Portugal e Espanha vão manter a candidatura conjunta da primeira viagem de circum-navegação do globo a Património da Humanidade da UNESCO. Em resposta enviada ao Observador, o Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou que “o processo de candidatura conjunta à UNESCO está a ser preparado”, apesar de a Real Academia de História de Espanha ter divulgado um relatório afirmando que a viagem era um projeto total e exclusivamente espanhol.

Fernão de Magalhães e a história de uma viagem que Portugal tentou impedir

O polémico relatório, publicado no domingo, foi elaborado pela Real Academia a pedido do jornal espanhol ABC e usava justificações duras, nomeadamente a “necessidade social de responder às muitas questões levantadas pelas autoridades portuguesas ao tentar capitalizar a paternidade” da autoria da viagem pelo facto de Fernão Magalhães, que iniciou a viagem, “ser natural de Portugal”. Dois meses depois de a ministra do Mar,  Ana Paula Vitorino, ter dito que candidatura seria conjunta porque “é uma viagem que foi liderada por um navegador português mas que foi concluída por um navegador espanhol” (Fernão Magalhães começou a viagem, terminada depois por Sebastián Elcano), o documento voltava a relançar a polémica: “Com esses dados, absolutamente documentados, é incontestável a plena e exclusiva autoria espanhola da empresa”.

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Apesar de a Real Academia ter contrariado o entendimento anunciado em janeiro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros mantém a intenção de apresentar a candidatura conjunta à UNESCO: “Portugal, como vários outros países, já apresentou a lógica, os objetivos e os elementos principais das suas comemorações nacionais da viagem de circum-navegação. E trabalha, em conjunto com Espanha, para a elaboração e apresentação de um programa de comemorações conjuntas”, disse o ministério em resposta ao Observador.

Em janeiro, quando os chefes da diplomacia de Portugal e de Espanha anunciaram a apresentação conjunta de uma candidatura a património da humanidade da primeira viagem de circum-navegação do globo, Josep Borrell disse esperar que “todas as dúvidas ou especulações sobre a descoordenação, dos desacordos, nas comemorações da circum-navegação Magalhães/Elcano” ficassem “dissipadas”. Mas afinal não estavam: a Real Academia não só diz que a viagem era exclusivamente espanhola, como acusa Portugal de ter eclipsado o império espanhol ao não fazer referência à participação dele no projeto.

Viagem de Fernão de Magalhães. “Foi um descobrimento espanhol com ciência portuguesa”

Em conversa com o Observador, o historiador José Manuel Garcia, autor do livro “A viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses”, disse não entender a posição da Real Academia porque “foi um descobrimento espanhol com ciência portuguesa”: “Está-se agora a tentar, por razões políticas, manipular uma evidência científica que não tem discussão possível”. Segundo ele, sem o português Fernão Magalhães os espanhóis nunca teriam feito aquela viagem. “Aliás, nunca mais a fizeram.Ainda tentaram mais três vezes, mas chegavam às ilhas Molucas [Indonésia] e ficavam por lá, porque não conseguiam fazer o caminho de volta por águas espanholas, e acabavam presos pelos portugueses”, explicou o especialista.