O presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que cessa, esta quinta-feira, as suas funções, afirma em entrevista à Lusa estar “absolutamente convencido” que em 2024 as operadoras “vão ter que reduzir preços” para não perder clientes.

Os três principais operadores de telecomunicações Meo (Altice Portugal), NOS e Vodafone Portugal vão aumentar os preços no próximo ano, depois de há um mês o regulador ter pedido “contenção” na subida.

“Penso que [2024] será o último ano em que as empresas, sem ouvir nada nem ninguém, sem ouvir o regulador, sem ouvir os consumidores, decidem continuar a aprofundar esta divergência de preços”, nomeadamente com a entrada de ofertas competitivas, considera João Cadete de Matos, aludindo ao novo concorrente Digi.

“Estou absolutamente convencido de que no próximo ano as empresas, para não perderem os seus clientes, vão ter que reduzir os preços“, previu o responsável, no último dia da sua presidência na Anacom.

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À semelhança do que o regulador tinha feito em 2022 — também este ano pediu moderação nos preços —, considera que o aumento previsto para 2024 “voltará a ser excessivo e aprofunda o fosso”, insistindo que os preços das telecomunicações em Portugal “são dos mais altos da União Europeia”.

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Ora, do ponto do regulador e da proteção dos consumidores, “isso é injustificável”.

“Claro que, do ponto de vista dos acionistas das empresas, é muito interessante porque aumenta os lucros da empresa e, portanto, esse é o ponto de vista e o interesse das empresas, mas as empresas têm que ter também uma preocupação de terem preços que sejam competitivos e que satisfaçam os seus clientes, nomeadamente numa situação em que grande parte da população portuguesa tem dificuldades em gerir os seus orçamentos familiares e, por isso, nós temos recomendado contenção nos aumentos dos preços”, argumenta Cadete de Matos.

“Insistimos nesta recomendação, temos muita dificuldade em perceber que as empresas não oiçam a autoridade reguladora, não oiçam as associações de proteção dos consumidores”, nem a “do Governo, da Assembleia da República para precisamente proteger os rendimentos das famílias que enfrentam uma dificuldade”, lamenta.

Este panorama, sublinha, “só reforça a convicção da Anacom de que foi correta a decisão” tomada de promover o aumento da concorrência.

“Porque com a entrada que vai acontecer agora nos próximos meses de uma nova empresa [a Digi] no mercado das telecomunicações em Portugal, essa nova empresa vai trazer para as comunicações preços que ela pratica já hoje em Espanha e que são, nalguns casos, metade do preço que os outros operadores praticam em Portugal”, sublinha João Cadete de Matos.

O responsável alerta para o facto de as operadoras terem os “clientes amarrados” às fidelizações, alertando para a questão das refidelizações.

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“Tenho vindo a alertar os consumidores para terem muito cuidado com as refidelizações”, insiste João Cadete de Matos, que tornam os consumidores ‘presos’ ao contrato por mais dois anos, sendo que para a cessação antecipada do contrato terão de pagar “um custo de centenas de euros”.

“A única expectativa que eu tenho e que se materializou em Espanha, em França e Itália” é que o aumento da concorrência baixe os preços.

“Vamos ter ainda no início do ano, infelizmente” subida de preços da parte dos operadores, “mas quando começarmos a ter concorrência durante o ano com novas ofertas, aí a tendência terá que ser de redução dos preços e espero também que se consiga aquilo que aconteceu em Espanha, que é termos – como tem esta empresa que vai entrar no mercado português – não só preços, que são metade dos preços de Portugal, como tem contratos que, em vez de ter uma fidelização de dois anos”, tem “uma fidelização de três meses“, diz.

A diferença “é abissal e, portanto, o mercado das comunicações em Portugal precisa desta alteração profunda que vai acontecer fruto daquilo que foram as medidas que a Anacom tomou ao longo dos anos”, remata.

5G: Cadete de Matos lança “repto” ao grupo Altice para que “invista mais”

Por outro lado, o presidente da Anacom, reitera que a Meo está a ficar para trás no investimento 5G e lança o “repto” ao grupo Altice para que “invista mais”.

A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) publicou recentemente o investimento em estações de 5G que as operadoras de telecomunicações fizeram no mercado português durante os últimos dois anos, o qual tem sido feito “progressivamente”, refere João Cadete de Matos.

