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O Estado da Nação, que será debatido no Parlamento esta quarta-feira, não deve resumir-se aos números da economia e do desempenho financeiro. O Estado da Nação também passa por avaliar o estado da democracia. Um dos aspetos com maior visibilidade no último ano foram os debates parlamentares agressivos: em março atingiram-se mínimos, com trocas de insultos e acusações num debate quinzenal entre António Costa e Pedro Passos Coelho. Ao longo do ano parlamentar, sobretudo Assunção Cristas acusou várias vezes o primeiro-ministro de mentir. E era verdade que mentia em algumas dessas circunstâncias. Mas não apenas ele. Em abril, Passos pedia responsabilidades a Costa sobre o veto a nomes indicados pelo Banco de Portugal para o Conselho de Finanças Públicas. Mas não só os pressupostos da questão do líder do PSD estavam errados, como o secretário-geral do PS se recusou responder ao Parlamento.
A democracia é um sistema que pressupõe mais confronto do que consenso. Nem sempre o espetáculo é bonito, mas todos os protagonistas estão sujeitos a maior ou menor escrutínio público.
A avaliação do estado da democracia, no entanto, tem outros aspetos que ultrapassam a medição das temperaturas e decibéis parlamentares. O Observador levanta algumas questões e tenta obter respostas. A forma como foram feitas as poupanças orçamentais é transparente e escrutinável? O Presidente da República está a mudar a configuração dos seus poderes? O Estado tem mesmo falhado e há responsabilização política e institucional? A oposição está em crise e a “geringonça” aproveita mesmo a todos os partidos de esquerda? Ainda vale a pena fazer comissões parlamentares?
Cativações históricas: há falta de transparência?
António Costa tinha uma missão pela frente que muitos diziam ser impossível: conduzir um ambicioso programa de devolução e de aumento de rendimentos, cumprindo ao mesmo tempo as exigentes metas orçamentais acordadas com Bruxelas. Dentro de portas, tinha de manter os pressupostos dos acordos com bloquistas e comunistas, retirando à direita qualquer hipótese de aproveitar um eventual falhanço do Executivo. Para surpresa de muita gente e de instituições, em Portugal e na Europa, o líder socialista conseguiu fazê-lo: cumpriu o défice, a economia cresceu e o desemprego diminuiu. Mas teve um custo. E a fatura detalhada só foi conhecida na última semana: um valor recorde de 942,7 milhões de euros em cativações.
Os números incomodaram a esquerda. Para Bloco de Esquerda e PCP, que sempre exigiram que o Governo de António Costa rompesse com o “diretório” de Bruxelas, os socialistas usaram e abusaram de um instrumento de gestão das contas públicas para atingirem a meta do défice. Surpreendidos pelos números, Bloco e PCP tentam agora pressionar o Governo socialista a dar explicações. A bloquista Mariana Mortágua chegou a dizer: “O facto de aprovar o Orçamento não quer dizer que assine de cruz a sua execução”. E foi mais longe, acusando Mário Centeno de opacidade e de ter um poder discricionário: “Os deputados estão a aprovar um Orçamento para um determinado ministério e depois o ministro das Finanças tem poder discricionário para alterar a verba que de facto é atribuída a esse ministério. Isto passa-se à margem do poder de escrutínio da Assembleia da República”.
O episódio das cativações encerra em si mesmo um problema de escrutínio parlamentar? Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro, não tem essa opinião: “Não diria que existe menos escrutínio. A centralidade que assumiu a negociação parlamentar força o partido do poder, neste caso o PS, a negociar de forma muito mais intensa e mais transparente, algo que não acontecia com anteriores composições parlamentares”, argumenta o politólogo que também é presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política.
A relativa margem de autonomia do PS no quadro da atual solução parlamentar vai-se reduzindo à medida que episódios como este se acumulam, diz Carlos Jalali. “A pressão das negociações nos próximos dois anos vai aumentar. A dinâmica entre os três partidos vai tornar-se mais tensa e ninguém pode garantir que daqui para a frente as coisas corram da mesma forma como correram até agora“.
