O ministro das Finanças e o ministro da Saúde do Reino Unido demitiram-se esta terça-feira após Boris Johnson ter pedido desculpa por ter nomeado Chris Pincher para o governo quando já sabia de alegações de assédio sexual que recaíam sobre aquele que escolhera para vice-presidente da bancada parlamentar dos Conservadores. Rishi Sunak e Sajid Javid anunciaram a saída nas redes sociais. 

E, esta quarta-feira, Will Quince, secretário de Estado para Menores e Família, apresentou também a sua demissão, entendendo que “não teve escolha”, Laura Trott, deputada do Partido Conservador, Robin Walker, secretário de Estado para as Escolas, John Glen, secretário Económico do Tesouro do Reino Unido, seguiram o mesmo caminho, Victoria Atkins, secretário de Estado da Justiça, e a deputada Felicity Buchan seguiram o mesmo caminho. Entre ministros, secretários de Estado, deputados e assessores, contam-se 36 demissões, segundo a Sky News

Entretanto, Boris Johnson já nomeou um novo ministro das Finanças: será Nadhim Zahawi, que até agora era o ministro da Educação. O governante foi visto a entrar na residência oficial do primeiro-ministro, em Downing Street, esta tarde, não tendo prestado declarações sobre o seu futuro. Nadhim Zahawi será substituído por Michelle Donelan, que até agora era a secretária de Estado das Universidades.

Também já há um novo ministro da Saúde: Steve Barclay, que abandona assim o cargo de chefe de gabinete de Boris. Entre 2018 e 2020, foi o secretário de Estado responsável pelo Brexit.

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“Não podemos continuar assim”. As cartas de demissão enviadas a Boris

Sajid Javid, responsável pela pasta da Saúde, foi o primeiro a tornar público que tinha apresentado a demissão ao primeiro-ministro do governo britânico. “O tom que se estabelece como líder, e os valores que se representa, refletem-se nos colegas, no partido e, em última instância, no país”, diz a carta publicada no Twitter. Os conservadores “nem sempre foram populares, mas sempre foram competentes em agir pelo interesse nacional”, pode ler-se no mesmo documento: “Infelizmente, nas atuais circunstâncias, o público está a concluir que agora não somos nem uma coisa, nem outra“.

Nove minutos depois, também Rishi Sunak, um dos maiores críticos de Boris Johnson e considerado um possível sucessor ao atual primeiro-ministro britânico, publicou um comunicado a informar que estava igualmente de saída. “O público, com razão, espera que o governo seja conduzido de forma adequada, competente e séria“, disse o ministro das Finanças.”

“Reconheço que este pode ser o meu último cargo ministerial, mas acredito que vale a pena lutar por estes padrões e é por isso que me estou a demitir”, prossegue. “Estou triste por deixar o governo, mas cheguei relutantemente à conclusão que não podemos continuar assim“, termina a carta de renúncia enviada pelo ministro das Finanças demissionário a Boris Johnson.

Esta quarta-feira, logo ao início da manhã, o secretário de Estado para Menores e Família, Will Quince, publicou a sua carta de demissão nas redes sociais. “Com grande tristeza, apresentei esta manhã a minha demissão ao Primeiro-Ministro”, escreveu o agora ex-secretário de Estado. Na carta, reconhece que “a decisão não foi fácil”.

Laura Trott seguiu o mesmo caminho e deixou o cargo de deputada dos conservadores. O anúncio foi feito nas redes sociais esta quarta-feira: “A confiança na política é – e deve ser sempre – da maior importância, mas, infelizmente, isso perdeu-se nos últimos meses”.

Já Robin Walker decidiu abandonar o cargo de secretário de Estado para as Escolas. “Foi um privilégio trabalhar para ajudar as nossas brilhates escolas”, escreveu.

Boris responde a demissionários: “Vou sentir saudades”, disse ao ministro das Finanças

Boris Johnson já respondeu a Rishi Sunak, ministro das Finanças demissionário, dizendo que lamenta a renúncia do governante. “Proporcionou um serviço excecional ao país ao longo do período mais desafiante da nossa economia em tempos de paz”, diz a carta. Depois de enumerar todas as iniciativas que Rishi Sunak implementou para fazer frente à pandemia de Covid-19 e à crise económica exacerbada pela guerra na Ucrânia, Boris Johnson terminou: “Valorizei enormemente o seu aconselhamento e profundo compromisso com o serviço público; e vou sentir saudades de trabalhar consigo no governo“.

