Se António Costa ou Mário Centeno tiverem ouvido a intervenção de Catarina Martins esta tarde em Leiria, não terão ficado agradados com as palavras que lhes estavam reservadas. No discurso que encerrou o Fórum Socialismo, a rentrée do Bloco de Esquerda, a líder bloquista carregou nos ataques ao Executivo, que “devia e podia ter ido mais longe“.

A lógica de todo o discurso foi a de um ataque ao PS e de elogio aos esforços feitos pelo seu partido nas conquistas dos últimos três anos. Catarina Martins atacou o primeiro-ministro por ceder a Bruxelas e entrar no carrossel do “endeusamento do défice zero”. Além de entender que este objetivo orçamental é o reflexo da “validação da retórica da direita austeritária”, a líder bloquista vê mais dois objetivos. O primeiro, eleitoralista: “garantir um outdoor de campanha eleitoral que diga ‘conseguimos o défice zero‘”; o segundo, pessoal: lançar “Mário Centeno nas suas ambições europeias”.

Num discurso de cerca de meia hora, Catarina Martins fez um balanço dos três anos desta legislatura. No seu entender, é graças ao Bloco de Esquerda que “o primeiro-ministo pode agora anunciar a poupança em impostos das famílias portuguesas”. E ironizou: “Não tem de quê, sr. primeiro-ministro”, arrancando longos aplausos da plateia.

Mas os avisos não se ficaram por aqui. Como se se tratasse de um conselho eleitoral, a coordenadora do Bloco de Esquerda pediu mais coragem e arrojo ao PS e tentou alertar os socialistas para aquilo que pode ser o aproveitamento do PSD e do CDS de uma eventual falta de cuidado do partido de António Costa. “É na timidez do Partido Socialista que as direitas apostam“, avisou.

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Sejamos claros. Para o Bloco de Esquerda contas certas são essenciais. Mas contas certas não é um défice zero para Bruxelas ver enquanto falta o essencial na CP ou no SNS. Disfarçar o défice das contas aumentando o défice social e depauperando serviços públicos, destruindo a capacidade do Estado para responder às populações, é irresponsável”, afirmou a coordenador do BE.

A acusação de irresponsabilidade foi sendo feita por diversas vezes ao longo da sessão de encerramento. “O Governo do Partido Socialista foi irresponsável de cada vez que virou as costas a uma urgência social”. Sempre por oposição à ousadia e exigência dos bloquistas. “Está errado quem confunde exigência com irresponsabilidade e muito menos com eleitoralismo”, disse Catarina Martins numa resposta indireta ao discurso de António Costa na rentrée do PS, que decorreu no fim-de-semana passado em Caminha.

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OE 2019: Mais investimento

A cada ataque que Catarina Martins fazia ao PS, os aderentes e simpatizantes do Bloco de Esquerda aplaudiam com entusiasmo. O mesmo não se verificou quando a intervenção se começou a centrar mais no Orçamento do Estado para 2019. E as exigências não foram poucas.

Não é novidade para ninguém que os bloquistas têm três linhas vermelhas para iniciar as discussões do diploma: a baixa do IVA na eletricidade, o fim das penalizações para as longas carreiras contributivas e mais investimento na Saúde e na Educação. Essas são três condições si ne qua non para que Governo e Bloco de Esquerda cheguem a entendimento. No entanto, o investimento público foi a exigência que mereceu mais atenção por parte da líder bloquista durante a intervenção deste domingo.

“Precisamos de investir nos serviços públicos”, começou por dizer. “Investir na Saúde, como na Educação, na Ciência, na Cultura”, especificou, antes de exigir 1% do OE 2019 precisamente para a Cultura.

Mas para o caso de não ter ficado claro, Catarina Martins fez questão de carregar diversas vezes na tecla do investimento:

Investir. É este o tempo. Se não agora, quando? É agora, que a economia cresce e que estamos a recuperar. É agora que podemos e devemos. (…) Este é o tempo: investir. Investir onde faz falta para termos uma economia mais forte”, exigiu a coordenador do Bloco.

As duas outras bandeiras do Bloco de Esquerda não foram, porém, esquecidas. Catarina Martins exigiu que “o IVA da energia, da luz e do gás” baixasse já no próximo OE e que se terminasse com “as penalizações abusivas nas reformas”.

Ataques à direita não foram esquecidos

Entre criticas veladas ao inquilino de São Bento e exigências endereçadas ao Terreiro do Paço, houve ainda espaço para criticar PSD e CDS., que juntos compõem “uma direita desesperada, sem programa e que se alimenta de casos”.

“O PSD aproveita as falhas no SNS para propor a sua privatização”, e o CDS, “que desqualificou os comboios”, declara-se indignado “com a sua degradação”. Dois fatores que para Catarina Martins revelam apenas “o cinismo” da direita. “Segundo me contaram, Nuno Melo até entrou num comboio!”, ironizou, arrancando várias gargalhadas da audiência.

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Mas também falou para dentro, como não podia deixar de fazer no início do ano político: “A força do Bloco de Esquerda nestes três anos foi a força de quem nunca se resignou às inevitabilidades, e de quem nunca aceitou deixar ninguém para trás. Orgulho-me do caminho que fizemos”, confessou Catarina Martins.

O discurso da líder do Bloco de Esquerda encerrou o Fórum Socialismo, que decorreu ao longo dos últimos três dias em Leiria e assinalou o regresso do partido ao trabalho político.