O ministro das Finanças chamou-lhe uma “Caixa de Pandora” que, na prática, corresponderia ao “maior aumento de despesa” fixa de toda a legislatura. Depois da tentativa de esclarecimento que Mário Centeno levou ao parlamento na última terça-feira, os sindicatos dos professores passaram a colocar em causa, de forma ainda mais agressiva, os números apresentados pelo ministro acerca do impacto financeiro da recuperação integral do tempo de serviço dos professores que esteve congelado. Estes são alguns dos principais números da discórdia.

635 milhões de euros. Nas contas de Mário Centeno, este é o valor que custaria compensar os professores, integralmente, pelo tempo de serviço que foi congelado (em 2018 o ministro falava em 600 milhões). Este é um “esforço insustentável para a administração pública”, comentou a secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, Fátima Fonseca, em meados de abril. Ainda mais “insustentável” quando se admite que o valor “engordaria” para…

… 800 milhões se o mesmo princípio fosse aplicado às outras carreiras especiais na função pública (magistrados e forças de segurança), para as quais também só está prevista uma recuperação parcial do tempo de serviço. Para o Governo, qualquer decisão que seja mais generosa do que a devolução dos 2 anos, 9 meses e 18 dias de carreira docente (que estão previstos no Orçamento do Estado) seria algo que colocaria em causa a “sustentabilidade das contas públicas”. Em 2020, o impacto seria ainda maior, segundo o Ministério das Finanças. Chegaria a…

1.009 milhões de euros. Porquê? A nova proposta levaria o Governo a devolver até 2020 os dois anos, nove meses e 19 dias que quer contabilizar retroativamente das carreiras especiais na Função Pública. Se em 2019 o impacto financeiro seria apenas de 40 milhões de euros, somando-se a este valor os 500 milhões de euros do descongelamento já previsto no Orçamento de Estado, em 2020 o Estado gastaria 440 milhões de euros a devolver aquele tempo de serviço aos professores. A este valor, as Finanças estimam que se pudesse somar um quarto dos 564 milhões de euros que custaria a devolução do restante tempo de serviço (que não queria contabilizar mas a que foi forçada a fazê-lo): 141 milhões de euros. Porquê um quarto da totalidade? Como a proposta da A. R. não previa calendário para a devolução deste restante tempo de serviço, as Finanças decidiram estimar que poderá acontecer em quatro anos (não é líquido que assim seja). Ora, em 2020, um quarto do tempo de serviço que o Governo não queria contabilizar (141 milhões de euros) + 440 milhões de euros que gastaria a pagar a devolução dos 2 anos, 9 meses e 18 dias + os 428 milhões de euros de descongelamento da progressão das carreiras de 2019 para 2020 (prevista pelo Governo) = 1.009M.

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Se o Orçamento do Estado de Mário Centeno passasse a ter de prever o dispêndio dos 800 milhões de euros, isso implicaria, desde logo, um orçamento retificativo. E, mesmo antes de ir ao parlamento na terça-feira passada, o ministro das Finanças já tinha dado uma ideia do que é que esse orçamento retificativo significaria: seria o equivalente à receita total obtida com a sobretaxa de IRS, que Centeno sublinhou ter sido “introduzida pelo anterior governo PSD/CDS” e eliminada pelo atual executivo. Outra comparação? Um aumento de um ponto percentual no IVA.

Esses são, porém, números “fetiche” para Mário Centeno, na opinião da Fenprof, o sindicato liderado por Mário Nogueira. “Nenhuma conta que nós fizemos bate certo com aquilo, sendo certo que não temos os valores todos porque nunca nos cederam”, afirmou Mário Nogueira ainda antes de Mário Centeno ir ao parlamento. Os professores queixam-se de não ter acesso à tal base de dados que sustenta o “excel” de Mário Centeno, mas houve professores a avançarem com números completamente diferentes, partindo de alguma aritmética e da análise do impacto que teve a devolução integral do tempo de serviço na Madeira. Um professor de Educação Física, Maurício Brito, liderou um conjunto de professores que calcularam que o impacto anual seria de apenas…

… 481,65 milhões de euros. E estes são números brutos, já que se forem descontados impostos e contribuições sociais o valor total baixa para cerca de…

… 290 milhões de euros. Se este valor estiver correto, acaba por não ser muito diferente do impacto financeiro que o Governo calcula para a sua própria proposta, a de devolver apenas os 2 anos, 9 meses e 18 dias de serviço. O custo previsto dessa devolução é de cerca de…

