A minha primeira sugestão de livros para o Natal é Virtude Política: Uma Análise das Qualidades e Talentos dos Governantes, de Pedro Rosa Ferro (Almedina, 2017). Trata-se de um livro importante sobre um tema muito importante: a virtude política.

O autor detecta um paradoxo curioso nas nossas contemporâneas democracias liberais. Por um lado, é voz corrente a condenação da falta de virtude política nos detentores de cargos públicos (por vezes designados como ‘elites’). Por outro lado, a praça pública, ou o debate político público, encara com sérias reservas (para dizer o mínimo) qualquer referência ao conceito de virtude — embora lance simultaneamente sobre os políticos a suspeita permanente de não praticarem a virtude.

Pedro Rosa Ferro discute este paradoxo com notável abertura e profundidade. Através de uma vigorosa conversação crítica com alguns dos grandes filósofos ocidentais — Aristóteles, Tomás de Aquino, Locke, Burke, ‘Publius’ e Tocqueville, entre outros — Pedro Rosa Ferro recorda uma nobre genealogia intelectual da tradição ocidental em que o ideal da liberdade e o sentido pessoal de dever sempre estiveram associados. Em rigor, o autor parece sugerir uma tese ainda mais forte: a liberdade e o governo limitado não estarão seguros, se não existir uma cultura pública comum que valorize a virtude e o autocontrolo.

Esta era seguramente a convicção de Edmund Burke — para quem liberdade e sentido pessoal de dever eram virtudes inseparáveis. Em Edmund Burke: A Virtude da Consistência (Universidade Católica Editora, 2017), João Pereira Coutinho recorda precisamente a originalidade de Burke — o defensor da revolução americana de 1776 e o crítico severo da revolução francesa de 1789.

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No centro dessa originalidade de Burke estava a ideia crucial de que a liberdade ordeira requer o sentido pessoal de dever. Se essa associação for quebrada, preveniu Burke, o resultado será, primeiro, a desordem e, depois, o despotismo e a tirania. Como recorda João Pereira Coutinho, tratou-se de um alerta premonitório sobre os resultados desordeiros, primeiro, depois despóticos, da revolução francesa. Esse alerta deve ser hoje enfaticamente recordado a propósito da atmosfera cultural relativista em que vivemos.

Esta mensagem sobre a centralidade dos padrões de comportamento é exemplarmente transmitida pelo livro Comandar no Mar, coordenado por Comandante Orlando Temes de Oliveira e editado por Almirante Alexandre da Fonseca (Edições Revista de Marinha, 2017).

Trata-se de uma colectânea de empolgantes testemunhos de pessoas que tiveram a seu cargo a difícil responsabilidade de comandar tripulações e navios, de guerra e da Marinha Mercante. Da leitura desses diferentes testemunhos, emerge a comum percepção de que as condições exigentes de vida num navio requerem a educação do carácter do líder do navio. Essa liderança inclui saber manter e estimular um bom ambiente a bordo — saber promover a educação do carácter entre os seus subordinados.

Por outras palavras, na vida a bordo de um navio, as teorias relativistas pós-modernas sobre a equivalência e arbitrariedade de padrões de comportamento caem por terra — ou, mais exactamente, caem ao mar.

Em suma, os três livros que aqui sugiro para este Natal podem ser descritos como tendo uma tema comum: a indispensável associação entre liberdade e sentido pessoal de dever. Esta associação costumava estar no centro da ideia de sociedade livre e civilizada: uma sociedade que pressupõe cidadãos livres e responsáveis — gentlemen, na feliz expressão inglesa.

Curiosamente, Karl Popper costumava definir o conceito de gentlemanship como designando aqueles que, não se tomando demasiado a sério, estavam preparados para tomar muito a sério os seus deveres — especialmente quando a maioria à sua volta só falava nos seus direitos.