Atualmente, são “cerca de 8.200 novas estações 5G com antenas 5G a emitir“, o que mostra “que os três operadores fizeram já esse investimento”, prossegue o responsável.

Os dados “revelam que a empresa NOS foi a que criou mais estações, também era aquela que tinha antes menos estações do 4G, mas tem procurado compensar esse défice com maior investimento em estações 5G”, com “praticamente neste momento 3.900 estações” de quinta geração.

A Vodafone Portugal “tem quase 3.000 estações e a Meo tem apenas 1.400 estações, portanto, são 17% em termos do total, mas se compararmos a maior com a Vodafone são menos de metade e, se compararmos com a NOS, são praticamente um quarto de estações”, detalha, reafirmando as declarações que tinha feito há uma semana aos jornalistas.

“Objetivamente, os números do investimento revelam que a Meo tem feito um investimento substancialmente inferior ao investimento da NOS e da Vodafone”, mas “também é verdade que no leilão do 5G a NOS e a Vodafone” foram as que compraram mais frequências, tendo ficado com obrigações de investimento maiores, prossegue.

“Também é verdade que a Anacom criou nas condições do leilão do 5G possibilidade das empresas acordarem entre si e partilhar as antenas, fazerem ‘roaming‘ nacional”, recorda João Cadete de Matos.

A NOS e a Vodafone Portugal têm um acordo de partilha das antenas, o que “potencia” que os consumidores “tenham um maior grau de satisfação”.

Portanto, “aquilo que assinalei e que reafirmo [é que] os números são absolutamente inequívocos quanto a esse respeito” e que, de facto, “a Meo está a ficar para trás no investimento no 5G”.

Com isto, “aquilo que estou a fazer é lançar um repto para que o grupo Altice/Meo invista mais, portanto, não fique para trás e reforce o investimento”, insiste Cadete de Matos, que cumpre, esta quinta-feira, o último dia à frente da Anacom, sublinhando a sua total isenção relativamente a todas as empresas do setor.

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Sobre a notícia de que nos próximos dias será publicada a adjudicação do investimento nos cabos submarinos, o responsável classifica de “uma excelente notícia para o país”.

“Aliás, o leilão do 5G, os seus fundos também permitiram financiar o novo anel de cabos submarinos que vai ligar o continente aos Açores e à Madeira”, aponta.

Por vezes, “pensa-se que o anel é só relevante para os Açores e para a Madeira, não, o anel é extremamente relevante para toda a zona marítima do nosso país”, para que este seja “de grande dimensão, com toda a zona atlântica, mas ainda por cima este cabo vai ser um cabo submarino inovador que vai ter sensores no fundo do Atlântico a atravessar as várias placas tectónicas”, os quais permitem identificar os movimentos das placas.

Ou seja, pode “fazer alertas sísmicos e isto é extremamente importante”, prossegue, salientando ainda a importância do novo cabo submarino ser um “cabo público”, o que “vai garantir a acessibilidade em termos de preço para todos os operadores”.

Relativamente ao concurso para a cobertura das zonas brancas, destaca o facto de Portugal “ser o primeiro país europeu a beneficiar do investimento público, quer de fundos europeus, quer também de fundos do leilão do 5G para levar a fibra ótica a todas as casas do nosso território, quer no continente, quer nos Açores, quer na Madeira”.

Portanto, vamos ter rede fixa, vamos ter um novo anel de cabos submarinos, vamos ter esta rede móvel [5G] com estas características e, já agora, também convém não esquecermos que temos já uma rede de satélites que nos permite ter comunicações com velocidades e preços competitivos em todo o território”, sintetiza.

Questionado sobre a inteligência artificial (IA), Cadete de Matos sublinha que “quer na União Europeia quer em Portugal há claramente o interesse em aproveitar esse potencial e, portanto, tirar as vantagens” da tecnologia “para muitas atividades humanas”.

Trata-se de uma tecnologia que também tem riscos, “necessita de facto de ser regulada”, defende João Cadete de Matos.

A Anacom “está disponível dentro de toda esta transformação digital para contribuir para essa regulação” e “depois supervisionar todo o trabalho que é feito nessa área, de forma a proteger os cidadãos, a proteger os países e evitar os riscos que, de facto, a inteligência artificial, nalguns casos, também pode potenciar”.

Cadete de Matos lamenta não ter conseguido inverter degradação da qualidade do serviço postal

Já no campo dos correios, o presidente da Anacom lamenta não ter conseguido inverter “a degradação da qualidade” do serviço dos CTT e defende a necessidade de o Estado ter uma participação na empresa.