Não é de estranhar, ainda antes do caso das cativações, que Jerónimo de Sousa tenha sentido necessidade de dizer publicamente que o Orçamento do Estado “não está no papo”. Ou que Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, tenha vindo afirmar, já depois de serem revelados os números das cativações, que os parceiros parlamentares terão “um outono mais animado do que seria necessário”, um prenúncio claro de que a atenção de Bloco e do PCP será redobrada. Ou que ambos, bloquistas e comunistas, comecem a exasperar com o “poder discricionário” e ascendência de Mário Centeno.
“Bloco de Esquerda e PCP têm um jogo difícil de fazer”, antecipa o politólogo João Cardoso Rosas, investigador na Universidade do Minho. Noutras circunstâncias, os dois partidos não poupariam um Governo que apresentasse a fatura que o Executivo socialista apresentou em matéria de cativações ou, por exemplo, em matéria de investimento público — o mais baixo da última década. Mas os dois partidos passaram a ter um “espírito de pragmatismo” que os deixa perante duas opções: ou rompem ou procuraram garantir os ganhos de causa possíveis e enquanto forem possíveis.
Por agora, o episódio das cativações vai provocar uma alteração no comportamento da esquerda, antecipa António Costa Pinto, investigador-coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa: “Bloco de Esquerda e PCP tentarão aumentar os ganhos de causa perante alguma relutância do PS”. Resta saber como é que os socialistas (e Mário Centeno em particular) vão gerir todo o processo.
Quem responde perante as falhas do Estado?
O episódio das cativações é apenas mais um numa lista de tensões que se vão acumulando entre socialistas e parceiros parlamentares. A catástrofe em Pedrógão Grande, o assalto aos paióis de Tancos ou o “apagão fiscal” que permitiu que 10 mil milhões de euros fossem movimentados para paraísos fiscais sem qualquer tipo de tratamento por parte da Autoridade Tributária deixaram a sensação de que o Estado está a falhar nas suas funções essenciais: garantir a segurança dos cidadãos — uma vez que morreram 47 pessoas numa estrada nacional –, garantir que as Forças Armadas conseguem manter o seu armamento em segurança ou que instituições como o fisco funcionam como seria suposto.
Só a recente sucessão de casos — Pedrógão Grande e Tancos — parece ter feito esgotar a paciência dos dois parceiros parlamentares. Catarina Martins, por exemplo, exigiu recentemente que o Governo assumisse “responsabilidades políticas” pelas quebras de segurança do Estado. Jerónimo de Sousa também falou em responsabilidades políticas por “apurar”, mas estendeu essa responsabilização aos anteriores governos de PSD/CDS e PS.
“O facto de Bloco de Esquerda e PCP, historicamente partidos de protesto, ocuparem agora um lugar mais central na discussão política conferiu-lhes um carácter mais benigno“, analisa António Costa Pinto. Para estes dois partidos as regras do jogo político alteraram-se: com responsabilidades políticas, deixou de valer ser possível disparar primeiro e perguntar depois.
À direita, o PSD não tem pedido para rolarem cabeças, mas o CDS tem sido mais assertivo. Assunção Cristas exige a demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e do ministro da Defesa, Azeredo Lopes. Chegou a pedir uma reunião urgente com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa para falar do assunto, que terá sido mais compreensivo com a ministra do que o ministro. “Fragilizam a confiança que todos temos de ter nas áreas de soberania”, criticou a líder do CDS, porque, na sua opinião, se quebrou “a confiança que todos temos de ter nas instituições do Estado”. Para Cristas, “o Estado falhou e tarda em assumir que falhou”, defende Assunção Cristas.
Agora, só o desfecho das investigações em curso deverá responder à pergunta: o Parlamento será capaz de encontrar os responsáveis políticos pelas alegadas falhas graves registadas em Pedrógão Grande e Tancos?
As comissões parlamentares: um modelo esgotado?
A bipolarização do Parlamento e a crescente conflitualidade entre os dois blocos refletiram-se também na forma como foram conduzidas as comissões parlamentares de inquérito — o instrumento de fiscalização por excelência da Assembleia da República.
