O Conselho das Finanças Públicas (CFP) alertou nesta segunda-feira para o risco de que, uma vez terminadas as moratórias, o setor financeiro poderá incorrer em perdas que obriguem o Estado a dar apoios financeiros. Esse é um dos principais riscos que ensombram a execução do próximo Orçamento do Estado, nos termos em que foi proposto pelo Governo. E o o CFP volta a queixar-se da falta de transparência no documento que projeta o filme do exercício orçamental para o próximo ano.

Há riscos de que “a despesa com o Novo Banco e com a TAP venha a ser superior ao considerado na previsão para 2021 em contas nacionais” e o orçamento pode ser colocado em causa, também, pelo grau de ativação das garantias nas linhas de crédito em que o Estado deu garantia pública. Porém, diz o CFP na análise à proposta de Orçamento do Estado para 2021, “de dimensão mais incerta, assinala-se o risco associado às moratórias de crédito concedidas pelos bancos aos agentes económicos”.

“A eventual incapacidade de solvência dos compromissos por parte desses agentes poderá implicar perdas para o sistema financeiro Português e, consequentemente, obrigar à intervenção do Estado, mediante apoios financeiros”, receia o organismo.

Segundo os dados mais recentes do Banco de Portugal, que dizem respeito a meados de junho, cerca de 22% da carteira de créditos dos bancos estava sob moratória – um valor na ordem dos 39 mil milhões de euros. A agência de rating DBRS indicou recentemente que a banca portuguesa é aquela que, no contexto europeu, tem um maior peso relativo dos créditos em moratória, em proporção dos seus ativos totais.

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Banca nacional é a que tem maior proporção de moratórias na Europa, diz DBRS

Este é um dos principais “riscos descendentes não negligenciáveis” que o CFP vê na proposta de orçamento para 2021, um ano que será marcado por um “elevado grau de incerteza que subsiste sobre a magnitude, abrangência e duração da situação pandémica”. Isso torna ainda mais crucial que haja “uma gestão financeira e orçamental prudente no plano substantivo, mas exige também que essa gestão se faça no respeito pelas regras procedimentais e formais basilares do sistema orçamental português, desde logo aquelas que são impostas pela Lei de Enquadramento Orçamental”.

Os elevados custos económicos e sociais da pandemia continuam a justificar a utilização de programas públicos de apoio às famílias e aos agentes económicos mais prejudicados. No entanto, os recursos públicos nacionais e comunitários devem ser usados de forma criteriosa, eficiente e transparente, devendo existir uma divulgação pública atempada e abrangente da execução da totalidade dos instrumentos de apoio”, diz o CFP, reiterando declarações feitas em setembro.

Na análise do CFP, para que se consiga cumprir o défice em 2021, definido em 4,3% do PIB, será “determinante” que se confirme a “recuperação da atividade económica prevista pelo Governo”, além de haver “um menor montante de medidas de despesa relacionadas com a pandemia, os apoios de menor dimensão a sectores específicos, ‘outros efeitos não identificados e não explicitados’ e a recuperação da comissão paga ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira”.

Quanto ao Novo Banco, o risco é que a injeção feita pelo Fundo de Resolução possa ser superior do que os cerca de 475 milhões de euros que estão previstos e que deverão ser injetados graças às contribuições anuais e a um empréstimo do setor – mesmo assim, mesmo sem empréstimo estatal, o Fundo de Resolução é um organismo do perímetro público pelo que as suas contas entram sempre para o Orçamento do Estado.

Nos últimos anos, houve empréstimos públicos de 850 milhões a esta entidade mas o dinheiro que saiu do Fundo de Resolução para o Novo Banco foi maior: em 2020, por exemplo, foram 1.037 milhões de euros. Este valor passará para 275 milhões em 2021, segundo a proposta de lei do Orçamento do Estado (um valor que se explica por ser o valor líquido entre aquilo que o Fundo de Resolução entrega ao Novo Banco e as contribuições que recebe dos bancos).

Além desta diminuição do impacto do Novo Banco nas contas públicas, o CFP diz que o orçamento do Estado se baseia, também, numa previsão de diminuição dos auxílios financeiros ao setor da aviação. Como nota o CFP, o Ministério das Finanças estima que no corrente ano a TAP utilize a totalidade dos 1.200 milhões de euros de empréstimo do Estado e, para 2021, está previsto um impacto de 500 milhões de euros relacionados com uma eventual garantia a conceder pelo Estado para que a TAP se possa financiar no mercado.

Falta transparência à proposta de Orçamento do Estado, insiste o CFP

A situação de escassez nas contas públicas, nota a entidade, “aconselha uma gestão financeira e orçamental prudente no plano substantivo, mas exige também que essa gestão se faça no respeito pelas regras procedimentais e formais basilares do sistema orçamental português”.

E recorda uma advertência que já tinha feito em setembro: “Os elevados custos económicos e sociais da pandemia continuam a justificar a utilização de programas públicos de apoio às famílias e aos agentes económicos mais prejudicados”. Mas, nota o CFP, estes recursos públicos – tanto os nacionais como os comunitários – devem ser usados “de forma criteriosa, eficiente e transparente”, devendo existir uma “divulgação pública atempada e abrangente da execução da totalidade dos instrumentos de apoio”.

Só que o processo orçamental em curso continua marcado por essas insuficiências, pelo que “cumpre ao Conselho das Finanças Públicas assinalá-las de novo”, nomeadamente “as falhas que se verificam no plano da transparência orçamental” e que são notadas quer na proposta de Orçamento, quer nos documentos de fundamentação que a acompanham.

E quais são? Para começar, a informação sobre o impacto orçamental previsto com as medidas de resposta à Covid-19 é “insuficiente, apresentando incoerências e não se disponibilizando a distribuição do impacto daquelas medidas pelas diferentes componentes da receita e da despesa na estimativa para 2020 que serve de base para a previsão orçamental para 2021”.

Depois, a forma como o Governo apresentou os novos limites de despesa não consolidada no quadro plurianual das despesas públicas prejudica a transparência orçamental. Isto porque “inclui a despesa com ativos e passivos financeiros” mas não apresenta “a demonstração da compatibilidade desses limites com os objetivos orçamentais subjacentes à trajetória de médio prazo das finanças públicas”.

Por último, a “transparência é penalizada” quando existem nas contas “efeitos não identificados e não explicitados”, que “dificultam a aferição da capacidade para alcançar a evolução prevista para o saldo orçamental em 2021”.

Em suma, nota o Conselho das Finanças Públicas, a pandemia não pode ser uma desculpa para que o Governo não forneça a informação que deve.

“Se é verdade que a crise pandémica, pelo seu caráter inesperado e pela sua gravidade, obrigou à adoção de um conjunto de medidas de resposta temporárias e excecionais, importa, todavia, que ela não sirva de pretexto para postergar, de forma mais ou menos duradoura, as regras jurídicas fundamentais do nosso sistema orçamental”, salienta o CFP.

E vai mais longe: “a degradação da qualidade de informação manifesta nestas insuficiências de transparência orçamental condiciona o trabalho das instituições participantes no processo orçamental”, incluindo a apreciação que deve ser feita pela Assembleia da República – que vota o documento na generalidade na quarta-feira.