Questionado sobre o que ficou por fazer, João Cadete de Matos refere que “não foi possível fazer tudo aquilo que era a ambição” do mandato, que foi de seis anos e quatro meses.

“Diria que olhando para trás, sem dúvida, uma das áreas em que” a Anacom “não conseguiu inverter (…) foi a degradação da qualidade de serviço dos Correios em Portugal”, lamenta.

“Já estamos a ter muito boas notícias no setor das telecomunicações que nós regulamos, também como na autoridade espacial há boas notícias, mas enquanto regulador do setor postal assistimos durante estes anos a uma degradação progressiva da qualidade de serviço na distribuição do correio”, salienta, apontando que a Anacom recebe “praticamente todas as semanas cartas das câmaras municipais e das juntas de freguesia, queixando-se do atraso na entrega do correio”.

Ora, esta é uma situação que, relata, “foi-se agravando ao longo dos anos” e que “os indicadores de qualidade de serviço denotam precisamente essa degradação da entrega do correio”, uma situação que precisa de “encontrar uma resposta”, já que há uma “grande parte da população portuguesa” que ainda usa este serviço.

Os cidadãos “deviam receber nos prazos” as cartas importantes, de acordo com a prática que é seguida nos outros países europeus, diz.

“Claro que nós tivemos o período da pandemia em que os carteiros prestaram um serviço louvável de continuar a entregar o correio´”, reconhece.

No entanto, a situação degradou-se e “ainda é mais grave quanto temos ouvido da administração dos CTT pouca, poderia às vezes [dizer] quase nenhuma, disponibilidade para corrigir a situação”, prossegue, salientando que muitas vezes invocaram que os critérios de qualidade eram muito exigentes, mas estes eram o que já estavam em vigor há anos.

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Temos assistido da administração dos CTT, dos responsáveis dos CTT, uma preocupação em corrigir esta situação (…) invocam a dificuldade em contratar carteiros, mas aquilo que nós verificamos, e os sindicatos queixam-se disso, é que as condições remuneratórias também não são atrativas”, aponta.

Além disso, “verificamos que a empresa tem sido lucrativa ao longo dos anos e, portanto, não há razão para que uma empresa lucrativa e, de facto, com uma remuneração dos seus acionistas, que tem sido muito positiva, não faça não só o investimento em termos de modernização da empresa, mas na contratação e na remuneração dos carteiros e dos outros trabalhadores da empresa para garantir a qualidade de serviço”.

Ainda é “mais incompreensível quando a empresa tem não só questionado os indicadores de qualidade que não tem cumprido como perante a decisão que a Anacom propôs de simplificar os indicadores”, alinhando os critérios de exigência com os europeus, ter vindo “manifestar-se contra a aplicação” dos mesmos, critica.

“Merece uma preocupação do meu lado no fim do meu mandato não ter conseguido inverter esta situação, mas devo dizer mais: é uma situação que durante estes anos eu tenho dialogado com os congéneres dos outros países europeus” – foi durante um ano presidente dos reguladores postais europeus – e “é uma situação que não tem paralelo”.

Não se verifica em Espanha, França, Alemanha e Itália “com esta gravidade”, acrescenta.

Não, não houve de facto esta evolução e só pode haver uma explicação e essa explicação eu tenho que partilhar convosco: que é o facto de Portugal ser um dos poucos países – são três da União Europeia – em que o Estado não tem nenhuma intervenção na empresa”, aponta.

Em França, Espanha, Itália, a empresa é totalmente pública, como sempre foi historicamente, ou por exemplo, na Alemanha, o Estado tem uma participação na empresa.

A degradação da qualidade do serviço dos CTT acontece porque, “contrariamente às telecomunicações”, onde há concorrência, “aqui não há”, portanto, “se o cidadão ver o correio chegar atrasado não pode recorrer a outra empresa”, sublinha.

Portanto, “eu sou forçado a concluir que, de facto, há aqui uma situação anómala no nosso país com o facto de o Estado não ter intervenção na empresa, porque no passado a empresa tinha os critérios de qualidade como critérios importantes da gestão da empresa”, mas “hoje não o tem”, afirma.

Por outro lado, “também há uma situação que é atípica, que é os instrumentos que são dados ao regulador não se têm mostrado efetivos, portanto, de facto, a empresa não tem incentivos para cumprir a qualidade de serviço para não haver uma demora tão excessiva do correio”, considera.