Depois da comissão de inquérito ao caso BES/GES, que terminou com elogios ao empenho que todos os partidos com assento parlamentar dedicaram aos trabalhos, as comissões de inquérito ao caso Banif e à Caixa Geral de Depósitos ficaram marcadas pelas trocas de acusações entre socialistas, bloquistas e comunistas, de um lado, e sociais-democratas e democratas-cristãos, do outro.
O caso mais evidente foi o da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, que se desdobrou em duas comissões depois da novela das mensagens trocadas entre Mário Centeno e António Domingues ter ocupado a agenda política e mediática. Os trabalhos das duas comissões não perspetivam um final conclusivo.
Pelo meio, PSD e CDS foram falando em “ataques à democracia”, depois de PS, Bloco de Esquerda e PCP terem colocado, sugere a direita, obstáculos ao apuramento de toda a verdade sobre a Caixa. À esquerda, socialistas, bloquistas e comunistas foram acusando os partidos da direita de terem procurado explorar politicamente os casos, numa tentativa de ocultarem as suas próprias responsabilidades na gestão dos dois processos. Seja como for, as respostas, se chegarem, serão sempre insuficientes. E enquanto esta bipolarização se mantiver, não se perspetiva que futuras comissões parlamentares de inquérito produzam resultados como a do BES.
Onde os partidos não chegam a conclusões, o Ministério Público vai desbravando algum caminho. A investigação à gestão da Caixa Geral de Depósitos parece já ter alguns contornos, segundo uma decisão do Tribunal da Relação que cita o MP. Os procuradores suspeitam de prática criminal na concessão de créditos na Caixa por haver “omissão de registos de incumprimento”, havendo clientes com créditos que não estavam a ser cumpridos e que estavam a ser classificados como “créditos sem incumprimento”. Uma informação a que o Parlamento não conseguiu chegar, por a comissão de inquérito esbarrar a toda a hora no sigilo bancário invocado por várias instituições.
PSD e CDS: uma oposição em crise?
A forma como PSD e CDS exploraram o caso das SMS como arma de arremesso político foi interpretada por muitos analistas como um sinal da crise que os dois partidos atravessam: perante os resultados positivos do Governo socialista, a direita procura capitalizar todos os casos que de alguma forma possam abalar o Executivo de António Costa. Mas somam-se as dificuldades para encontrarem um discurso próprio.
“A estratégia de Pedro Passos Coelho correu mal desde o início”, aponta João Cardoso Rosas. “Primeiro, insistiu num discurso de falta de legitimidade do PS, depois apontou para as metas orçamentais e traçou um cenário demasiado catastrofista. Mas falhou”, defende o politólogo.
Uma posição partilhada por Carlos Jalali. “Ser oposição em Portugal é difícil e quando as coisas estão a correr bem ao Governo ainda é mais difícil. E o PSD demorou demasiado tempo a libertar-se da ideia de que o PS usurpou o poder“, nota o professor universitário de Aveiro.
O CDS encontrou outra forma de responder aos desafios. Trocou de liderança e distanciou-se do anterior Governo. “Têm havido algumas flutuações, mas o CDS conseguiu um deslocamento mais rápido do que o PSD. Quase que parece fazer crer que não fez parte do anterior Governo”, defende Carlos Jalali.
E aqui há outro dado interessante a juntar à equação: com o Bloco de Esquerda e PCP do outro lado do muro, “o protesto transferiu-se para outro lado do espectro político, isto é, para o CDS”, completa João Cardoso Rosas. Não tendo o “mesmo perfil” que os outros dois partidos mais à esquerda, os democratas-cristãos procuram ocupar um espaço que o PSD, por ser um partido tradicionalmente de poder, não consegue ocupar.
