O Ministério Público timorense disse esta sexta-feira estar confiante sobre o processo de acusação por abuso sexual de crianças contra um ex-padre norte-americano, cujo julgamento começa na segunda-feira.

“Não só os dois procuradores titulares, mas eu próprio e todo o Ministério Público, institucionalmente, estamos muito seguros. Não faríamos uma acusação se não tivéssemos provas dos crimes”, disse à Lusa o procurador-geral da República timorense, José Ximenes.

Vamos fazer o nosso trabalho. O interesse maior e único do MP é com o nosso papel consagrado na nossa Constituição e, nesse contexto, dar voz aos que não têm voz, sobretudo as crianças vítimas”, sublinhou.

José Ximenes falou à Lusa numa altura em que estão a decorrer os preparativos em Oecusse para o início do julgamento de Richard Daschbach, de 84 anos, detido em 2019.

Já punido pelo Vaticano, o ex-padre foi acusado de abusar de pelo menos duas dezenas de crianças no orfanato onde trabalhava, o Topu Honis, em Oecusse.

Além dos crimes de abuso sexual de crianças, o Ministério Público acusou Daschbach dos crimes de pornografia infantil e violência doméstica.

O código prevê penas máximas de 20 anos de prisão por abusos sexuais de menores de 14 anos, agravadas em um terço se as vítimas tiverem menos de 12 anos.

“Já organizei com toda a equipa que vai agora avaliar a questão de segurança e outros aspetos. Não vou para já falar sobre a questão principal, nem da audiência do julgamento nem da estratégia do Ministério Público”, considerou José Ximenes.

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“O procedimento criminal existe, determinando que o julgamento é fechado ao público”, sublinhou.

A realização do julgamento em Oecusse-Ambeno, onde os alegados crimes terão sido cometidos, e a pressão social e pública que o caso tem suscitado na região, estão a causar alguma preocupação aos agentes judiciais.

Uma preocupação que aumentou, segundo fontes judiciais e policiais ouvidas pela Lusa, pela possível presença no local do antigo Presidente timorense Xanana Gusmão, que na quinta-feira viajou no “ferry” de Díli para Oecusse.

Fontes policiais confirmaram à Lusa que vai ser feito um perímetro adicional de segurança em redor do tribunal para garantir que o processo decorre sem problemas, especialmente no que toca a garantir a proteção das vítimas.

Questionado sobre se teme possíveis tentativas de intimidação, José Ximenes disse que os procuradores timorenses estão habituados a pressão.

“Não estamos preocupados com isto. Estamos a trabalhar, eu há mais de 20 anos, e os nossos magistrados estão habituados a enfrentar problemas”, disse.

Eu acho que as pessoas que defendem e se preocupam com o autor e ignoram as crianças fazem uma traição grave à nossa Constituição e aos princípios nela consagrados”, sublinhou.

Além de dois procuradores titulares do processo, Matias Soares e Ambrósio Freitas, que viajam de Díli, a equipa do Ministério Pública será igualmente apoiada pelo procurador-chefe do distrito de Suai, explicou.

Eu tenho filhos e o senhor jornalista também. Estamos aqui a falar de crianças vítimas que são menores. E por isso vamos continuar a trabalhar por essas crianças que não têm voz. Não tenho nenhum interesse além disso”, reiterou.

Questionado sobre se o MP vai, eventualmente, pedir a transferência do julgamento para Díli, José Ximenes disse que a situação, incluindo segurança, tem que ser avaliada.

“A competência territorial é Oecusse. Para mudar isto, temos que requerer ao Tribunal de Recurso, pelo menos. Mas a equipa vai analisar tudo e o que ocorre ali, incluindo a questão de segurança e demais e depois decidir e definir a nossa posição”, considerou.

A equipa de defesa será liderada pelo advogado timorense Pedro Aparício que remeteu declarações para mais tarde.

As vítimas são apoiadas pelo serviço de consultoria jurídica timorense JUS, com vários elementos.

No início deste mês, uma polémica visita de Gusmão a Daschbach, na casa onde este estava em prisão domiciliária, em Díli, levou três filhos do antigo Presidente a escreverem cartas às alegadas vítimas para lamentar a visita.

A cobertura noticiosa desta visita suscitou críticas do presidente do Conselho de Imprensa timorense. Virgílio Guterres considerou que os jornalistas foram “moços de recados” ao publicarem um comunicado entregue pela equipa de Xanana Gusmão, sem identificar a fonte e numa tentativa de “branquear” o ex-padre norte-americano.

Para o CI, houve “uma total demissão da atividade jornalística, não verificando, não procurando o contraditório, não diversificando as fontes, não procurando o rigor e a verdade”, violando a lei e o código de ética jornalística e descredibilizando uma atividade que se quer “vigilante dos poderes instituídos e do Estado de Direito Democrático”.

A Conferência Episcopal Timorense apelou já à comunidade católica em Timor-Leste para que aceite e respeite a decisão tomada pelo papa Francisco de expulsar Daschbach do sacerdócio.