“Penso que é necessário o país pensar se não tem que ter uma participação na empresa, no mínimo como existe na Alemanha, em que não sendo a empresa totalmente pública essa participação permite que a empresa não continue a trajetória (…) de desrespeito por aquilo que são os objetivos do contrato de concessão, que exigem que o contrato de concessão seja feito com qualidade de serviço”, remata.

5G: decisões da Comissão de Avaliação de Segurança estavam pré-anunciadas

O presidente da Anacom afirma ainda que as decisões da Comissão de Avaliação de Segurança (CAS) estão pré-anunciadas e que as orientações aprovadas não constituem “surpresa” para as empresas.

Em maio, a CAS, no âmbito do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, divulgou uma deliberação sobre o “alto risco” para a segurança das redes e de serviços 5G do uso de equipamentos de fornecedores que, entre outros critérios, sejam de fora da UE, NATO ou OCDE e que “o ordenamento jurídico do país em que está domiciliado” ou ligado “permita que o Governo exerça controlo, interferência ou pressão sobre as suas atividades a operar em países terceiros”.

A deliberação não refere nomes de empresas ou de países, mas a Huawei é apontada como alvo, nomeadamente porque a tecnológica chinesa foi banida das redes 5G em outros países europeus.

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Questionado sobre se não considera a decisão da Comissão de Avaliação de Segurança precipitada, o presidente cessante da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) foi perentório: “Não, absolutamente pelo contrário”.

Isto é, “estas decisões que têm vindo a ser tomadas pela Comissão de Avaliação de Segurança estão pré-anunciadas, desde logo no que tem a ver com as frequências do 5G, portanto, com a introdução do 5G em Portugal e a Anacom, desde logo no regulamento do leilão”, aponta João Cadete de Matos.

Portanto, “quem adquiriu frequências sabia na altura que as adquiriu que devia de zelar pela aplicação das regras europeias nesta matéria”, sublinha.

“Portugal não foi bem, pelo contrário, dos primeiros países a aplicar estas regras, tivemos que esperar pela aprovação da Lei das Comunicações Eletrónicas [LCE) e pela criação desta comissão, que só aconteceu no ano passado, mas que fez o seu trabalho, emitiu as suas orientações, transmitiu essas orientações em termos públicos e, enfim, tem vindo a tratar desta matéria com as empresas de comunicações”, prossegue João Cadete de Matos.

Trata-se “de garantir em toda a União Europeia esta preocupação com a segurança das comunicações, com a soberania nacional e isso é muito importante em Portugal como nos outros países europeus”, acrescenta.

Aliás, “os operadores sabiam desde a primeira hora que este assunto seria também ele um aspeto que tinham que observar e, portanto, não é de maneira nenhuma para nenhuma empresa uma surpresa que estas orientações tenham vindo a ser aprovadas”, defende.

Sobre a concorrência, o que leva a repercussão dos preços nos consumidores, João Cadete de Matos afirma que “no mercado das comunicações em Portugal existe competição nos fornecedores das empresas, e as empresas que querem fazer essas ofertas fazem-nas, e os operadores de comunicações em Portugal contratam livremente as opções que entendem para os equipamentos que necessitam para prestar o serviço de comunicações”.

Agora, “aquilo que em Portugal nós vamos ter que observar são regras que estão consensualizadas a nível da União Europeia e que também em Portugal foram refletidas numa decisão da Comissão de Avaliação de Segurança em decurso da lei aprovada no parlamento”, insiste.

Existem, sim, preocupações e orientações que estão definidas relativamente à contratação de fornecimentos e serviços que possam ter implicações na segurança das comunicações, na segurança das comunicações a todos os níveis, nomeadamente um ponto de vista que é essencial para o futuro, que é a soberania nacional, que é garantir que as comunicações em situação alguma podem ter um impacto disruptivo que seria obviamente muito grave não só para a população como para a economia”, conclui João Cadete Matos.

A Comissão Europeia já tinha “dado uma orientação no sentido dessa preocupação de segurança ser refletida no fornecimento e aquisição de serviços com a pluralidade de fornecedores que existem, mas evitando desde logo o risco estratégico para o país de haver um único fornecedor dominante que tivesse um custo substancial deste ponto de vista da preservação da segurança das comunicações do país”, remata.