O tempo está a contar para os candidatos às primárias republicanas que esperam ser os escolhidos para representar o partido na corrida à Casa Branca, em 2024. A caminho da reta final, realizou-se na quarta-feira no estado do Alabama o quarto e último debate republicano do ano, que ficou marcado por confrontos e trocas de insultos entre os participantes.
Numa altura em que já se somam três desistências, subiram apenas em palco quatro candidatos: Ron DeSantis, governador da Florida; Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul; Chris Christie, antigo governador de Nova Jérsia; e o empresário Vivek Ramaswamy, uma estreia no mundo da política. As ausências foram o antigo governador do Arkansas Asa Hutchinson, que não cumpria o requisito de apoios necessários para participar e, sem surpresa, o ex-Presidente e candidato na liderança, Donald Trump, que já tinha recusado participar nas edições anteriores.
Durante o debate televisivo, que se prolongou durante praticamente duas horas, a maior parte dos candidatos evitou criticar Trump, que continua a liderar as sondagens, ainda que a jornalista a moderar tenha feito um maior esforço para puxar o assunto para discussão. Palavras como “ditador”, “corrupto” e “detestável” serviram de arma de arremesso. Findo o debate, um porta-voz de Donald Trump vinha descrever o momento como a “maior perda de tempo, dinheiro e energia que os políticos alguma vez viram”.
As (poucas) menções a Trump
A ausência do ex-Presidente do debate já não surpreendeu ao quarto debate do ano. Ainda assim, os moderadores procuraram confrontar os candidatos com Donald Trump, tema que a maior parte continua a preferir evitar.
O governador da Florida, que tem sido um alvo constante de Trump, preferiu evitar falar do antigo aliado, focando as suas críticas na ex-governadora Nikki Haley. Questionado sobre se Trump está apto para ser Presidente, Ron DeSantis preferiu deixar a pergunta sem resposta. Apontou, no entanto, que considera que o antigo governante é demasiado velho para um novo mandato, tendo apelado aos eleitores que votem numa “nova geração de líderes”. “Todos sabemos que não é verdade a ideia de que vamos pôr lá alguém que tem 80 anos e que isso não terá nenhumas consequências”, afirmou.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui e o quarto episódio aqui.]
Do mesmo modo, Nikki Haley, que foi embaixadora das Nações Unidas durante a administração Trump, apenas apontou ao ex-Presidente o fracasso em combater a China. Já o empresário Vivek Ramaswamy, um admirador assumido de Donald Trump que diz que quer ir mais além num eventual mandato na Casa Branca, seguiu uma linha semelhante e recusou condenar o ex-Presidente.
Seria principalmente Chris Christie a puxar Trump como tema de conversa, criticando o facto de os restantes evitarem o assunto. “Estamos a 17 minutos de debate (…) e tivemos estes três [DeSantis, Haley, Ramaswamy] a agir como se isto fosse uma corrida só entre nós os quartos”, sublinhou ainda no arranque do debate.
Pelo meio, ainda descreveu o antigo líder como um “ditador”, um “bully” e um cobarde por recusar participar nos debates. “Voldemort, aquele que não dever ser nomeado”, brincou numa referência aos livros da saga Harry Potter sobre a ausência do candidato. “Não há problema maior nesta corrida eleitoral do que Trump (…). É um homem zangado, amargo que quer voltar a ser Presidente para se vingar de todos os que discordaram dele”, sublinhou.
Os ataques à candidata a subir nas sondagens
Em subida nas últimas sondagens, ainda que surgindo num terceiro lugar ainda muito distante de Donald Trump, Nikki Haley teve um alvo nas costas durante o debate de quarta-feira. “Ela cede sempre que a esquerda vem atrás dela”, chegou a afirmar Ron DeSantis a certo momento, em resposta a uma pergunta sobre o facto de a sua campanha estar a enfrentar dificuldades.
O candidato não ficou por aí e acusou-a de mudar a sua posição sobre tratamentos a jovens transexuais, aos quais DeSantis se opõe. O empresário Vivek Ramaswamy foi mais longe, criticando o facto de a antiga embaixadora das Nações Unidas se ter juntado à direção da Boeing depois de deixar a administração Trump e lançado dúvidas sobre o modo como enriqueceu. “Agora é milionária. A matemática não bate certo. Bate certo com o facto de ser corrupta”, sublinhou. “Nikki é corrupta”, chegou a mostrar escrito num bloco de notas.