Além disso, Pedro Passos Coelho enfrenta outro problema que não se tem colocado a Assunção Cristas: gerir as tensões internas do partido. “Não é novidade nenhuma“, adverte António Costa Pinto. “Na história da democracia portuguesa, sempre que o PSD esteve na oposição teve sempre muita dificuldade em encontrar um discurso próprio. E os dilemas que se colocam agora a Pedro Passos Coelho são os mesmos que outros líderes do PSD já enfrentaram. Foi sempre assim”, sublinha o politólogo.
Os problemas para Passos não terminam aqui. Mesmo depois de ter conduzido um programa de assistência financeira com sucesso — conseguiu reduzir um défice de 12% para 3% — e mesmo depois de ter vencido as eleições legislativas, a dificuldade em contrariar a política otimista do Governo socialista, está empurrar o líder do PSD para uma posição sensível: explicar aos eleitores onde estão as falhas de António Costa e como faria diferente.
O ex-primeiro-ministro mantém a ambição em reeditar o duelo com António Costa nas próximas eleições legislativas, em 2019. Para já, terá de ultrapassar o desafio das autárquicas e resistir aos challengers que vão desfilando nas sombras. As peças movem-se no aparelho e Rui Rio surge cada vez mais como um adversário nas diretas previstas para o primeiro trimestre de 2018, se não forem antecipadas por causa do resultado nas autárquicas.
No CDS, Assunção Cristas vai tentar um brilharete na Câmara de Lisboa, naquele que é o seu primeiro teste à liderança. O pós-autárquicas determinará a força da oposição a António Costa no Parlamento.
A “geringonça” serve melhor a quem?
António Costa chegou ao poder quando os astros apontavam em sentido contrário. Na Europa, os partidos irmãos caíam para mínimos históricos eleição atrás de eleição; dentro de portas, a herança deixada pelo Governo de José Sócrates era difícil de ultrapassar e o líder socialista, que afastou António José Seguro prometendo uma maioria absoluta, continuava sem convencer de que seria capaz de fazer diferente com os mesmos recursos de Pedro Passos Coelho.
A verdade é que António Costa perdeu no teste decisivo — as eleições legislativas de 2015 — mas sobreviveu para contar a história: fez um acordo histórico com Bloco de Esquerda e PCP e, daí para cá, tem cumprindo a agenda política a que se tinha comprometido, reforçada, em ritmo e intensidade, pelas propostas de bloquistas e comunistas.
Ao slogan “virar a página da austeridade” juntou-se “o menor défice da história da democracia portuguesa”, conseguido, é certo, à custa de linhas que não estavam escritas no guião: cativações, reduzido investimento público e transferência do peso dos impostos diretos para os impostos indiretos. Mas até nisso António Costa foi politicamente hábil: com um discurso político certeiro, assente em políticas concretas de devolução e aumento de rendimentos, mudou a perspetiva dos portugueses em relação à necessidade de garantir uma rigorosa execução orçamental. A austeridade continua a existir, mas o fantasma dos anos da troika desapareceu.
“O sucesso do Governo não é independente da conjuntura que o país atravessa”, nota António Costa Pinto. A estabilidade política do Governo — e, por inerência, da atual aliança parlamentar — depende dos resultados económicos e da credibilidade que Executivo mantém junto dos parceiros parlamentares. Se, ou quando, isso desaparecer, tudo pode desmoronar.
E mesmo as tensões com os partidos à esquerda têm sido geridas com relativo sucesso, acrescenta João Cardoso Rosas. “Os três partidos, sobretudo Bloco de Esquerda e PCP, têm revelado até agora um bom jogo de cintura. Não existe qualquer incentivo para nenhum dos três em entrar em rutura, porque percebem o elevado custo eleitoral que teria”, sublinha o politólogo.
Mesmo que esta aliança traga “riscos” para os três partidos, completa Carlos Jalali, Bloco de Esquerda e PCP perceberam desde cedo que esta aliança, por muito que se demarquem dela em determinadas circunstâncias, permite que conquistem “uma série de medidas para o seu eleitorado que de outra forma dificilmente conseguiriam”.
