A eurodeputada do PS Ana Gomes está a ser acusada de “demonizar organizações judaicas da sociedade civil” por se ter referido, num debate que organizou no Parlamento Europeu, em fevereiro, à existência de “um lobby muito perverso que tenta intimidar as pessoas”. O Instituto Transatlântico AJC, de onde partiu a acusação, pede ao presidente do Parlamento Europeu e à presidência do grupo dos Socialistas e Democratas (S&D) europeus que seja aplicada uma “ação disciplinar” à socialista, mas Ana Gomes diz ao Observador que mantém a sua posição. E parte para o contra-ataque.

O encontro que levou ao protesto do grupo aconteceu a 28 de fevereiro. Num debate sobre “Os colonatos israelitas na Palestina e na União Europeia”, Ana Gomes tinha ao seu lado esquerdo Omar Barghouti, fundador do movimento “Boicote, Privação e Sanções ”, que apela à concertação de posições contra a ação política e económica de Israel. Na abertura do debate, a eurodeputada lamentou que discussões como aquela a que presidia fossem “cada vez mais raras no Parlamento Europeu”. Um resultado, alegava Ana Gomes, “de um lobby muito perverso que tenta intimidar pessoas”, que promove “mentiras”, que “desconstrói as palavras de muitos académicos, empresários e políticos”.

Ouviram-se aplausos na sala, mas o diretor do Instituto Transatlântico AJC, que assistia ao debate, manifestou-se ainda durante o encontro. Daniel Schwammenthal disse ter-se sentido “insultado” pelas palavras da socialista e pediu diretamente a Ana Gomes para que se “retratasse” daquelas e pedisse desculpa pelo que tinha acabado de dizer.

“Mantenho tudo o que disse”, garante a eurodeputada ao Observador, sublinhando que não dirigiu a sua declaração inicial a qualquer grupo “religioso, político, étnico ou outro”. Mas em declarações ao Observador, a socialista não se limita a reiterar o que disse em Bruxelas.

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Mais que perverso, [este grupo que terá tentado condicionar o debate] é maléfico, visa impedir uma discussão com parceiros para fazer a paz” entre Israel e a Palestina, defende Ana Gomes.

Perante as declarações feitas no Parlamento Europeu em fevereiro, o Instituto Transatlântico exigiu esta quinta-feira ao grupo político S&D e ao próprio presidente Antonio Tajani que tomassem uma “ação disciplinar” contra a eurodeputada portuguesa. “É suficientemente chocante que Ana Gomes promova grupos extremistas como o movimento BDS (sigla inglesa do Boicote, Privação e Sanções), que, em última análise, defende o fim de Israel como a pátria do povo judeu” e que “demoniza as organizações judaicas da sociedade civil”, defende Daniel Schwammenthal.

O representante do grupo coloca a pressão sobre Bruxelas: “Se o Parlamento Europeu ficar em silêncio perante os seus maliciosos ataques aos judeus europeus, arrisca-se a prejudicar a imagem de toda esta instituição”, defende o presidente do instituto.

Tajani avisou Ana Gomes: “Tem responsabilidade pessoal sobre os convites”

Ana Gomes não se mostra preocupada com a posição que Antonio Tajani possa vir a tomar. A deputada revela que, ainda antes do debate, “houve uma campanha que tentou levar o presidente do Parlamento Europeu a impedir” essa troca de ideias. Nem Tajani, nem o seu grupo político S&D levantaram objeções, diz a eurodeputada. Mas houve avisos.

Numa carta de 23 de fevereiro (cinco dias antes do debate), dirigida à “querida Ana Maria” e que o Observador consultou, o presidente do Parlamento Europeu diz ter recebido “cartas de membros de quatro diferentes grupos políticos (Liberais, Conversadores, Populares e Socialistas) que expressavam preocupações com a participação no evento de Omar Barghouti”, líder de um movimento “contra Israel”.

