O multimilionário russo Roman Abramovich é membro e financiador do organismo judaico que o certificou como judeu de origem sefardita, um documento central no seu controverso processo de obtenção da nacionalidade portuguesa, que está a ser investigado pelo Ministério Público.

A notícia é avançada pelo jornal Público na edição desta quinta-feira, que dá conta de que Roman Abramovich — que tem nacionalidade portuguesa desde abril de 2021 depois de lhe terem sido reconhecidas as origens sefarditas — é um dos principais financiadores da Federação das Comunidades Judaicas da Rússia, entidade cujo presidente, o seu amigo rabino Alexander Boroda, certificou a ascendência portuguesa de Abramovich.

PGR abre inquérito a atribuição de nacionalidade a Abramovich

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A lei da nacionalidade para descendentes de judeus sefarditas foi aprovada em 2013 e tem como objetivo restituir a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus que foram expulsos de Portugal no século XV por decreto do rei D. Manuel I. A expressão “sefarditas” é usada para descrever os judeus da Península Ibérica e tem origem da palavra Sefarad, o nome da região em hebraico.

O multimilionário Roman Abramovich, antigo dono do Chelsea e um dos oligarcas mais poderosos que sustentam o regime russo, aproveitou a lei para obter nacionalidade portuguesa, garantindo um passaporte da União Europeia numa altura em que várias figuras ligadas ao regime de Moscovo — incluindo o próprio Abramovich — estão a ser visadas por sanções do Ocidente em retaliação pela invasão russa da Ucrânia.

Nos últimos dias, vários documentos ligados ao processo de nacionalidade de Roman Abramovich foram divulgados na internet.

Um desses documentos é um certificado da Federação das Comunidades Judaicas da Rússia, assinado pelo presidente do organismo, o rabino Alexander Boroda. O documento certifica que Abramovich “é descendente de judeus sefarditas“, “preserva uma ligação sentimental a Portugal”, é “membro de uma comunidade sefardita”, “tem antepassados portugueses” e “é um judeu sefardita português”.

O documento assinado pelo rabino Alexander Boroda

“Esta certificação baseia-se no meu conhecimento de testemunhos de Roman Abramovich e numa entrevista pessoal que conduzi. Confirmo que Roman Abramovich preserva os rituais, estilo de vida, tradições e hábitos alimentares sefarditas“, lê-se no certificado assinado por Boroda.

De acordo com o jornal Público, que recolhe várias informações tornadas públicas nos últimos anos, Abramovich e Boroda não são apenas amigos — o milionário russo é também um dos principais financiadores da Federação a que Boroda preside. O Público lembra um artigo publicado em 2018 pelo The Jerusalem Post sobre os contributos de Abramovich para a causa judaica, que lhe valeram uma condecoração por parte da Federação das Comunidades Judaicas da Rússia.

De acordo com Alexander Boroda, ao longo das últimas duas décadas Abramovich doou mais de 500 milhões de dólares (460 milhões de euros) a projetos e causas judaicas. “Com o 20.º aniversário que se aproxima, queremos reconhecer especialmente aqueles que têm sido vitais para o nosso trabalho e para a comunidade judaica. Muito do trabalho que fazemos só foi possível devido ao senhor Abramovich, e estamos profundamente agradecidos pelo seu apoio contínuo“, disse na altura Boroda ao jornal israelita.”Temos mais de 160 comunidades em toda a Rússia e o Roman apoia-as todas.”

Boroda afirmou mesmo que 80% dos desenvolvimentos da vida judaica na Rússia se devem a Abramovich, mas que o milionário “nunca fala sobre isso“.

Em janeiro deste ano, soube-se que o Ministério Público abriu um inquérito para averiguar se houve irregularidades no processo de nacionalidade de Abramovich. Na sequência deste processo, foram já feitas buscas na Comunidade Judaica do Porto e o rabino Daniel Litvak chegou mesmo a ser detido por suspeitas de corrupção e falsificação de documentos. Abramovich candidatou-se à nacionalidade portuguesa após desistir da renovação do seu visto britânico, depois de um atraso na decisão que coincidiu com o arrefecimento das relações entre Londres e Moscovo na sequência do envenenamento do ex-espião Sergei Skripal em solo britânico.