As consequências desta nova roupagem pragmática de bloquistas e comunistas para o sistema político português são significativas. Primeiro, porque o “Parlamento se deslocou para a esquerda, o que ajuda a explicar esta acrimónica crescente que existe entre PS e PSD“, sugere João Cardoso Rosas. E depois porque, Costa, ao transportar a extrema-esquerda para o “cerne do jogo parlamentar” conseguiu “moderar os dois partidos, resgatando-os do discurso de protesto”. Outra consequência é a menor agressividade do escrutínio do Bloco e do PCP.
Existe outro dado que pode ajudar a explicar o novo quadro político português. Mesmo as tensões que se registam à esquerda no Parlamento servem “ironicamente” aos três partidos, defende António Costa Pinto: serve ao PS, porque veste a pele de partido mais moderado e conquista votos ao eleitorado de centro; e serve a Bloco de Esquerda e PCP, que seguram o seu eleitorado tradicional. É o que parecem sugerir as sondagens realizadas até ao momento: o PS quando cresce, cresce à custa do PSD; Bloco de Esquerda e PCP não descolam, mas também não perdem eleitorado para os socialistas, um dos grandes riscos desta aliança parlamentar para os partidos da extrema-esquerda.
Resta saber se, no futuro, Bloco de Esquerda e PCP vão conseguir passar a mensagem que têm vindo a ensaiar: por um lado, as conquistas da atual solução parlamentar pertencem à extrema-esquerda; os erros cometidos são cometidos porque os socialistas ainda têm os vícios e a doutrina do Bloco Central. “Não é fácil transmitir esta mensagem. Aconteça o que acontecer, os três partidos vão ficar associados aos resultados da geringonça”, salvaguarda Carlos Jalali. Para bem ou para o mal.
Qual é o novo papel de um Presidente interventivo?
Omnipresente, omnisciente e quando se trata da sua reserva de competências, aparentemente omnipotente. Marcelo Rebelo de Sousa introduziu uma nova forma de entender os poderes presidenciais. Não o suficiente para dizer que abdicou da magistratura de influência pela magistratura de interferência, concordam os politólogos ouvidos pelo Observador, mas o bastante para o colocar em lugar de destaque no equilíbrio de poderes.
“O Presidente da República é mais ativo e mais presente, por personalidade e doutrina, que o seu antecessor. Mas a relação com o Governo e com o Parlamento tem sido muito equilibrada, não vejo aqui nenhum regresso ao eanismo, ou uma presidencialização do regime”, defende João Cardoso Rosas.
Para Carlos Jalali, “Marcelo tem uma visão mais ampla” daquela que deve ser a atuação de um Presidente da República, por oposição à “visão minimalista” de Cavaco Silva. A centralidade que o Parlamento assumiu, o facto de António Costa liderar um Governo minoritário e a legitimidade própria de Marcelo Rebelo de Sousa, fizeram com que fosse “restabelecida alguma preponderância do cargo de Presidente da República. Mas creio que é ainda demasiado cedo para retirarmos esses sinais de interferência”, diz o investigador.
Ainda que rejeite igualmente a tese de que o Presidente da República impõe uma “magistratura de interferência”, António Costa Pinto também concorda neste ponto: “Marcelo é declaradamente mais interventivo de que Cavaco Silva. Isto sem qualquer juízo de valor. É um facto”.
Os motivos são semelhantes aos lembrados por João Cardoso Rosas: a preponderância que as negociações parlamentares ganharam obrigam o Presidente a estar mais atento; o Governo minoritário do PS exige outro suporte; e Marcelo entende as funções presidenciais de outra forma. Até agora, no entanto, essa gestão tem sido feita com algum equilíbrio. “Até porque, dadas as circunstâncias, o PS tem de aguentar. Noutras não o faria”.
A história dos desentendimentos entre presidentes da República e primeiros-ministros é fértil. “Basta lembrar como começou e terminou a relação entre Cavaco Silva e José Sócrates“, remata João Cardoso Rosas. Mais do que manter a lua de mel com a esquerda, conseguirá António Costa manter o abraço amigo de Marcelo Rebelo de Sousa por muito tempo se as crises continuarem a multiplicar-se?