António Levy Gomes, coordenador da unidade de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria e o médico que revelou um e-mail trocado com Marcelo Rebelo de Sousa sobre o caso, considera que a conferência de imprensa do Presidente da República pode ter servido de “condicionamento” das pessoas que, no dia seguinte, foram prestar declarações na auditoria ao caso.

Em entrevista à TVI, Levy Gomes revelou que entregou os e-mails trocados com Marcelo Rebelo de Sousa à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e garantiu que não tornará mais nenhuma correspondência pública, “exceto se houver mentiras”. E sugeriu que o chefe de Estado pode ter tentado influenciar as testemunhas do caso: “A conferência de imprensa foi na véspera [do dia] em que fomos prestar declarações na auditoria, acho inconveniente porque pode parecer um condicionamento das nossas respostas.”

Levy Gomes disse ainda que já se percebeu que “Nuno Rebelo de Sousa é muito interventivo e ativo, como o pai”. “Provavelmente agarrou no telefone e começou a falar e basta dizer ‘Nuno Rebelo de Sousa’ [que] as pessoas põem-se logo em sentido”, referiu, dando a entender que só o nome pode abrir as portas certas.

Aos olhos do médico é “muito mais grave” se Nuno Rebelo de Sousa, tal como os pais afirmaram, “não conhece a família”, questionando “a que título é que a pessoa vai intervir” no caso se não tem qualquer ligação. “Tem de se perceber e falar com ele para saber como é que se interessou tanto por este caso”, sublinhou.

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Por outro lado, Levy Gomes considera também que houve uma “pressão inaceitável” por parte da família quando convidou médicos para viajarem e avaliarem o caso das gémeas, segundo noticiou a TVI. “Ou as crianças eram portugueses ou luso-brasileiras e vinham a uma consulta normal ou não vai um médico do SNS a lado nenhum, pago por não sei quem, fazer não sei o quê”, alertou o coordenador da unidade de Neuropediatria do Santa Maria.

Levy Gomes também não tem dúvidas que o diretor clínico do Santa Maria “sabe de tudo, é a pessoa chave, é o pivot entre o Ministério, Rebelo de Sousa pai, Rebelo de Sousa filho” porque “é quem recebeu a mensagem e que a transmite à diretora, que marca a consulta”.

Mais do que isso, referiu ainda ter recebido com “choque” a notícia de que as gémeas não tinham sido aceites no Hospital Dona Estefânia e considera que a informação teria levado a “pensar três vezes” no caso. “Tínhamos de analisar e fazer uma reunião conjunta [com o Dona Estefânia], isso fazia pensar brutalmente”, crê Levy Gomes.

No e-mail que o médico revelou na primeira reportagem da TVI sobre o caso, Marcelo Rebelo de Sousa tinha escrito o seguinte: “No meio de milhentos pedidos e solicitações, falou-me o meu filho Nuno num caso específico de luso-brasileiras no Brasil. Disse-lhe logo de imediato que não havia privilégio nenhum para ninguém e por maioria de razão para filho de Presidente.”

O chefe de Estado falou desse e-mail na tal conferência de imprensa, recordou que era claro que “não havia privilégio nenhum para ninguém” e garantiu que não se lembrava. Porém, ao contrário de todas as trocas de comunicação que foram enviadas para a PGR, quando questionado sobre esse e-mail em específico, não só reiterou que “não tem memória dele”, como referiu que são “milhares de e-mails” e que “não guarda todos“. Ou seja, ao contrário de toda a troca de e-mails que foi resgatada do arquivo, aquele que foi enviado a Levy Gomes desapareceu — mas Marcelo cita-o para provar que não interveio.

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