António Costa já está em plenas funções quase dois meses depois das eleições legislativas. Governo empossado, programa aprovado, moção de rejeição chumbada sem dissidências à esquerda. Mas não há uníssono. Nem à esquerda, onde o BE se desviou do PS nuns assuntos e o PCP noutros, nem à direita: Portas foi mais duro e direto, Passos mais longo, mas com um aviso: se em algumas matérias até pode aprovar algumas coisas para o país, sempre que Costa precisar do PSD para sobreviver, não o terá. Ou melhor, poderá ter, desde que agarrado a esse voto esteja uma demissão do Governo e a convocação de eleições.

Para o futuro, Costa sai com uma certeza, não será Passos a dar-lhe a mão. Nem Portas. Apesar de poderem vir a existir entendimentos. Ou pelo menos é isso que deseja, nas palavras, o PS. Costa chamou os peso-pesados para fazerem um apelo ao consenso, ao diálogo, ao compromisso, depois de passado “o ressentimento” ou “ressabiamento”. Disse-o Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros e número dois do Governo, e Carlos César, líder parlamentar do partido.

Perante as posições estratégicas de lado a lado, o último dia debate do programa do XXI Governo Constitucional terminou com o chumbo da moção de rejeição ao programa de Governo de António Costa. Não sem Passos Coelho deixar um recado para futuro: quando Costa precisar do PSD para sobreviver, que tenha a “dignidade” de convocar eleições.

“No dia em que o nosso apoio possa ser decisivo para alcançar algum resultado essencial que a maioria que suporta o Governo não for capaz de garantir, apenas esperamos que tenham a dignidade de devolverem a palavra ao povo, para que seja dessa feita ele mesmo a escolher o futuro Governo de Portugal”.

A frase já foi dita fora de tempo, a correr. O discurso era mais longo do que os minutos que tinha para o ler. Por isso, Passos leu-o, não o disse. Foi contrário a Portas, que prolongou as palavras para ser bem ouvido, aplaudido e a provocar reações. E Passos disse também coisas diferentes de Portas. Foi uma pequena fresta, mas pareceu mostrar-se disposto a pequenos entendimentos. Foi por isso que disse que será uma “oposição determinada, séria e responsável” e que não será contra tudo. “Não deixando de apoiar tudo o que promova esta visão positiva da sociedade portuguesa”.

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Mas para Passos há linhas vermelhas: o défice é para manter abaixo dos 3%, o poder da CGTP e dos “outros grupos de pressão” deve ser contido, o projeto europeu tem de ser respeitado, o Tratado Orçamental não pode ser rasgado e a as “políticas de reforma estrutural” devem prosseguir e ser aprofundadas, para garantir “a melhoria da competitividade”  da economia portuguesa.

Passos aposta fichas no PCP. Se até agora, a ideia passada pelos sociais-democratas – e ao longo do debate também – era a de que este Governo ou “geringonça” era um oportunismo de Costa para sobreviver politicamente, Passos insistiu na “deriva radical” de António Costa. Ou seja, é mesmo por motivos ideológicos.

A posição do PS foi um espelho oposto. Para já, a ordem é de “reunir”, como disse Santos Silva. E por isso, o homem que um dia disse que gosta de “malhar à direita” conteve-se na violência oral. Santos Silva, que agora é o número dois do Governo, preferiu pedir o fim do ressabiamento e da crispação. “Espero que o ressentimento seja revogado sem delongas”, disse.

“Não haverá, da parte do Governo, nenhuma espécie de comprazimento. Apesar das palavras de certo rancor hoje proferidas por alguns senhores deputados, vírgula, ainda ressabiados, acredito que não haverá no futuro, do lado da oposição, nenhum ressentimento e nenhuma crispação”, disse.

Santos Silva segue a linha de Carlos César. O homem que lidera a bancada parlamentar apelou ao diálogo. “Esperamos da oposição uma relação de confiança, de responsabilidade e de abertura. É tempo de ultrapassar o agastamento e a invocação das atribulações passadas. É tempo de reconstruir!”, disse.