Os líderes europeus admitem que a decisão de quando devem os países levantar as medidas de confinamento não é de Bruxelas, mas dos governos nacionais. Ainda assim, a Comissão Europeia apresentou esta quarta-feira um roteiro comum (“road map“) para os Estados-membros saírem da crise — documento que o Observador divulgou na terça-feira. Apesar de apresentar este “guião”, Úrsula Von der Leyen disse em conferência de imprensa que os países devem avaliar com “muito cuidado qual a melhor a altura para começar a aliviar as medidas restritivas”, que devem ser levantadas “uma a uma“. Entretanto, os principais partidos do Parlamento Europeu têm uma proposta para que exista mutualização da dívida como resposta à crise e apenas enquanto durar a crise  (a que chama “recovery bonds” e não coronabonds), mas não colhe, para já, entusiasmo por parte do presidente do Conselho, Charles Michel.

Quanto à recuperação económica, Von der Leyen insistiu num novo Plano Marshall, que defendeu que deve ser financiado com o próximo orçamento comunitário. A presidente da Comissão Europeia anunciou ainda que irá promover, a 4 de maio, uma ronda com doadores por videoconferência para angariar fundos para uma nova vacina contra o coronavírus.

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As medidas restritivas, registou Von der Leyen, foram essenciais para conter o vírus, mas isso teve um “preço” económico e social. Só na União Europeia, a resposta ao coronavírus já custou “mais de 300 mil milhões de euros”.

A presidente da Comissão Europeia recomenda um “regresso gradual” e avisa que este documento “não é um sinal que as medidas de confinamento podem ser levantadas a partir de agora, mas dar um quadro para a decisão dos Estados-membros”

A Comissão Europeia, tal como o Observador tinha revelado na terça-feira, define “três condições prévias que os Estados-membros têm de garantir antes de deixarem as medidas restritivas: primeiro um critério epidemológico que mostre que há uma redução significativa do contágio durante um período significativo; segundo, a capacidade do sistema de saúde, pois é preciso que haja uma reserva, que há capacidade nos serviços não só para os doentes de Covid-19, mas também para outros pacientes; a terceira é um sistema eficaz de vigilância e de monitorização acompanhada de uma larga capacidade de testagem”.

Von der Leyen lembrou também as várias recomendações do documento, como “a população manter as regras de higiene apropriadas, já que parecem medidas muitos simples, mas muito eficazes”. E reiterou que “as medidas restritivas gerais devem ser substituídas por medidas direcionadas“. Ou seja: os tais “lockdowns regionais” ou confinamento mais rigoroso dos grupos de risco.

Sobre o protocolo de saída, a presidente da Comissão Europeia disse ainda que as medidas de alívio têm de ser tomadas “passo-a-passo” e os países quando levantarem as medidas têm de “comunicar à Comissão e aos países vizinhos”. E explica: “Por exemplo, se um país abrir lojas na fronteira, não queremos as pessoas a passar a fronteira para ir às compras no país vizinho. Por isso, tem de informar. Bons vizinhos, comunicam.”

Von der Leyen anfitriã de conferência para juntar doadores

A presidente da Comissão Europeia diz que, na área da saúde, “tem de haver um trabalho de cooperação e isto inclui acelerar o trabalho de diagnóstico, tratamento e desenvolvimento de vacina”. A vacina, adverte, “depende do desenvolvimento da vacina em todo o mundo”. Para Von der Leyen, “esta é a nossa melhor oportunidade coletiva de derrotar o vírus”, mas adverte que “para apoiar esta iniciativa global é preciso fundos“. Tendo consciência desta necessidade, a presidente da Comissão Europeia decidiu que será a” anfitriã de uma conferência online no dia 4 de maio para ajudar a angariar fundos no imediato para o desenvolvimento da vacina. A conferência será realizado em “colaboração com a Organização Mundial de Saúde” e com outras organizações de renome como a “Welcome Trust” ou a “Gates Foundation”.

Von der Leyen também não esqueceu o investimento e a economia, parte em que optou por falar em alemão. Lembrou a resposta dada no apoio aos sistemas de saúde e destacou o apoio do Eurogrupo ao programa SURE (que apoia empresas que mantêm empregos) e a flexibilidade da coesão como forma de injetar liquidez nas economias europeias. Para a presidente da comissão o “próximo orçamento comunitário vai desempenhar um papel fundamental na recuperação económica“. E acrescenta: “Concordo que a Europa precisa de um novo Plano Marshall, precisa de um massivo investimento público e privado para reanimar a economia, reconstruir a economia e criar novos empregos. E estas decisões têm de ser tomadas rapidamente. E a chave para isto é um forte orçamento da União Europeia”.