O ministro também respondeu ao ministro da Saúde demissionário, Sajid Javid, agradecendo a carta de demissão e dizendo que “lamenta” tê-la recebido. Numa carta muito mais curta, focando-se no combate à pandemia, Boris Johnson disse que Sajid Javid serviu “admiravelmente” o governo na última década e terminou: “Fará muita falta e anseio pela sua contribuição como deputado”.

De acordo com o The Spectator, Boris Johnson reuniu com cerca de 70 deputados conservadores que lhe são leais — um dos quais descreveu a atitude do governante como “notavelmente otimista”. Até terá mencionado que assim poderia haver oportunidade para baixar os impostos.

Entretanto, Bim Afolami, vice-presidente do partido Conservador, demitiu-se em direto numa entrevista no canal de televisão Talk TV: “Acho que o primeiro-ministro não só já não tem o meu apoio, como também já não tem o apoio do partido ou do país. Acho que, por esse motivo, se deve demitir”. Questionado sobre se estava a oficializar a sua demissão, Bim Afolami asseverou que sim: “Tenho de renunciar, porque não posso servir sob o primeiro-ministro. Mas digo isso com pesar porque este governo fez grandes coisas”.

Também há deputados conservadores a abandonar os cargos no Parlamento. Andrew Murrison apresentou a demissão como enviado especial para o comércio. Anthony Browne já avançou que está de saída porque perdeu “confiança” em Boris  Johnson. Jonathan Gullis acredita que o partido conservador está “mais focado em lidar com nossos danos à reputação do que em entregar para o povo deste país”. E Saqib Bhatti demitiu-se argumentando que “o Partido Conservador sempre foi o partido da integridade e da honra, mas os eventos recentes minaram a confiança e os padrões na vida pública”.

Virginia Crosbie saiu e afirmou que o caso Chris Pincher foi “a gota de água”: “Sou forçada a dizer que o grande número de alegações de impropriedade e ilegalidade, muitas delas centradas em Downing Street e na sua presidência, está simplesmente a tornar-se posição insustentável”, escreveu a deputada no Facebook, dirigindo-se a Boris Johnson: “Sou da opinião de que, se continuar no cargo, corre o risco de prejudicar irrevogavelmente este governo e o Partido Conservador e entregará as chaves de Downing Street ao Partido Trabalhista, incapaz de governar”.

Nicola Richards assegurou que continuaria “leal” ao Partido Conservador, mas que tomou a “difícil decisão” de se demitir. Na carta de demissão que publicou no Twitter, a deputada diz que o partido lhe parece “irreconhecível” e que “algo tem de mudar”: “Não posso servir sob as atuais circunstâncias, onde o foco é desviado por maus julgamentos com que não desejo estar associada“.

Ministros da Defesa e Interior ficam. Mas “não importa”: “Acabou”, diz um governante

Alguns ministros já confirmaram à Sky News que não se vão demitir. Até agora, e de acordo com os tweets que têm sido publicados pelo jornalistas Sam Coates, estes são os governantes já confirmaram que não tencionam demitir-se do governo de Boris Johnson:

  • Ministro da Defesa (Ben Wallace)
  • Ministra Interior (Priti Patel)
  • Ministro da Economia e Energia (Kwasi Kwarteng).
  • Vice primeiro-ministro (Dominic Raab)
  • Ministra Comércio Internacional (Anne-Marie Trevelyan)
  • Procuradora-geral da Inglaterra e País de Gales (Suella Braverman)
  • Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jacob Rees Mogg)
  • Ministro para a Escócia (Alister Jack)
  • Ministra dos Negócios Estrangeiros (Liz Truss)
  • Ministro do Governo do País de Gales (Simon Hart)
  • Ministro de Estado (Michael Gove)
  • Ministro da Irlanda do Norte (Brandon Lewis)
  • Ministra da Cultura (Nadina Dorries)
  • Líder da Câmara dos Lordes (Natalie Evans)
  • Ministro dos Transportes (Grant Shapps)
  • Ministra do Trabalho e das Pensões (Thérèse Coffey)

Um outro governante, que falou em anonimato com a Sky News, considerou que o primeiro-ministro tem de se demitir, independentemente da reação dos restantes ministros. “Agora tem de ir agora. Não importa o que os restantes de nós façam. Quando se perde o ministro das Finanças e o ministro da Saúde, acabou“.

