No espaço de três meses, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) ficou bem mais pessimista do que já era, acrescentando 1,8 pontos percentuais (p.p.) de quebra à previsão para o andamento da economia este ano. Em vez de 7,5% (cenário base), está agora em causa uma recessão de 9,3%.

No entanto, “não é expectável atingirem-se os valores do cenário adverso de junho”, quando a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral admitiu, na pior das hipóteses, uma quebra de 11,8%.

As previsões do CFP, inscritas na atualização do relatório “Perspetivas Económicas e Orçamentais 2020-2024”, ficam, ainda assim, abaixo da estimativa de Bruxelas (-9,8%), mas já deixam a grande distância a última previsão oficial do Governo, de junho, que ainda admite uma quebra de 6,9%. Também o executivo deverá alterar esse número nos próximos tempos.

As mudanças do CFP devem-se “principalmente ao contributo das exportações líquidas”, o que o país vende para o exterior, mas descontando as importações. “A quebra das exportações em volume em 2020 foi revista para 22,5%”, nota o CFP, mais 1,9 p.p. do que tinha previsto em junho.

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Estas previsões partem do princípio que não há “uma repetição de medidas severas de distanciamento social e de restrições adicionais à mobilidade e à atividade económica” como as que o país conheceu entre meados de março e início de maio.

Apesar da quebra prevista para a economia este ano, o organismo responsável pela fiscalização das finanças públicas admite que a taxa de desemprego possa atingir 10% da população ativa. “As medidas de política económica adotadas revelaram alguma eficácia no apoio ao mercado de trabalho”, justificando o menor impacto no desemprego.

Comparando com a última crise, em que Portugal foi “resgatado” pela Troika, esta taxa fica bem abaixo do pico de 16,2% atingido em 2013 (com quebras de PIB muito mais baixas nesse período). Mesmo em 2016, dois anos depois da “saída limpa” de Portugal, o desemprego ainda estava em 11,1%.

Quebra do consumo privado contribui para recessão de 16,3% no segundo trimestre

Para o próximo ano, o organismo liderado por Nazaré Costa Cabral já espera uma recuperação acentuada, de 4,8%, embora não chegue para recuperar toda a riqueza perdida em 2020. Aliás, tendo em conta que espera em 2022 uma subida adicional do PIB de 2,8%, só em 2023 é que Portugal deverá voltar aos níveis de PIB de 2019 — mais um ano do que a anterior previsão do CFP. Por outras palavras, a pandemia deverá roubar quatro anos ao país.

No caso dos próximos dois anos, o crescimento deverá ser “suportado pela dinâmica do consumo privado e do investimento” e as exportações “deverão também contribuir significativamente para a retoma da atividade económica”, embora trazendo duas más notícias: “uma perda de quota de mercado em 2021 e a normalização no sector do turismo apenas em 2022”.

A recuperação económica traz melhorias na taxa de desemprego, com o CFP a apontar para 8,8% em 2021 e 7,8% no ano seguinte.

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Estes cenários baseiam-se, como habitualmente, nas chamadas políticas invariantes, ou seja, sem tentar adivinhar o que vão fazer o Governo e o Parlamento para alterar as circunstâncias (por exemplo, no âmbito do próximo Orçamento do Estado), nem dando como certas promessas ou medidas indefinidas, como é o caso (sublinhado pelo CFP) do plano de recuperação europeu 2021-2027.

Destes fundos europeus, que deverão ajudar a melhorar os números da economia a partir do próximo ano, Portugal deve receber um total de 9,1 mil milhões de euros em subvenções (a preços de 2018) em 2021 e 2022, a que se juntam outros 4,1 mil milhões em 2023.

Défice é agravado pela TAP e pelas medidas de combate à pandemia

Para as contas públicas, o CFP antevê um défice orçamental de 7,2% do PIB, mais 0,8 pontos percentuais do que o previsto em junho (e mais duas décimas do que a previsão do Governo). Uma revisão que se deve sobretudo “ao forte impacto da pandemia na atividade económica, aos efeitos dos apoios financeiros às duas empresas de transporte aéreo [TAP e SATA] e a uma revisão em alta do custo orçamental das medidas” do Governo no âmbito da pandemia.

E não deverá ser em 2021 (-3,2%) nem em 2022 (-3,0%) que o défice baixa para lá da barreira dos 3%, um objetivo que tanta água fez correr no passado, no âmbito das regras europeias de controlo orçamental. As contas do CFP antecipam um desequilíbrio de 2,7% tanto em 2023 como em 2024, “ainda muito distante da situação ligeiramente excedentária verificada antes da pandemia”.

A dívida (bruta), por outro lado, terá “um aumento expressivo” já este ano, para 137,6% (+19,9 pontos percentuais face ao ano passado), retomando depois, a partir de 2021, “a trajetória descendente em que se encontrava”, devendo atingir em 2024 os 130,1% do PIB, “não recuperando, contudo, para os níveis pré-pandemia”, que terão atingido 117,7% em 2019.

Apesar disso, “não se antecipa um acréscimo significativo do custo de financiamento, nem dos encargos com juros”, porque as taxas estão por estes dias em “níveis historicamente reduzidos”.

O Conselho das Finanças Públicas avisa ainda que esta projeção tem vários riscos económicos e orçamentais. Estão em causa, nomeadamente, a natureza imprevisível da pandemia e os respetivos efeitos na economia; o possível agravamento das condições de financiamento e instabilidade financeira global; o elevado nível de endividamento das famílias e das empresas portuguesas; a eventual ativação das garantias do Estado no âmbito das medidas para fazer face à pandemia; o impacto de adicionais apoios ao sector financeiro e a entidades do sector público; o possível incumprimento fiscal e contributivo de quem contou com as moratórias; e, eventualmente, mais gastos do Estado com prestações sociais e despesa com pessoal.

Artigo atualizado às 16:45.