O mercado que existia na Praça de Espanha há mais de três décadas encerrou esta quarta-feira, deixando na incerteza o futuro da maioria dos comerciantes que ali montavam as suas bancas diariamente. O último dia foi aproveitado por vendedores e compradores para regatear o preço das últimas peças de roupa penduradas entre pilhas de caixotes de cartão, cabides perdidos e prateleiras vazias.

A tarde ia a meio e algumas bancas do mercado já tinham sido “abandonadas” pelos seus proprietários depois de devidamente esvaziadas. Os que ainda ficavam, limitavam-se a adiar o inevitável por mais algumas horas, enquanto o funcionário da empresa CME não vinha cortar a eletricidade.

Maria Felicidade e José Ramos contam 43 anos de casamento e 31 a vender roupa no extremo sul do mercado da Praça de Espanha. “Foi daqui que tirei o sustento para criar os meus quatro filhos”, dizia Maria, enquanto o marido esvaziava uma espécie de manequim insuflável que usava  para dar a conhecer as calças da moda. E o que vai fazer agora? “Vou parar. Aos 66 anos acha que já não mereço descansar?”, perguntou, enquanto tentava vender os dois últimos pares de leggings a 10 euros cada.

Dois ou três corredores mais acima, Etelvina varria um amontoado de cartão e plásticos, restos de 30 anos a vender roupa desportiva na Praça de Espanha. Etelvina não quis ser fotografada mas lá foi contando, entre algumas risadas, que agora vai de férias para o Taiti. “Enquanto aqui estive nunca tirei férias, por isso tenho muitos dias acumulados”, explicou enquanto vasculhava uma carteira esquecida que ficou por vender. “Pode ser que tenha dinheiro”. Mas não tinha.

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Mais perto da estrada, o barulho das marteladas quase abafava o som dos carros que ali passam antes de entrar na megarotunda da Praça de Espanha. Shamime, comerciante de um dos poucos bares que ainda existiam no mercado, levou os sobrinhos para a ajudarem a desmontar o seu local de trabalho durante três décadas. “A indemnização que me deram não serve para muito, mas ainda consegui vender a máquina de café e os frigoríficos”, contou ao Observador.

Uns metros abaixo e a história (e os números) é semelhante. Usha e Bhica, um casal de indianos, vendiam roupa de criança no mercado há 31 anos. O derradeiro dia aproximava-se do fim mas Usha ainda tentava vender as últimas peças de roupa em frente à bancada iluminada por algumas velas. A luz tinha sido cortada antes da hora de almoço. E agora? “Vamos para casa. A indemnização que nos deram não dá para nada”, disse. Bhica concordou e desabafou, de olhar resignado: “Tenho pena de deixar isto. Foram mais de 30 anos aqui…”

O mercado da Praça de Espanha encerrou assim, deixando espaço para a reabilitação daquela zona da cidade. Dia 1 de outubro marca o início de uma nova vida para aqueles que foram os seus comerciantes.