Mas as demissões dos ministros das Finanças e da Saúde podem não ser suficientes para fazer cair a administração de Boris Johnson: as regras dos Conservadores dizem que, como o primeiro-ministro britânico sobreviveu a uma moção de censura ainda no mês passado, não pode passar por outra até junho de 2023. É por isso que os opositores de Boris querem mudar essa regra para que outra moção de censura possa ser desencadeada mais cedo.

Como? Elegendo críticos de Boris Johnson para o Comité de 1922, que decide sobre estas normas — e que vai ter eleições já na próxima semana. Atualmente, o presidente da comissão deve receber 54 cartas de deputados (15% do grupo parlamentar) para convocar uma votação numa moção de censura no primeiro-ministro, mas só se tiver passado um ano desde a última. A nova proposta é que, se 90 cartas forem submetidas (25% do grupo), então essa votação pode ser declarada imediatamente.

O caso de assédio sexual que ameaça o governo de Boris

Por detrás das demissões de dois ministros britânicos está o caso de Chris Pincher. O vice-presidente da bancada parlamentar demitiu-se na quinta-feira passada, 29 de junho, por ter sido acusado de ter apalpado dois homens sem o seu consentimento num clube privado onde tinha estado na noite anterior. “Envergonhei-me a mim próprio e a outras pessoas”, admitiu na carta de demissão, em que pediu desculpas “às pessoas envolvidas”.

Só que esta não foi a primeira vez que Chris Pincher protagonizou alegações de assédio sexual. Há cinco anos, o deputado eleito pelo círculo de Tamworth desde 2010 foi acusado de assediar o antigo remador olímpico e ativista Alex Story. O político foi ilibado num inquérito e Boris Johnson juntou-o ao ministério dos Negócios Estrangeiros como secretário de Estado em julho de 2019. Em fevereiro, Chris Pincher foi apontado como vice-presidente da bancada parlamentar.

Numa entrevista esta terça-feira, Boris Johnson lamentou ter integrado Chris Pincher no governo. “Acho que foi um erro e peço desculpas por isso. Acho que, em retrospetiva, foi a coisa errada de se fazer. Peço desculpa a todos que foram gravemente afetados por isso. Só quero deixar absolutamente claro que não há lugar neste governo para quem seja predatório ou que abuse da sua posição de poder”, disse o primeiro-ministro.

Boris Johnson negou ter pedido ao seu gabinete para mentir sobre Chris Pincher e dizer que o primeiro-ministro não sabia das acusações de assédio que tinham surgido há cerca de três anos, quando o conservador estava no Ministério dos Negócios Estrangeiros. “Havia uma queixa feita contra Chris Pincher no ministério dos Negócios Estrangeiros. A queixa foi esclarecida, ele pediu desculpa“, explicou o governante, para depois admitir: “Já tinha sido informado do que tinha acontecido. Sabe, se pudesse voltar atrás, pensaria outra vez e reconheceria que ele não iria aprender nada, que não mudaria, e arrependo-me”.

Boris Johnson afirmou que queria dar a Chris Pincher o “benefício da dúvida” e “a capacidade de provar que  poderia fazer melhor”: “Temo que ele não possa. E sinto-me muito, muito amargamente desapontado e também arrependido pelo erro que cometi”.

Primeira-ministra da Escócia chama “lote podre” aos ministros demissionários

Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia, considerou que “o fim parece estar próximo para Boris Johnson” e que a queda do governo britânico “já não era sem tempo”. Mas também aponta críticas aos ministros das Finanças e da Saúde: “Notável que os ministros demissionários só estavam preparados para sair quando lhes mentiram a eles — defenderam-no [a Boris Johnson] quando mentia em público”, escreveu a política no Twitter. E prosseguiu: “Todo o lote podre precisa de ir. E a Escócia precisa de uma alternativa permanente de independência”.