Apesar dos recentes e muito consideráveis esforços do PS para surgir ao país como um todo responsável e uma tribo moderada, julgo que as coisas pelo Rato serão até ao ultimo minuto, na última urna de voto, mais pesadas do que podem parecer ao primeiro relance. E que a empreitada pode ser mais espinhosa do que o enlevo com que é lançada ao ar do país pelos arautos socialistas, co-pilotados por uma generosa media.

Sucede justamente que o PS não é um só “todo”.  Bem pelo contrário. O que exige ao seu chefe um extenuante – porque permanente – cálculo do que pode dizer hoje a uns e amanhã aos outros: há uma sinuosidade visível em medidas, intenções, decisões, objectivos: avançam, recuam, ficam entre-parêntesis, estão em banho de Maria ou, pura e simplesmente, somem-se. Nada está totalmente “aberto”, nem “decidido”, nem“fechado”: tudo pode ser revisto, mexido, alterado, modificado. Compreende-se o ensejo. Há que tirar uma (impossível?) bissectriz entre o que recomenda a responsabilidade de quem por lá sabe fazer contas e o que reclama a irresponsabilidade excitada dos primos do Syriza que não aprendem nem esquecem.

Ter de satisfazer  – e segurar –  gregos e troianos não será o melhor nem o mais confiável dos programas políticos.  Com o Syriza, é certo, ainda foi o menos: o íider socialista transformou convenientemente o fervor de ontem em ex-fervor, apelidando-os hoje de “loucos”, mas todos estamos lembrados da exaltação socialista com aqueles rapazes gregos que iriam (salvificamente) levantar a voz a Berlim nos palcos da UE. O pior é que há temas que não podem ser tão expeditamente aviados, ficando por isso diante da plateia do país, a pairar numa hesitante polka entre o que é para ficar e o que é para sair, num sempre inconcreto caderno de encargos.  Dir-se-á que há tempo para o concretizar. Haver há, mas até lá, até o tempo se esgotar, a sinuosidade de razões e comportamentos do PS desconvence mais que convence.  (Certo, certo, é o que não devia sê-lo: os anúncios de marcha atrás em decisões que têm a ver com o interesse nacional e que surgem mais como amuos ressentidos com a coligação do que como uma sólida soma de argumentos. Mas as consequências para o país, essas sim, seriam solidíssimas).

A propósito de amuos, também não estou certa que o permanente fechamento do PS a atender a alguma coisa, que venha do seu lado direito, receba o entusiástico aplauso do país. Como os portugueses não são parvos, seria porventura mais avisado não fazer deles tão parvos: bombardeando-os até a exaustão sobre as infelicidades infligidas pela coligação, a total inutilidade dos sacríficos que suportaram ou o erro da “dieta” a que foram submetidos. Como muito bem “viu” João Taborda da Gama em recente artigo, “acima de tudo (os portugueses) não querem ouvir que a dieta foi em vão”. E como o “povo” também não é cego, não vai ser possível continuar a esconder-lhe alguns bons algarismos económicos, algumas boas noticias, alguns resultados simpáticos, embora permanentemente desmentidos pelo PS ou pior, incessantemente troçados pelos dirigentes socialistas.

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A troça e o desdém nunca se se recomendaram e politicamente podem ser assassinos: quem sofreu sacrifícios dispensa bem ser altivamente apelidado de estúpido e quem vê chegar o barco a porto mais ameno também dispensa ser troçado por ter conseguido entrar nas suas águas.

2 – Quem diria que haveria nuvens no céu socialista que a esta hora deveria ser claro, limpo e aberto? Quem negaria que um líder que chegou há pouco e incólume daquelas sempre grandes maçadas de “liderar a oposição”; que nunca teve que enfrentar Passos Coelho no Parlamento; que se pôde dar ao luxo de ignorar a troika e os seus capatazes; que nunca teve de tomar qualquer “pé” em nada que ocorresse no seu partido nem no país, fora, bem entendido, do perímetro da Câmara de Lisboa; que aterrou no PS quando quis, sem absolutamente nenhum entrave à sua frente e com um partido rendido aos seus pés (ainda está?) não estava hoje no pelotão da frente a correr distanciadíssimo dos outros? Ou quem apostaria que, com a coligação ainda para mais em maré baixa de discurso politico (falta-lhes ambição, desafio, energia, futuro), o horizonte socialista não era,  já rosa vivo?

É que mesmo sabendo que a palavra “mudança” pode ter mel e funcionar como um iman, atraindo e prendendo, a caminhada do PS, independentemente do resultado que Outubro trouxer, não me parece que se adivinhe fácil e fluida até à meta como (nos) a pintam. E haveria ainda que evocar porventura a pior nuvem que parece estacionada sobre o partido: uma espécie de folgada negligência que sempre caracteriza o PS quando se trata de recursos, em português corrente de…. dinheiro. O dos outros. Apesar do respeito ou simpatia – é conforme os casos – que  me merecem alguns dos economistas do Largo do Rato, como acolher racionalmente aquelas previsões macro-económicas? Como não tremer face aos pressupostos onde se baseiam as “ideias” para Segurança Social? Que pensar daquela fé em que um futuro e duvidosíssimo “consumo” seja o inquestionável combustível do crescimento? (atenção, consumo esse que a ocorrer será, não se duvide, maioritariamente feito à base de importações?); Ou de algumas das “generosidades” prometidas com a voz firme e a atitude segura de quem se propõe liderar uma pátria pobre que milagrosamente ficará rica e um país sem meios financeiros que subitamente se encontrará pródigo deles? Que se saiba nem António Costa nem os seus pares têm uma secreta varinha mágica ou contactos, mesmo que intermitentes, com magos ou ilusionistas. Ou terão?

É que as dúvidas que acima expus não são de somenos. Trata-se do país e não de uma quermesse partidária. São coisas que pesam. Fazem pensar, perturbam as expectativas, interferem nas decisões. Escolher não pode ser de borla e o pior que podia acontecer a Portugal era acreditar na ilusão de um regresso à vida que se levava.

P.S.: Numa coisa estou porém em franca concordância com estes meus amigos: eu também teria apreciado que o Governo -mesmo decidido a manter a”sua” – tivesse conversado com a oposição socialista sobre a futura liderança do Banco de Portugal. Possivelmente se eu dissesse isto mesmo a alguém do poder, vinham-me com o argumento do “eles não querem nada, dizem sempre não a tudo”. O que sendo absolutamente verdade não deveria impedir que mesmo assim o primeiro-ministro tivesse conversado com o PS. Ficaria o gesto e os gestos quase sempre contam. Na política e fora dela.