Os autores sublinhavam a “continuada oposição de Barghouti à solução de dois Estados” e acusavam o ativista da causa palestiniana de “incitar ao ódio e à violência quando descreve Israel como um regime de ocupação, colonialismo e apartheid”. Mas não só. Os eurodeputados — incluindo membros da família política de Ana Gomes — “argumentam que a retórica de Barghouti põe em risco a reputação do Parlamento Europeu e pedem a tomada de medidas para prevenir” que a instituição seja “usada como plataforma para a expressão de visões políticas anti-semitas e anti-europeias”.

À eurodeputada portuguesa, Tajani garantiu que estava “no direito de organizar um evento com as premissas do Parlamento”. Mas também fez a ressalva:

Tem uma responsabilidade pessoal sobre a agenda e os convites para o seu encontro.” O debate, sublinhava o italiano, não podia “tornar-se uma plataforma de apoio ao anti-semitismo e a agenda e os convidados não podiam por em risco a reputação da instituição”.

Na preparação do encontro, Ana Gomes endereçou um convite a Federica Mogherini para estar presente, enquanto Alta Representante europeia para os Assuntos Externos. A também vice-presidente da Comissão Europeia disse não ter disponibilidade de agenda. Mas, sublinha a eurodeputada, sabendo quem estaria presente no debate e estando informada do tema lançado para discussão, não deixou “qualquer aviso ou conselho” — nem sobre o tema nem sobre os oradores convidados.

Nas primeiras intervenções do encontro de 28 de fevereiro, é possível ver um banner do grupo S&D (Socialistas e Democratas) atrás de Ana Gomes. Mas, durante o debate, aquele cartaz desaparece, retirado por uma funcionária do grupo político. O Observador tentou saber como encarava o S&D as acusações feitas a Ana Gomes e o apoio (ou falta dele) ao debate promovido pela deputada socialista. Não foi possível obter resposta antes da publicação deste artigo, mas Ana Gomes garante que, ainda esta quarta-feira, em reunião do grupo, a direção pediu-lhe “desculpa” pelo episódio.

O Observador tentou perceber se o presidente Antonio Tajani admitia tomar alguma posição “disciplinar” relativamente à eurodeputada portuguesa. Não foi possível obter uma resposta do italiano até ao momento.

Ana Gomes contra-ataca

Numa análise à sua intervenção que motivou as críticas de grupos semitas, a eurodeputada do PS recusa ter tomado qualquer posição contra a comunidade judaica. E parte para o ataque: esta semana, escreveu ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, à representante da União Europeia e vice-presidente da Comissão, Federica Mogherini, e à Provedora de Justiça Europeia, Emilly O’Reilly. Objetivo: exigir uma investigação à queixa contra Katharina von Schurbein, a coordenadora europeia contra o Anti-semitismo e um dos elementos alegadamente promotores de uma “campanha difamatória” contra a eurodeputada portuguesa nas redes sociais.

Em declarações ao Observador, Ana Gomes reverte os argumentos usados por aqueles que contestam a sua iniciativa. E acusa representantes de “setores reacionários comandados por setores ligados aos EU e à Europa” de tentar “deslegitimar uma discussão essencial para a solução de dois Estados”, Israel e Palestina. “Recuso absolutamente qualquer campanha intimidatória”, sublinha a eurodeputada, ao mesmo tempo que deixa a garantia: “Não sou anti-semita, tenho certamente sangue semita e, como portuguesa, sinto-me muito honrada das raízes semitas e judaicas.”

Na carta que enviou aos três responsáveis europeus, Ana Gomes denuncia estar a ser alvo de uma campanha, que teve um “promotor instrumental”: von Schnurbein, funcionária europeia que desde o final de 2o15 tem responsabilidades no combate contra o semitismo.

Exijo uma investigação à campanha dirigida contra mim, como membro eleito do Parlamento Europeu, por alguém na delegação da União Europeia em Israel e por Katharina von Schurbein”, escreveu a deputada socialista.

Ana Gomes admite, nesse documento enviado aos três responsáveis europeus — Juncker, Mogherini e O’Reilly –, que von Schnurbein pudesse estar a “violar os seus deveres, à luz do regulamento dos funcionários da Comissão Europeia e do Código de bom comportamento administrativo”, além das linhas orientadoras da Comissão, dirigidas a todos os membros da Comissão Europeia.