O primeiro candidato “oficial” à corrida a Belém, o socialista Henrique Neto, rompeu o silêncio quase total a que se tinha votado depois do anúncio da candidatura e, em entrevista ao Diário de Notícias, falou sobre o futuro, sobre as presidenciais, sobre o “erro de casting” Cavaco Silva e, claro, sobre o novo PS de António Costa. O ex-deputado garantiu que continua a “rever-se no partido”, como “sempre” o fez, mas admitiu que tinha “a perfeita consciência de que António Costa não iria apoiar a [sua] candidatura, em nenhuma circunstância, por diversas razões”. Quais? Desde logo, os muitos “interesses” que existem no partido, também ele refém de um “mundo viciado com regras pouco claras e de problemas táticos partidários”.

Desafiado a comentar o atual rumo do PS, Henrique Neto, conhecido por ter sido uma das vozes mais críticas das últimas lideranças do partido, começou por dizer que preferia não comentar, até porque este é o momento de “unir os portugueses” e deixar de lado o papel de “comentador”. Mais à frente, no entanto, acabou por comentar os últimos secretários-gerais socialistas. António Costa? “Uma interrogação”. O seu antecessor e derrotado nas primárias do PS, António José Seguro? “Um homem bom”. Já José “vendedor de automóveis” Sócrates? Um “desastre”.

O ex-primeiro-ministro foi, de resto, o principal alvo de Henrique Neto. O agora candidato presidencial considera que José Sócrates “fez muito mal ao país” e contribuiu “para o estragar do ponto de vista financeiro, económico, ético e comportamental”. Uma opinião que, acredita, não é “bem aceite por alguns dos seus [de José Sócrates] amigos do PS”. “Isso sentiu-se quando se soube desta candidatura. Os seus amigos foram muito vocais, como seria expectável”, afirmou.

Também a liderança de Cavaco Silva, enquanto ex-primeiro-ministro e atual Presidente da República, não foi esquecida por Henrique Neto, nesta entrevista. O socialista teceu duras críticas ao homem a quem quer suceder, descrevendo-o como um completo “erro de casting como político” e um dos culpados pela má condução do processo de integração europeia, “um erro que ainda estamos a pagar”.

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“Em grande medida foi [Cavaco Silva] o grande iniciador de um processo errado de condução do país. Portugal nunca foi um país europeu, foi sempre um país atlântico, desde D. João II, e com a libertação dos países coloniais ficou sem orientação estratégica. (…) Com Cavaco Silva, com a União Europeia, mais tarde no euro, Portugal perdeu de vista séculos de uma estratégia para querer ser sofregamente o bom aluno europeu”, lamentou.

Nesse sentido, é lógico falar de Mário Soares. O ex-deputado socialista foi mais contido nas críticas a Soares, mas, ainda assim, Neto não se coibiu de dizer que “nunca [foi] soarista”, que nunca “concordou politicamente com ele” ou, sequer, “gostou” de Mário Soares. Tudo começou num “almoço em Alenquer” de homenagem ao fundador do partido em que Mário Soares “fez uma intervenção” que desagradou a Neto, como contou ao DN. Desde aí, as divergências só aumentaram e não houve tempo nem vontade para fazerem as pazes.

Voltando às presidenciais, Henrique Neto não teve dúvidas em escolher o  candidato mais forte à direita: Marcelo Rebelo de Sousa. Isto no plano teórico, claro, até porque, até ao momento, Neto foi o único que deu o “sim” a Belém. Quanto a Marcelo, o socialista descreve-o como uma “pessoa com grande capacidade de movimentação popular” e, por isso, um forte candidato.

Ainda assim, há um outro nome à direita, este menos provável que avance, mas que preocupa igualmente Henrique Neto: o ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, uma pessoa “mais racional, mais independente, mais a pensar pela sua cabeça e menos suscetível de ser manipulado”. Elogios que, nas entrelinhas pelo menos, podem ser entendidos como críticas a Marcelo.

Já em relação a Pedro Passos Coelho, Henrique Neto considera que o primeiro-ministro “talvez fosse bom” daqui a “20 anos”, mas que ocupou o cargo “antes do tempo”. Apesar de afirmar que Passos cometeu “demasiados erros”, Henrique Neto não criticou tanto o primeiro-ministro por ter aplicado a receita da austeridade, mas sim pela forma como distribuiu os “sacrifícios”, tendo prejudicado os mais fracos e privilegiado “as classes médias altas, as grandes empresas, os grandes grupos económicos, até com prejuízo para a economia”.

Quanto ao caminho que preparou até Belém, o antigo porta-voz do PS para a economia não tem dúvidas: “esta candidatura – totalmente independente e fora do apoio dos partidos – pretende contribuir para as mudanças na política portuguesa”.

Henrique Neto apresenta oficialmente a sua candidatura ao cargo de Presidente da República esta quarta-feira no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.