A proposta do Governo de alterações à lei laboral, na chamada “agenda do trabalho digno”, vai seguir para apreciação na Assembleia da República e não deverá regressar à concertação social, para discussão com sindicatos e confederações patronais. O Governo não esclarece, porém, se o documento — que ficou sem efeito com a queda do anterior Executivo — será igual ao que foi aprovado em Conselho de Ministros no ano passado, ou se vão cair medidas negociadas à esquerda durante a elaboração da proposta de Orçamento do Estado para 2022.

Na conferência de imprensa de apresentação do Programa do Governo para esta legislatura, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, foi questionada sobre se a “agenda do trabalho digno” iria ou não voltar à concertação social. Vieira da Silva respondeu que o documento já foi alvo de um “fortíssimo debate” nessa sede e que estará em condições de ser discutido como está na Assembleia da República. “A perceção que temos é que o seu conteúdo está pronto para voltar a ser aprovado, o que não significa que o diálogo social em torno destes temas não deva continuar”, defendeu. A proposta entregue está “em condições de voltar a ser discutida na Assembleia da República”, acrescenta.

Questionada pelo Observador obre se o documento que voltar ao Parlamento vai deixar cair medidas negociadas à esquerda — como o alargamento da compensação para 24 dias por ano em cessação de contrato a termo ou termo incerto ou a reposição dos valores de pagamento das horas extraordinárias a partir das 120 horas anuais, para valores pré-troika — Mariana Vieira da Silva não respondeu.

Mas a UGT, em declarações ao Observador, avisa que ainda que o Governo possa não voltar à concertação social, não será admissível que seja alterado até chegar ao Parlamento. “Era o que faltava… até porque na UGT concordámos que essas normas respondiam a uma reivindicação da UGT”, diz Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT.

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Sérgio Monte lembra que, numa reunião com o primeiro-ministro para a preparação desta legislatura, em fevereiro, António Costa mostrou intenção de voltar a levar as alterações à lei laboral à concertação social. Uma opção que a UGT apoiaria, até para a obtenção de um acordo. Mas  Sérgio Monte sublinha que há já trabalho feito que não deve ser desperdiçado.

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“Nós dissemos [ao primeiro-ministro], por parte da UGT, que não obstante ter havido uma proposta legislativa sobre o assunto e muito trabalho feito, estaríamos dispostos a encarar uma discussão em sede de concertação social, mas que, e a UGT deixou isto bem frisado, que já havia muito trabalho feito”, refere ao Observador. O Observador tentou contactar a CGTP e as confederações patronais CCP e CIP, mas não obteve resposta até ao momento. Os patrões têm, no entanto, defendido alterações à agenda ou mesmo que a sua discussão comece do zero na concertação social. Aliás, foi a introdução de medidas negociadas à esquerda em vésperas da votação do Orçamento do Estado que levou os patrões a abandonarem a concertação, à qual voltaram depois.

O Programa do Governo, o Executivo “compromete-se a prosseguir a implementação de uma Agenda do Trabalho Digno”, com a regulação do trabalho temporário, com “mais responsabilização dos utilizadores e com maior aproximação ao regime de renovações dos contratos a termo”. Também consta a intenção de “prevenir abusos e riscos do recursos indiscriminado ao outsourcing, “nomeadamente alargando a contratação coletiva a estes trabalhadores e proibindo o recurso a esta prática no período subsequente a despedimentos coletivos”.

Entre os objetivos está também o reforço do combate ao trabalho não declarado, através da criminalização desta prática; o reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), o reforço da proteção ao trabalho em plataformas, com uma “presunção de laboralidade específica” com base em indícios que comprovem a ligação à plataforma.

O Governo também se compromete a avançar com a contribuição adicional paga pelas empresas que recorram demasiado a contratos precários. Mas no documento não são referidas algumas medidas negociadas à esquerda como as das compensações por despedimento ou horas extra, nem a renovação, até 2024, da “suspensão dos prazos de sobrevigência das convenções coletivas em vigor”.