O escritor norte-americano de viagens Paul Theroux disse, este sábado em Lisboa, que a eleição de Donald Trump representa a materialização da forma de pensamento profetizada por George Orwell no célebre livro distópico 1984.

Paul Theroux falava na abertura do encontro “O Futuro do Planeta“, organizado este fim de semana em Lisboa pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela Fundação Oceano Azul, numa palestra em que se debruçou sobre a forma como o planeta e as sociedades humanas têm mudado ao longo dos séculos, quase sempre de maneira imprevisível.

Para o escritor, conhecido pelos livros em que relata as suas viagens à volta do mundo, a única forma de antecipar o futuro é compreender o presente.

“O 1984 é sobre o futuro. Orwell escreveu-o em 1948, quando percebeu que os totalitarismos estavam a dominar o mundo. Aconteceu? Não, mas aconteceu uma forma de pensamento. “, afirmou Paul Theroux, elogiando a forma como o escritor britânico George Orwell entendeu o presente do seu tempo e antecipou muitos aspetos do que viria a ser o futuro.

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Paul Theroux: “Li o ‘Viagens na Minha Terra’ e decidi viajar pelo meu país”

Recordando as suas viagens, Paul Theroux explicou que as grandes mudanças no mundo aconteceram sem que nada o fizesse prever. E deu exemplos: da queda do muro de Berlim ao desaparecimento de espécies de aves nas ilhas Salomão (provocadas pelo consumo excessivo dos ovos por parte dos humanos), do desenvolvimento económico da China ao 11 de setembro. “O que nunca ninguém tinha previsto era que Nova Iorque fosse atacada, e aconteceu. Quem teria pensado nisso?”, questionou.

Paul Theroux enfatizou ainda a necessidade de viajar para compreender o mundo — mas não “na passadeira vermelha”, como considerou. “Uma vez fui do Cairo até à Cidade do Cabo sempre por terra. Não conheci nenhuma pessoa importante, mas conheci muitas pessoas”, disse o escritor, assinalando que é “muito mais importante ver o mundo como ele é”.

“Dizem que as viagens de luxo são maravilhosas. São maravilhosas, mas não nos mostram nada. Podemos ir a um safari em África, mas quem vive numa pequena vila em África sabe muito mais sobre o futuro de África”, disse Paul Theroux.

Foi aqui que o escritor norte-americano aproveitou para lançar mais uma farpa ao presidente dos Estados Unidos, deixando a questão: “Quem é a melhor pessoa para dizer se devemos ir para a guerra? Um soldado. Donald Trump nunca foi soldado, Dick Cheney nunca foi soldado”. Theroux desafiou a plateia a questionar o antigo secretário de Estado norte-americano John Kerry, que fala na conferência este domingo, sobre a sua opinião relativamente à guerra.

“Vão ver que ele terá uma opinião diferente. Sabem porquê? Porque ele foi um soldado, esteve no Vietname, sabe o que é a guerra”, disse Paul Theroux, rematando: “Se estamos convencidos de que sabemos o que vai ser o futuro, isso pode ser um problema”.

O homem e o animal. “O que nos faz humanos?”, pergunta Carl Safina

Também pelo Teatro Camões, em Lisboa, passou o escritor e ecologista norte-americano Carl Safina, que se dedica ao estudo da relação dos humanos com os animais. “Vou tentar responder à pergunta: ‘Será que o meu cão me adora mesmo? Ou só quer um doce?'”, arrancou Carl Safina.

O ecologista norte-americano explicou que, ao contrário do que habitualmente é considerado, “não é o amor nem a empatia que nos tornam humanos”. Carl Safina exibiu diversos exemplos de animais que demonstram capacidade de empatia com os companheiros, que vivem em comum com os companheiros ou que até ajudam os humanos.

“Assumimos que os animais estão cansados ou com fome. Mas porque dizemos que não sentem alegria? Porque é que lhes concedemos a fome ou o cansaço mas não a alegria? Porque isso arruína a nossa história favorita: nós somos os únicos que importam, somos especiais”, explicou Carl Safina.

“Nós somos o animal extremo. O mais criativo, mas também o mais destruidor; o mais compassivo, mas também o mais cruel. É isso que nos faz humanos. Não é o amor que nos faz humanos. Não somos os únicos a amar o nosso companheiro, ou nossos filhos”, disse.

“Gostamos de nos considerar mais importantes por causa do nosso grande cérebro, mas não usamos o cérebro para perceber as consequências do que fazemos”, concluiu o escritor.

O encontro “O Futuro do Planeta” decorre este fim de semana em Lisboa com um foco especial na questão dos oceanos e da importância do mar na história e economia de Portugal. Entre os oradores internacionais encontram-se o ex-secretário de Estado dos EUA John Kerry e a bióloga marinha Sylvia Earle.