O Iraque é um país mau, de guerra, que enche manchetes. Mas será mesmo assim? Os iraquianos e o resto do mundo conhecerão a verdadeira história do país árabe? O Museu de Basra mostra um outro Iraque, transformando um local ligado à ditadura num berço de história e esperança.

Quando Yazan Fadhli — que trabalha para o exército americano como tradutor — se apresenta às pessoas e menciona que vem do Iraque, a sua terra natal levanta, imediatamente, questões sobre o Estado Islâmico, a violência, as armas químicas e os carros-bomba. No entanto, a zona de onde vem, Bagdade, é considerada o berço da civilização, da matemática, astronomia e medicina, um local de grandes impérios antigos que muito contribuíram para a ciência, a arte e a arquitetura.

O Iraque é historicamente significante por muitas razões mas no topo da lista deve estar o facto de abranger áreas onde algumas das primeiras civilizações surgiram. Já foi um dos mais proeminentes centros de aprendizagem global” afirma Seth Cantey, professor de Política na Washington and Lee University, em Lexington, Virgínia (EUA).

Mas não é desta forma que o resto do mundo olha para o Iraque, que enche manchetes há décadas e sempre pelos piores motivos.

Devido às guerras que sofremos desde 1980… Os meios de comunicação e o governo americano concentram-se mais no lado mau do país e nunca mostram a sua história” assegura Fadhli.

Agora, um novo museu vai tentar mudar tudo isso.

Localizado na cidade petrolífera de Basra, no sul do Iraque, e cheio de antiguidades da história do país, Basra Museum, que abriu portas a 27 de setembro deste ano, é o primeiro museu a abrir no país há décadas.

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O local escolhido para o museu também está a fazer manchetes: o antigo Palácio de Lakeside de Saddam Hussein, uma estrutura mock-rococo que é uma das quase 100 residências opulentas que o ex-ditador construiu durante o seu reinado.

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O diretor do museu, Qahtan al-Obaid, explicou, à Associated Press, que foi escolheu deliberadamente o local para “substituir os temas da ditadura e da tirania pela civilização e humanidade“.

O museu é o culminar de um projeto de oito anos para contar a história do sul do Iraque e ajudar a desencadear um renascimento cultural em Basra. Devido à escassez de fundos, por agora existe apenas uma exposição, uma galeria que exibe artefactos que datam mais de 2.000 anos, incluindo moedas de prata cunhadas em Basra, cerâmica, caixões e telhas. Quando estiver concluído, o museu terá mais três salões onde exibirá 3.500 a 4.000 objetos dos períodos Babilónico, Assírio, Sumério e Islâmico do Iraque.

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Apesar de a abertura ter sido um sucesso, al-Obaid teve de ultrapassar uma infinidade de desafios para o conseguir. Em abril deste ano, grupos de milícias xiitas ameaçaram apoderar-se do antigo Palácio Lakeside, ainda com ‘cicatrizes’ dos carros-bomba quando as forças britânicas o ocuparam, brevemente, como refeitório após a invasão de 2003. Décadas de governo autoritário, invasões estrangeiras, e, mais recentemente, a ascensão do autoproclamado Estado Islâmico, deixaram grande parte do Iraque marcada com bombas. A violência deixou antiguidades desaparecidas, infraestruturas destruídas e instituições civis extintas.

Após a saída dos britânicos em 2008, al-Obaid e outros iraquianos locais empreenderam anos de campanha de angariação de fundos para transformar o palácio em museu. Certas características da arquitetura do museu — como as grossas portas de aço à entrada de cada galeria podem ser rapidamente seladas em caso de tentativa de roubo — são lembretes dos desafios que permanecem.

Mas são estes desafios que tornam o Museu de Basra um ponto de orgulho para os iraquianos:

O Museu de Basra irá ajudar os iraquianos a entender melhor a sua própria história… E mostrar ao mundo uma imagem diferente do Iraque”, diz Fadhli. “É a luz ao fundo de um túnel muito escuro. Sem história, não há futuro e o museu relembra-nos para não desistir da esperança”, acrescenta.

Mais do que as suas históricas antiguidades, a esperança que o museu traz é bem capaz de ser o seu maior tesouro.