Alguns vírus têm a capacidade de atacar o sistema imunitário, mas não o destroem totalmente, aproveitam-se dele para conseguirem concretizar a sua missão: invadir o organismo hospedeiro. Como resultado de um sistema imunitário deficitário, o cancro, causado ou não por esse vírus, tem caminho aberto para se desenvolver. Os resultados publicados, em fevereiro, na revista científica Viruses, mostram como o vírus consegue ligar e desligar os genes da célula que infetou.

Os vírus são estruturas muito pequenas compostas por material genético protegido por uma cápsula. Os vírus não têm capacidade de se replicar por si só, nem são capazes de produzir proteínas (que executam as funções inscritas nos genes). Por isso têm de infetar outros organismos e usar a maquinaria disponível nas células dos hospedeiros parasitados. Além de conseguirem introduzir o seu próprio material genético no meio do material genético da célula parasitada, os vírus têm a capacidade de controlar como é que esse “novo” material genético é usado.

É o material genético das células que contém todas as instruções para as funções que devem ser desempenhadas e para as moléculas que devem ser produzidas pela célula. Nem todos os genes estão ativos em todas as células, nem sequer os genes importantes para o funcionamento de um tipo de células estão ativos em todos os momentos. Para isso existem umas porções do material genético que funcionam como interruptores, que ligam e desligam a transcrição do ADN em ARN (ou seja, transcrevem a instrução para outro suporte, antes de esta ser traduzida na formação de uma proteína, que será o executor da tarefa).

Mais do que alterar os genes da célula, a capacidade que os vírus têm de desligar e ligar os genes do hospedeiro — num processo que se chama metilação/desmetilação do promotor (a região do ADN onde se inicia a transcrição) — parece ser a estratégia usada para manipularem as células do sistema imunitário, segundo a equipa do Departamento de Imunologia e Microbiologia, da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado (Estados Unidos).

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O novo caminho para combate ao cancro que faz aumentar esperança de vida

O mais impressionante é que o vírus não provoca esta metilação — desligar o gene — diretamente. O vírus consegue levar a célula a produzir proteínas (de origem viral) que vão “manipular” as proteínas da própria células e são estas que vão desligar os próprios genes da célula. Confuso? No fundo, o vírus consegue manipular a célula contra si própria.

E que genes é que são desligados? Naturalmente, aqueles que produzem moléculas que vão combater os vírus. Sem um sistema imunitário capaz de combater agentes estranhos, um vírus que cause cancro cria assim um ambiente ideal quer para a replicação do próprio vírus, quer para o crescimento do tumor.

O objetivo de médicos e investigadores é conseguir voltar a “ligar” o sistema imunitário contra o vírus e contra o cancro. Esse é um dos objetivos da imunoterapia, com alguns medicamentos a tentarem tirar o “travão” do sistema imunitário imposto pelo tumor e com técnicas para manipular as células do sistema imunitário e as tornar mais eficazes no combate às células tumorais. Estes tratamentos, embora promissores, ainda não são a solução para todos os problemas, nem para todos os doentes.

Compreender como os vírus e os tumores escapam ao sistema imunitário parece ser a chave para a resolução do problema, por isso os investigadores propõem que o caminho seja desmetilar os genes — ou seja, voltar a ligá-los. “Não queremos desligar a metilação de forma geral, que resultaria numa sobre-ativação de todos os genes na célula, mas desmetilar seletivamente alguns destes genes nos promotores pode revitalizar o sistema imunitário silenciado pelo cancro de origem viral”, disse Sharon K. Kuss-Duerkop, primeiro autor do artigo.