“Vai desabafo, vai tudo. Essa é a grande diferença da nossa campanha. Nós vimos cá, vimos dar a cara. Não estamos desligados da realidade”. Era assim que Paulo Raimundo comentava o sucesso relativo de uma ação de campanha no Parque da Indústria Aeronáutica, em Évora.

Num contacto com trabalhadores, o secretário-geral do PCP (que apesar de não ser estreante em campanhas, é estreante enquanto cabeça de cartaz) deixou-se ficar ao lado da cabeça de lista da CDU por Évora, Alma Rivera, de pé e muito direito, junto a uma das entradas do Parque, sempre com uma pergunta na ponta da língua quando via algum trabalhador a vir na sua direção. “Já acabou o dia de trabalho? Posso deixar-lhe um documentozinho?”

Mas nem todos aceitam os documentos da CDU, nem todos conhecem Paulo Raimundo. O que não tira qualquer motivação ao líder comunista e responde com um sorriso: “Já viu, se todos aceitassem com entusiasmo dava logo cabo de toda a perspetiva que há de que a gente vai desaparecer, bem pelo contrário”. E assume a luta “voto a voto” como principal objetivo até 10 de março, indecisos ou não, “juntos de todos”, mesmo quando é interrompido por uma buzina de um carro branco e um grito pelo Chega de André Ventura. “Este é caso para dizer, chega para lá.”

Para uma campanha diferente das dos restantes partidos, Raimundo aposta em rua, rua e mais rua. Nos oito primeiros dias de campanha contam-se oito desfiles, contactos com a população ou contactos com trabalhadores. Não há um dia que o secretário-geral do PCP não entra em cafés ou lojas, ou procura possíveis eleitores, sentados à espera de um autocarro ou à entrada e à saída dos postos de trabalho. Também não se deixa influenciar pelos ponteiros do relógio, participa em arruadas de manhã ou à tarde, encontra-se com trabalhadores de manhã ou quase de madrugada. Mesmo as que correm melhor, como no Rossio (a única que trouxe mais de mil militantes às ruas) e em Queluz (onde Paulo Raimundo foi seguido por pelo menos uma centena de bandeiras da CDU até à estação de comboios). E mesmo as que correm pior, como em Alverca, Portimão ou até Setúbal, onde poucas dezenas de apoiantes se juntaram à marcha.

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Raimundo passa (por pouco) teste de popularidade. Mas há quem anseie por João Ferreira ou Bernardino

É assim que a CDU procura responder aos receios que assombraram o início da campanha eleitoral. Com as caravanas de cada partido já na estrada, as últimas sondagens do ICS/ISCTE e a da Universidade Católica, davam aos comunistas e aos verdes apenas 3%, ultrapassado pelo Bloco de Esquerda e a lutar com o Livre pelo penúltimo lugar na Assembleia da República. Desde 2015, e até 2022, a coligação que junta verdes e comunistas perdeu 11 mandatos e toda a representação parlamentar do PEV. A CDU caiu com estrondo em 2022, nas eleições que deram maioria absoluta ao PS (de 12 para 6 deputados) e castigaram a esquerda pela rejeição do último Orçamento de Estado pela geringonça.

É uma das “nuvens sombrias que seguem a campanha” da CDU, como tem dito Paulo Raimundo. Não há nenhum comício, a meio ou a final do dia que não tenha casa cheia com algumas centenas de militantes e apoiantes que não façam o secretário-geral comunista exclamar: “Dizem que isto está fraquinho, mas ponham os olhos nesta sala”.

E Santarém, a encerrar a primeira semana de campanha, não foi exceção. Paulo Raimundo ouviu Bernardino Soares, pela primeira vez ao lado do secretário-geral do PCP durante a campanha, a insistir. “Vejo aqui o dobro das pessoas neste comício da CDU que estiveram no do PS, nesta mesma casa”. O candidato a deputado dava o tiro de partida para uma campanha com a preocupação de “combater a manipulação das sondagens“, “desmentida pelo apoio crescente” que os dirigentes comunistas insistem encontrar nas ruas e no contacto com a população.

O cabeça de lista de Santarém contou histórias de contacto com santarenos, como encontrou “uma senhora assustada com a possibilidade da vitória da direita” e a de outra “senhora que criticava os baixos salários e a indecência do lucro nos bancos, mas que depois disse que não ia votar”. A CDU quer travar a fuga do voto útil para o PS e atrair os abstencionistas.

No mesmo dia, horas antes e a mais de 200km de distância, o deputado João Dias e cabeça de lista por Beja fazia o mesmo repto. “Não há campanha que nos canse. Aqui não fazem sondagens. Pois é, estamos na rua e temos uma energia que as sondagens não identificam”.

E o secretário-geral do PCP não destoa. Num dos comícios, em Beja, tentou seduzir os indecisos. A mesma sondagem do ICS/ISCTE mostra um valor recorde do número de indecisos: 18% e mesmo entre aqueles que já declararam a intenção de voto, 22% admite mudar de opinião. A esses 18%, Raimundo estende a mão, insistindo que entre os indecisos não estão aqueles que defendem as “rendas das PPP rodoviárias”, ou os que “querem pôr as mãos na TAP”, em suma “os grandes grupos económicos”.

“Por um voto se elege, por um voto se deixa de eleger”. Vai lembrando, sempre que pode, o secretário-geral. Por isso não há um comício, a norte ou a sul do país, que não acabe sem o apelo de ir votar e como se fosse uma canção de Zeca Afonso de trazer outro amigo também. “Não pode ficar uma conversa por fazer. Casa a casa, esquina a esquina, monte a monte. Temos que fazer um esforço nestas últimas horas que temos pela frente.”

Mesmo quando as sondagens são mais favoráveis à CDU, como a mais recente da Aximage que coloca os comunistas acima de partidos como a Iniciativa Liberal, o Livre e o PAN, a estratégia de Raimundo continua intacta. As sondagens “condicionam muito e acertam pouco” e a verdadeira prova da vitalidade da CDU faz-se “nas ruas”, como as que ligam a Praça do Município ao Rossio, em Lisboa, que se encheram com com pelo menos mil pessoas no domingo.