… 250 milhões de euros por ano. Mas o Governo sublinha que, pelo próprio efeito do descongelamento das carreiras os cofres públicos, já vão gastar mais de…

… 574 milhões de euros, por cada ano, até 2023 (isto se compararmos com aquilo que seria a despesa caso o congelamento das carreiras se mantivesse). O que é que isso significa, na prática? Mário Centeno diz que, em média, — sublinhe-se, em média — isso implicará um aumento do salário de 15%, o equivalente a…

… 309 euros brutos por mês. Quanto é que isso significa em termos de diferença no salário líquido? Depende da situação de cada contribuinte, mas os dados de esclarecimento prestados por Mário Centeno não apresentam quaisquer simulações. Dizem só que, “apenas com o descongelamento, o número potencial de professores no último escalão ascende até 20.000 em 2023 (o que compara com 0 em 2017) passando a auferir um salário de cerca de…

… 3.364,63 euros” mensais. Quanto é que isto representa em termos líquidos? Num artigo de opinião publicado no Público, o professor e blogger Paulo Guinote defende que falar neste valor mensal esconde que “um docente casado, dois titulares e um dependente, receberá na prática menos de 2.000 euros”. “No máximo, ganhará acima de 2300 euros líquidos apenas quem for casado, um titular e quatro ou mais filhos/dependentes. Ou seja, na verdade, a generalidade dos docentes no 10.º escalão receberão menos 40% do que o seu salário nominal. E, talvez ainda mais ‘impressivo’, um professor no 10.º escalão, com dois titulares e um dependente, ganhará mais cerca de 90 euros líquidos do que outro no 9.º escalão, sendo falso qualquer aumento (médio ou o que seja) superior a 300 euros”.

Mário Centeno foi há dias ao Parlamento apresentar os seus números sobre o descongelamento das carreiras

Para este professor, os dados apresentados por Centeno estão “cheios de valores calculados com base em médias que ocultam a verdade mais do que ajudam a compreendê-la, acabando por apresentar uma série de totais que estão contaminados por vícios grosseiros de lógica, tudo ao serviço da apresentação de valores propositadamente inflacionados para mistificar a opinião pública”. Seja como for, este é apenas o efeito do descongelamento de carreiras — Centeno acrescenta que se, além do descongelamento, houver a devolução proposta de 2 anos, 9 meses e 18 dias de serviço, isso fará com que, até 2023, cada professor terá (uma vez mais, em média) uma aumento mensal de…

… 410 euros por mês. Também brutos. Esse é o valor em 2023, mas no horizonte mais imediato — entre 2019 e 2021 — cada professor já vai ter um “aumento médio salarial de cerca de 13,4%”, o que Mário Centeno calcula que irá custar aos cofres do Estado um valor na ordem dos…

… 503 milhões de euros, 196 milhões dos quais relacionados só com esta devolução parcial do tempo de serviço dos professores (a que se juntam, uma vez contabilizadas as outras carreiras especiais, mais alguns milhões — para um total de 240 milhões de euros). É um valor elevado, mas que o Governo acredita ser acomodável nas suas contas. O que não seria acomodável seriam os 635 milhões de euros da devolução dos 9 anos, 4 meses e 2 dias para os professores — sobretudo porque isso levaria a que as outras carreiras também fossem beneficiadas, onerando os contribuintes no total já referido dos 800 milhões.

A lei passada em 15 de março prevê que cada professor (ou funcionário das carreiras especiais) beneficie dos 2 anos, 9 meses e 18 dias assim que atinjam a próxima progressão. A partir da base de dados utilizada por Centeno, isso significa que o impacto é gradual, para as pessoas e para os cofres do Estado. O que os sindicatos pedem, em contraste, é uma devolução “para todos, de forma imediata”. Em termos práticos, isto significa que a medida como o Governo a prevê envolve um custo de…

… 20 milhões de euros neste ano de 2019. Em contraste, se a medida passada pela “coligação negativa” seguir em diante, isso implica um custo imediato, em 2019, que o Governo calcula em…

… 196 milhões de euros. É um valor que, além de obrigar à apresentação de um orçamento retificativo, “implicará a violação de uma norma constitucional”, defende o Ministério das Finanças, especificamente o artigo (167.º), que impede os partidos de apresentarem projetos de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento do Estado”.