O BCE já subiu, este ano, por quatro vezes as taxas de juro, não havendo sinais de que as subidas vão parar. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, assume, em entrevista ao Jornal de Negócios, estar de acordo com as decisões tomadas: “Subscrevo todos os aumentos de taxa que até este momento foram feitos pelo BCE”, garantindo uma posição “totalmente alinhada com a decisão que foi tomada”. Já este mês a subida foi de 50 pontos base, menor do que os 75 pontos base que por três vezes anteriores o BCE decidiu elevar as taxas.

“Haver mais subidas é uma inevitabilidade e a previsibilidade da política monetária, que é altamente desejável, acontecerá de forma mais óbvia para todos assim que a inflação começar a cair”, acrescenta, ainda que admita que as taxas de juro continuam historicamente baixas. Mas e quando é que a inflação começará a cair? “Gostaríamos que a inflação já tivesse começado a cair. A razão na Europa pela qual isto não aconteceu são fatores que estão fora do controlo do BCE: a guerra, a sua extensão, a crise energética”. O governador acredita, ainda assim, que “vai começar a cair muito mais cedo” que 2025. O mandato do BCE é para garantir estabilidade nos preços, em torno de uma inflação média, a longo prazo, à volta dos 2%. Mário Centeno acredita que esse objetivo será conseguido, assim que os choques inflacionistas terminem.

“Atingir os 2% a partir do momento em que a inflação começa a cair – se não houver mais choques – posso quase garantir que, com as expectativas ancoradas, é uma questão de tempo”. O governador acredita, por outro lado, que “a recessão [na Europa] ainda é evitável. Não está em nenhum dos cenários base do BCE, da OCDE, da Comissão Europeia. Não é parte do cenário base que temos para a economia portuguesa. Hoje, com os instrumentos que temos e com o que conhecemos da evolução da economia ainda é possível” evitar a recessão.

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Mário Centeno acredita, ainda assim, que “neste momento não temos razão de queixa da política orçamenta na Europa, ao contrário daquilo que aconteceu nos EUA.”

Sobre a política orçamental portuguesa alinha com Fernando Medina na necessidade de reduzir o peso da dívida pública. E diz que o caminho está a ser feito. Aliás, no ano passado, foi o governador Mário Centeno que se antecipou ao seu sucessor no Ministério das Finanças (João Leão) ao anunciar um défice mais baixo do que as previsões. Mas nesse momento ia mais longe. Numa conferência do Negócios admitia que, “em 2022, o saldo orçamental reúne as condições (aritméticas) para se situar abaixo de 1%”, estando “o país em condições de recuperar, entre 2022 e 2023, o equilíbrio orçamental anterior à crise pandémica”. Viria uns dias depois a guerra na Ucrânia.

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Mário Centeno recorda agora essas palavras e diz: “não estava muito longe”. Quando à dívida, fixava o objetivo de, depois da crise pandémica (que fez subir os rácios), voltar a olhar para os 116% e “estamos no caminho para em 2023 ter 116% de dívida”. Para Centeno, esse é o caminho “que temos de seguir”. Para 2025, o Banco de Portugal projeta uma dívida próxima de 95% do PIB. “É um objetivo também mas é só uma projeção. É o caminho”, mas acredita que é “um número atingível”, mas “é preciso uma política orçamental que o sustente”, e é um número que nos distancia de países como França, Bélgica, Espanha e claro Itália e Grécia. 

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Há no entanto dois elementos na sustentabilidade das contas públicas que Mário Centeno tem vindo a falar: o investimento e o mercado de trabalho. Assumindo que Portugal estará em pleno emprego, as políticas orçamentais e legislativas não podem contrariar a atual situação do mercado de trabalho. Para que isso aconteça, alerta, é preciso não colocar “pressão sobre o mercado de trabalho, pressão legislativa, pressão sobre os custos, para que as empresas consigam manter esse nível de emprego”.

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Mas deixa uma nota de preocupação: o investimento. “É preocupante que o investimento esteja a crescer em 2022 abaixo de 1%”.

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Na entrevista ao Negócios, Mário Centeno ainda falou da banca para não se comprometer com movimentos de fusão, mas admitindo que alguns “emparelhamentos” poderia ter benefícios para o sistema bancário.

Questionado sobre uma possível fusão entre BCP e Novo Banco, o governador realçou que “as sinergias que possam surgir desse emparelhamento ou de qualquer outro que seja sustentável no mercado português seriam benéficas para o sistema bancário, num contexto europeu que se deverá pautar por um ímpeto adicional à sua integração”, ainda que Mário Centeno saliente que é o mercado que tem de decidir as operações de fusões. E recusa comentar as alegadas dificuldades de liquidez da Fosun, um dos principais acionistas do BCP.

“Não estamos perante uma situação em que a necessidade de reestruturação surja por situações de dificuldades das instituição. Isso não se coloca em nenhuma circunstância”, já que “qualquer das instituições hoje presentes no sistema bancário português tem um nível de capital, de rácios de liquidez, de solvabilidade e níveis de exposição ao risco muito baixos”. A Fosun não é um banco em Portugal, salienta, assumindo que a banca nacional “está mais atrativa”.

É à banca que deixa, ainda assim, um aviso, que já tinha feito anteriormente, e que tem a ver com a subida de juros nos depósitos, por forma a remunerar os depositantes. “Há uma função social na captação de depósitos e na sua remuneração que os bancos não podem deixar de fazer”.

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