sucesso crítico e comercial de outrora.

Tudo estava diferente. Depois das tentativas de criar ambientes de combate tridimensionais que pautaram (e no meu entender arruinaram) os jogos de luta na década passada, Boon decidiu levar o jogo de regresso às origens, ou seja, ao ambiente bidimensional, mas agora a tirar proveito da tecnologia atual.

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Este é aquele que seria o esqueleto mecânico para Injustice: Gods Among Us de 2013, um jogo de luta construído sobre os pesos-pesados da DC Comics, também ela propriedade da Warner Bros. Esta aventura dos personagens de Comics em jogos de luta não é nova, e não temos de retroceder até ao sucesso dos fighting games da rival Marvel lançados desde 1990 para percebermos isso. Já em 2008 a Midway (antes ainda da bancarrota) e a Warner Bros. tinham unido esforços para criar um crossover fighting game, em que o universo de Mortal Kombat e o da DC se encontraram em Mortal Kombat vs. DC Universe.

Mas Injustice: Gods Among Us era algo diferente. Já não era a junção de três linhas distintas que aconteceu em 2008, a da Midway com o seu MK, a DC com os seus super-heróis e a Warner Bros. a supervisionar tudo e a manter a coesão. Injustice é a visão de Boon e do seu estúdio do que deve ser um jogo de combate com o tom adulto de Mortal Kombat mas a utilizar personagens clássicas como Batman e Superman.

Bem sabemos o quão fracas têm sido as adaptações cinematográficas das joias da coroa da DC, com Batman v Superman a tornar-se um dos filmes de super-heróis da história recente mais universalmente rejeitados. Ironicamente, poucos anos antes já Injustice: Gods Among Us mostrava como fazer uma história sólida com melhores inspirações nos mundos paralelos do material original da banda desenhada. Em Injustice o Super-Homem é o vilão, após ter sido levado ao engano pelo Joker a assassinar Lois Lane. Este evento traumático despoleta um volte-face no bom-samaritano, que decide encetar uma postura mais punitiva perante os criminosos, assassinando-os antes que estes possam matar mais inocentes.

A ele junta-se a Wonder Woman e mais uns quantos super-heróis que concordam com a postura vigilante do último filho de Krypton, criando uma facão autodenominada de Regime. A eles opõe-se Batman, como seria de esperar, que acredita que esta não é a melhor forma de combater o crime.

Injustice 2, lançado a semana passada para quase todas as plataformas, continua este enredo, mas numa fase em que o Batman conseguiu com eficácia enjaular o Superman numa cela especial que inibe os seus poderes, ao mesmo tempo que Brainiac, um dos mais perigosos seres do Universo chega a Terra para destruir os últimos sobreviventes de Krypton e o nosso planeta pelo caminho.

Se conseguir contar melhor uma história de super-heróis que um filme do Zack Snyder pode não ser um feito assim tão proeminente, desenvolver o melhor enredo de sempre de um jogo de luta é algo completamente diferente. Porque convenhamos, se há algo que quase todos os fãs de jogos de luta podem facilmente pôr de lado é uma história. Criar uma narrativa num fighting game é algo que, para muitos, pode ser considerado um mero acessório, mas o que Ed Boon e a sua equipa conseguiram fazer aqui é verdadeiramente surpreendente do ponto de vista narrativo.

Nos quatro jogos que produziram (o que inclui o Mortal Kombat X de há dois anos), o estúdio NetherRealm tem vindo progressivamente a superar-se na criação da campanha individual, mas estabeleceu o standard com este Injustice 2. A forma como os personagens jogáveis vão sendo apresentados ao longo da história, mostrando as suas posições nesta guerra ideológica, e a subtileza como as brilhantes sequências de vídeo e consequentes diálogos transitam para o combate jogável é verdadeiramente sublime.

A solidez do modo de história é tão grande que todos os pormenores, dos ângulos de câmara às provocações que os personagens atiram uns aos outros antes dos combates são apresentados numa sequência única, sem interrupções, e tão rapidamente estamos a ver o Green Arrow a ser surpreendido pelo Bane, como o vemos a preparar-se automaticamente para o combate que se vai seguir, e passamos do vídeo à ação jogável sem existir um único corte de câmara.

Se no que é menos exigido a um jogo de combate, que é a história, este Injustice 2 supera todas as expectativas, no resto das suas características consegue igualar o feito. Do ponto de vista de jogabilidade não é tão complexo como o seu grande opositor, o Street Fighter, e consegue disponibilizar uma experiência capaz de levar novos jogadores a jogá-lo de imediato sem sentir dificuldades. Mantendo mais ou menos a mesma composição de botões de golpes e movimentos em todo o seu elenco, facilmente um novo jogador pega em Injustice e se sente familiarizado.

O elenco é extremamente diversificado, apresentando 29 personagens jogáveis no lançamento, com muitas mais a chegarem com pagamentos adicionais. Mas estas 29 personagens são tão distintas umas das outras que se percebe que a equipa criativa dedicou grande atenção a cada uma, tornando-a única. Injustice 2 possui também um sistema de “subida de níveis” dos personagens, para além de uma grande customização de itens e vestimentas que melhoram a sua prestação. Há muito conteúdo que nos faz regressar ao jogo diariamente e que não se fica pelos combates multiplayer online ou local. Há muitos itens para apanhar e muitos desafios diários que testam as nossas capacidades, para além de muitos super-golpes, porventura exagerados, mas repletos de ação.

Desenvolvido sobre o esqueleto de um tremendo jogo de luta, Mortal Kombat X, Injustice 2 é indubitavelmente o grande concorrente a melhor jogo de luta do ano, mas também um dos melhores jogos que pisaram o mercado em 2017. O seu modo de história eleva o patamar do storytelling no género e constitui uma tremenda lição aos estúdios cinematográficos da Warner Bros. sobre como contar uma história coesa e estruturada com o tesouro intelectual que possuem, os personagens da DC Comics como Batman, Superman e Wonder Woman. Uma lição doméstica que a direção de cinema da WB pode retirar dos seus próprios videojogos.

Injustice 2 consegue contar uma boa história ao mesmo tempo que se torna um dos mais equilibrados jogos de luta que o mercado já criou. Simples para estreantes, mas denso e complexo para quem quiser levar o jogo um pouco mais “à frente”, e que demonstra o verdadeiro pleno de jogos de qualidade de Ed Boon desde que está sob o telhado da Warner Bros. Quatro jogos, quatro sucessos. Mais ou menos como o José Mourinho, se fizermos o devido paralelismo.

Ricardo Correia, Rubber Chicken