Alto já o era. Mas franzino. De músculo, via-se pouco. O cabelo estava mais longo, despenteado e com marcas loiras. O sorriso, esse, já rasgava a cara. Muitas vezes. E mostrava os dentes, ainda tortos. Ronaldo, o Cristiano, era um miúdo. Dias antes, pegara numa caneta e colocara a assinatura no papel que mudaria a sua vida. Talvez ainda não o soubesse, mas foi isso que aconteceu. De repente, o rapaz de Santo António, no Funchal, passava a ser de Manchester.

E do United. Do lado vermelho da cidade. Ronaldo tinha 18 anos. Um recém-adulto. Na bagagem para Inglaterra só levara 31 jogos e cinco golos, registo que foi acumulando no armário durante a única época que cumpriu na primeira equipa do Sporting. Os leões, os verde e brancos, com quem brincou às fintas e aos remates contra os red devils, na inauguração do Alvalade XXI, o na altura novo estádio do Sporting.

Alex Ferguson ficara pasmado. A contratação já estava apalavrada, mas a exibição, a ousadio do miúdo, acelerou-a. Seis dias após o jogo, 15,3 milhões de euros estava nos cofres do Sporting. E Ronaldo pisava o relvado do United. Quatro dias volvidos, a 16 de agosto, o português regressava a Old Trafford. E de início, não correu. Não o deixaram.

Esteve mais de uma hora sentado no banco de suplentes. À espera. A assistir. E apenas se levantaria quando o relógio chegou aos 61 minutos. “Achei o ritmo demasiado lento e sabia que o Cristiano nos poderia dar penetração”, confessou Alex Ferguson, já depois do jogo, contente com os 4-0 da vitória com que a equipa se acabara de estrear na Premier League, versão 2003/2004.

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E feliz por outra coisa. Durante 29 minutos, vira Ronaldo, o primeiro português a jogar pelo United, a cansar a bola com corridas, a ziguezaguear entre homens do Bolton e a lançar cruzamentos para outros aproveitarem na área. À esquerda, à direita, pouco importava. Cristiano queria dar nas vistas. E deu. “Foi uma estreia maravilhosa. Quase inacreditável”, disse Ferguson. Talvez tivesse razão: no tempo em que esteve em campo, o português sofreu um penálti e o United marcou três golos.

Sempre que a câmara o focava, espreitando a cara do miúdo, após o português fintar, rematar, cair na relva ou tirar um cruzamento, Ronaldo nada dizia. Já ali estivera mil e uma vezes antes, parecia dizer, com a expressão concentrada de quem desejava aproveitar a primeira oportunidade que lhe era dada. Ao todo, seriam 40 o número de oportunidades — ou de jogos — que realizaria pelo United, em 2003/04, com seis golos marcados pelo meio.

O suficiente para, no final da época, adiar as férias durante uma semanas: com 19 anos, atendeu um telefonema, ouviu um sotaque brasileiro do outro lado da chamada e lá foi ele para o Europeu de 2004. Luiz Felipe Scolari, o então seleccionador português, levou Ronaldo para a competição, na qual marcaria dois golos. Quatro dias após se estrear pelos red devils, aliás, o imberbe craque começou a fazer outra coisa — a jogar pela seleção nacional. A 20 de agosto, contra o Cazaquistão, cumpriu a primeira das 114 internacionalizações que já leva com Portugal.

Em Manchester, vestido de vermelho, seriam 292 jogos, feitos entre 2003 e 2009. Golos, houve muitos: foram 118. Na penúltima no clube, marcou 42, um (então) recorde, que até lhe valeria uma Bola de Ouro, em 2008, após também conquistar a Liga dos Campeões, em Moscovo, frente ao Chelsea. Pelo meio, a história também se fez de aprendizagem: aprimorou a arte de pontapear uma bola, aprendeu a marcar os livres-bomba e a ser um extremo em metamorfose para se tornar no goleador que hoje é no Real Madrid. E tudo começou no tal 16 de agosto de 2003.