Marcelo vetou a lei, mas foi tudo para a proteger. A história é simples: no âmbito da discussão sobre as medidas de apoio à economia devido à pandemia da Covid-19, os partidos da oposição uniram-se, no final de maio, para aprovar um alargamento do layoff aos sócios-gerentes, desprotegidos durante a crise. Todos votaram a favor, menos o PS. Chegada a Belém, a medida chumbou. Mas não por Marcelo não concordar com ela. Apenas porque, caso a promulgasse, a probabilidade de o Governo vir a pedir a apreciação da constitucionalidade e ela vir a chumbar no TC era elevada. Se assim fosse, a lei caía.

A solução foi, por isso, criativa. Marcelo antecipou-se ao governo e travou a lei alegando dúvidas de constitucionalidade, por eventualmente violar a lei-travão, que impede o Parlamento de aprovar, à revelia do Governo, medidas que mexam com a despesa e a receita orçamentada no ano em curso. Fê-lo num dia estratégico, na véspera de terminar o prazo para a apresentação de propostas para o Orçamento Suplementar. Dessa forma, os partidos poderiam introduzir a medida na discussão do orçamento na especialidade e, havendo maioria, a medida seria aprovada. E assim já não incorria na lei-travão, porque será aprovada no âmbito de um orçamento que retifica as contas do orçamento do Estado que está em curso.

Marcelo veta apoio a sócios-gerentes aprovado pela oposição. Mas explica como contorná-lo

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É precisamente isso que vai acontecer. Os partidos apressaram-se a alinhar no jogo de Marcelo. Primeiro foi o Bloco de Esquerda. À saída de uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, a coordenadora do BE considerou que o problema levantado pelo chefe de Estado pode ser “ultrapassado se a medida for incluída já” no Orçamento Suplementar, em fase de discussão na especialidade no Parlamento, tal como Marcelo tinha sugerido. E comprometeu-se desde logo a apresentar essa proposta de alteração.

O Bloco desde já assume o compromisso de entregar uma proposta de alternação na especialidade ao Orçamento Suplementar para prever este apoio aos sócios gerente, que estão há três meses sem nenhum apoio em setores de atividade que foram obrigados a fechar”, afirmou. Catarina Martins salientou ainda que esta matéria “recolheu amplo consenso na Assembleia da República”. Ou seja, tem tudo para ser aprovada novamente. É simples: “basta manter-se o consenso que existiu até agora no Orçamento Suplementar para garantirmos aos sócios-gerentes das micro e pequenas empresas o apoio de que precisam”, resumiu ainda Catarina Martins.

Também o CDS se apressou a dizer ‘presente’. Em comunicado enviado à comunicação social depois de ser conhecida esta decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente do CDS-PP disse que quer “acabar, de uma vez por todas, com esta discriminação” e pediu que o PS e o Governo não fossem “forças de bloqueio”.

“O CDS apresentará ainda hoje uma proposta que visa alargar o ‘layoff’ simplificado a todos os sócios gerentes não só das micro e pequenas, mas também das médias empresas, para ser votada no orçamento retificativo”, adianta Francisco Rodrigues dos Santos. Para o presidente dos democratas-cristãos, “o país não precisa de um travão, mas de construção de boas soluções”.

Na nota, Rodrigues dos Santos assinala ainda que “o CDS foi o primeiro partido político a defender esta medida profundamente justa do ponto de vista social, porque os sócios gerentes são também trabalhadores das empresas, muitas vezes os únicos, e que até aqui estão a ser completamente esquecidos e desprezados pelo Governo”.

Ao CDS seguiu-se o PAN que, em nota enviada às redações, alinhou no mesmo passo. De acordo com a nota, o PAN esclarece que, “ainda na fase de preparação do diploma, o PAN alertou para o risco de veto presidencial e propôs inclusivamente, no âmbito do processo de discussão na especialidade, uma norma de prevalência que contornava a lei-travão. Proposta esta que foi chumbada em plenário com o voto contra de PS, PSD, BE, PCP e PEV e a abstenção de CDS-PP, CH e IL”.

O PAN diz também estar “disponível para apresentar propostas individualmente ou em conjunto com as forças políticas, que, no mês passado, formaram a maioria parlamentar que aprovou o alargamento dos apoios a estes empresários”. “Mais do que capitalizar de ganhos políticos, o momento é de construção de pontes para atingir os consensos necessários para a solução dos problemas dos sócios-gerentes, que já deveriam estar a ser resolvidos desde abril e que não o estão por teimosia do Governo”, considera o porta-voz do PAN.

O PSD veio a seguir, com o mesmo discurso. Em declarações aos jornalistas Palácio de Belém, em Lisboa, após uma reunião com o chefe de Estado, o presidente do PSD afirmou que os sociais-democratas não querem “encharcar o Orçamento de propostas”, porque este “é o Orçamento do Governo”, mas farão “algumas propostas” em sede de especialidade. “Uma que pensávamos não ter de fazer e vamos fazer, por causa do veto do senhor Presidente da República, da devolução do diploma, tem a ver com o tratamento dos sócios-gerentes, de acordo com o que deve ser, que é terem os mesmos apoios que tem qualquer trabalhador. Isso iremos incluir no Orçamento Suplementar, porque é a forma de então ultrapassar a questão que possa estar em cima da mesa da ‘lei-travão’”, anunciou.

O PCP, por outro lado, não concorda com os termos do veto do Presidente e desafia os partidos a reconfirmar a lei tal como está. Em todo o caso, há uma maioria clara em torno desta medida que será votada em sede de especialidade na discussão do Orçamento Suplementar que vai ter lugar nas próximas semanas.

*artigo atualizado com declarações dos vários partidos