O Quadro Financeiro Plurianual, destaca Von der Leyen, tem a vantagem de “ter a confiança de todos os Estados-membros”, de ter regras “transparentes e claras”. Mas, nos próximos anos, terá de ser redirecionado. “Tem de ser a resposta europeia ao coronavírus, tem de ter como prioridade para pôr o Mercado Único a funcionar e prevenir a fragmentação do Mercado Único”.

A presidente da Comissão Europeia lembrou ainda que a União Europeia já mobilizou “três biliões de euros” em pouco tempo para responder à crise provocada pela pandemia, destacando a criação do instrumento SURE, que se centrou em incentivar as empresas a manter os empregos. Apesar de tudo o que foi feito, e que enumerou, Von der Leyen, admite que “é preciso mais” e por isso defende que o próximo orçamento comunitário tem impulsionar um “investimento gigante” que ajude as economias recuperar.

Charles Michel: os quatro objetivos para o Conselho Europeu

Na conferência de imprensa conjunta, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, garantiu desde logo que os 27 Estados-membros vão aceitar as recomendações da Comissão Europeia já que são assentes em “bom senso e em dados científicos”. Michel antecipou também como vai ser o próximo Conselho Europeu da próxima semana, que lembra que “vai ser o quarto em poucas semanas.”

Michel definiu quatro prioridades que quer que sejam a “pedra de toque” para a estratégia da UE na resposta à crise. A primeira prioridade terá de ser “restaurar o mercado único”, que considera “um bem comum da União Europeia” e o “coração” que “permite a coesão social da União Europeu”.

A segunda prioridade, também em consonância com a Comissão, passa pela ideia que é “absolutamente essencial uma estratégia para um investimento massivo” e que o próximo Quadro Financeiro Plurianual “é um elemento chave para termos êxito”.

A terceira prioridade para Michel é “não esquecer a responsabilidade externa da União Europeia”, que deve “desempenhar um papel importante a nível internacional”. Lembra que a UE promove o “multilateralismo, que é a melhor resposta aos desafios mundiais”. O presidente do Conselho Europeu diz ainda que aprendeu “uma lição dura com esta crise: que são preciso respostas mundiais”, lembrando o esforço necessário para se chegar a uma vacina.

Em quarto lugar, Michel quer falar com os chefes de governo — incluindo António Costa — sobre a “resilência e governação” da União Europeia. O antigo primeiro-ministro belga quer perceber “como podemos ser mais fortes, mais unidos e mais solidários nesta crise”.

“Bonds”. Parlamento pede, Michel quer deixar discussão para depois

Os quatro maiores grupos políticos do Parlamento Europeu — que representam a esmagadora maioria dos deputados do hemiciclo — elaboraram posição para uma resolução sobre a “ação coordenada da UE para combater a pandemia de Covid19 e as suas consequências”. O documento é assinado pelos líderes das bancadas do PPE (Manfred Weber), do S&D, Iratxe García Perez, do Renew (Dacian Ciolos) e dos Verdes (Philipe Lamberts).

No documento, ao qual o Observador teve acesso, os eurodeputados propõem “soluções europeias para superar as consequências económicas e sociais” da crise. Nessas propostas, a posição conjunta pede à “Comissão Europeia que proponha um pacote massivo de investimento”, que deve passar pelo novo Quadro Financeiro Plurianual(QFP)”. O documento acrescenta ainda que “o investimento necessário seria financiado por um aumento do QFP, pelos fundos e instrumentos financeiros da UE já existentes e por obrigações [a que no documento os eurodeputados se referem como “recovery bonds”] garantidas pelo orçamento da UE“. Os eurodeputados deixam claro que “este pacote não deve envolver a mutualização da dívida existente” e deve ser direcionado para “investimentos futuros”.

Na conferência de imprensa desta quarta-feira, após questionado sobre o assunto, Charles Michel fugiu à questão dizendo que é preciso utilizar os instrumentos já existentes e insistiu que primeiro é preciso perceber a dimensão “da conta” que vai ser preciso pagar devido a esta crise, embora admita abertura para que se continue “a discutir dentro da UE, tudo o que tem de se discutir”. A postura do presidente da Comissão e do presidente do Conselho é para já a seguinte: utilizar o orçamento da UE para investimento, sim; coronabonds não é prioridade no imediato já que já há outros instrumentos.

Numa entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno admitiu a possibilidade de existir mutualização da dívida como combate à crise económica provocada pela crise sanitária. “Existe uma proposta para usar o orçamento comunitário e outra para emitir dívida comum. E uma não exclui a outra”, disse Mário Centeno.