A certo ponto, Chris Christie ainda viria defendê-la, destacando que se trata de uma “mulher inteligente e bem sucedida”. A candidata, porém, pareceu não fazer caso dos ataques: “Eu adoro toda a atenção. Obrigada por isso”. “Têm inveja. Desejavam que estivessem a apoiá-los”, disse também. A estratégia pode ter-lhe trazido boas notícias. Segundo uma nova sondagem do Wall Street Journal, na sequência do debate a ex-embaixadora aparece agora em segundo lugar, com cerca de 15% apoio, ainda que continue a uma grande distância de Donald Trump (59%).
As teorias de conspiração à mistura
O debate desta quarta-feira trouxe ao palco teorias da conspiração de um candidato que se assume pela “verdade”. Vivek Ramaswamy já era conhecido pelas declarações polémicas — chegou a sugerir que o governo norte-americano esteve envolvido nos ataques de 11 de setembro –, mas estreou-se com uma nova ideia.
O empresário, uma estreia no mundo da política, foi dos que mais falou, num total de 20 minutos — tempo igualado por DeSantis — e apresentou a sua visão sobre os acontecimentos no Capitólio a 6 de janeiro de 2021. “Porque é que sou a única pessoa, pelo menos neste palco, a dizer que o 6 de janeiro parece um trabalho interno”, afirmou, numa referência à uma teoria ligada à extrema-direita e que alega que a invasão ao Capitólio foi orquestrada pelo governo federal e não por apoiantes de Trump.
Ramaswamy disse ainda que “a agenda climática é uma farsa” e que a teoria da grande substituição — isto é, a substituição da população norte-americana por imigrantes como resultado da conspiração de um grupo de poderosos que tem por objetivo os ganhos eleitorais e a alteração da cultura e do modo de vida americanos — “não é uma teoria de conspiração da extrema-direita, mas uma declaração base da plataforma do Partido Democrático”.
Os vencedores e vencidos do quarto debate
É o último debate dos republicanos deste ano e poderá não haver outro antes do caucus do Iowa, momento em que os eleitores se reúnem em assembleia nos vários locais designados para o efeito, formam um grupo para cada candidato, mais um para os indecisos, e vão debatendo até que os grupos com menos apoio sejam eliminados e se juntem a outro grupos. Sobre os candidatos que tiveram melhor prestação, as opiniões dividem-se.
“Chris Christie e Nikki Haley tiveram prestações sólidas”, avaliou Lance Trover, analista estratégico republicano que chegou a trabalhou para a campanha do ex-candidato e governador Doug Burgum, em declarações ao New York Times. “A abordagem de Chris Christie de não se conter é o que esperávamos desde o primeiro debate. Nikki Haley mostrou novamente que consegue defender-se no meio de uma chuva de ataques, mas isso está muito longe de uma derrota a Donald Trump”, apontou.
Ao jornal norte-americano, Caitlin Legacki, analista estratégica democrata e antiga conselheira da secretária do Comércio, Gina Raimondo, destacou que os candidatos pouco fizeram para confrontar Trump e mudar a dinâmica da corrida eleitoral. “Na verdade, candidatos como DeSantis e Ramaswamy alienaram os eleitores, perdendo terreno”, afirmou, destacando que Haley continua “em ascensão”.
Uma análise de Steven Shepard, editor-principal do Politico ligado a temas de eleições, campanhas e análise de sondagens, dava antes a vitória a Ron DeSantis. “Ele venceu, mas, tal como nos primeiros debates, isso é só porque Trump não estava lá”, defende, tendo em conta a postura de oposição a Haley e o facto de ter-se procurado destacar-se pelo facto de ter cumprido serviço militar. Numa análise para o Politico, Shepard considerou que Ramaswamy teve novamente a “pior noite”: “Se os primeiros três debates nos ensinaram algo é que quanto mais os eleitores republicanos vêem dele, menos gostam dele”.
Já Natalie Allison, também em comentário ao Politico, defendeu que DeSantis teve uma prestação forte, mas questionou a importância desse resultado a longo prazo. “DeSantis pareceu ter um desempenho mais forte do que em alguns opositores nos debates anteriores (…). Mostrou uma confiança mais natural desta vez e ficou mais fora dos confrontos em comparação com Haley, Ramaswamy e Christie. Mas isso significa que ele convenceu dezenas de milhares de participantes adicionais do caucus de Iowa a juntarem-se a ele? Não”, considera.