Botas texanas e chapéus, franjas e cintos com fivelas avantajadas. A lista de compras é rápida no gatilho, depois do lançamento no passado dia 29 de março do oitavo álbum de estúdio de Beyoncé. Das páginas cor de rosa às bíblias da Moda, passando pela Forbesmultiplicam-se as sugestões para forrar o armário (ou resgatar sem vergonhas aquelas pérolas que por lá se encontram esquecidas desde a adolescência). Os acessórios dignos do look cowboy, mais clássico ou desconstruído, estão um pouco por todo o lado. O fervor vem de longe, como mostra uma rápida viagem pelo baú de memórias, a sua reciclagem tem vindo a acontecer ao longo das últimas décadas, e nada como um empurrão da Pop para ser reativado. Segundo o Business of Fashion, as cadeias de retalho nos EUA e Reino Unido introduziram 240% mais novos estilos de de roupa e acessórios deste estilo face ao mesmo período do ano passado“.

“Cowboy Carter” e o duelo de Beyoncé

Entre videoclips, atuações ao vivo ou passadeiras vermelhas, as referências saídas de um universo rodeo desfilam também pelo mais destemido streetstyle, como nas recentes semanas da Moda. Celebridades como Dua Lipa, Emily Ratajkowski e Katie Homes dão palco à tendência, enquanto outras influencers e simples anónimos aderem e reinventam looks western cosmopolitas. Se quiser seguir os passos, pode ser mais ousado ou subtilmente influenciado — basta percorrer a fotogaleria em cima para se inspirar.

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Dos Grammys às aparições mais recentes, em jeito de aquecimento para “Cowboy Carter”, Beyoncé foi aderindo ao estilo © Getty Images

O The New York Post não tem dúvidas: à boleia do álbum mais escutado no Spotifiy num só dia, o de Queen Bey, pelo menos pelas contas deste ano, o chapéu de cowboy arrisca-se a ser a peça chave do verão e a procura por artigos do género cresceu de forma substancial. De resto, há pelo menos um ano que o “cowboycore” entrou no léxico das redes sociais, disseminando-se pelo Tik Tok e Instagram, e emancipando-se do circuito mais fechado da country music. Para tal, de novo, muito contribuiu a comunidade de fãs “Beyhive”.

Quando a estrela pop lançou as imagens promocionais que acompanhavam o álbum “Renaissance”, não escapou à vista o chapéu de cowboy e a bola de espelhos. O acessório para a cabeça foi criado pela jovem Abbey Misbin, que vendia os seus artigos na Etsy por 285 dólares — tendo esgotado em poucas horas quando a digressão da cantora foi anunciada.

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Dolly Parton por volta de 1975 © Getty Images

Como quase sempre, a história está longe de começar aqui. Basta escutar a revisão de “Jolene”, tema eternizado por Dolly Parton, para um regresso a outros tempos e outras abas icónicas.

[Já saiu o quinto episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui e o quarto episódio aqui]

No ecrã, maior ou menos, do Ranger do Texas a Westworld, de Brokeback Mountain a Estranha Forma de Vida, o mais recente filme de Pedro Almodovar, das fitas do old west a Brad Pitt em “Thelma e Louise”, abundam as referências, para uma estética, entre o romantismo e o realismo, que se estende à política. De Teddy Roosevelt, “o primeiro a simbolizar o cowboy a nível nacional, ao “cowboy feliz” Ronald Reagan ou ao “cowboy presidente” George W. Bush.

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Roy Rogers (1911-1998), cantor, músico e ator norte-americano que apareceu em mais de 100 westerns © Getty Images

No passado mais recente, 2000 foi o ano de Madonna, do álbum “Music” e da faixa “Don’t Tell Me”, ou a “primeira a subverter o estilo da música country”, sentencia a Vogue. Neste intervalo temporal, as câmaras corriam atrás de Paris Hilton, também ela em look apropriado, entre cinturas descaídas e óculos escuros XXL. Em 2016, a tour “Joane” de Lady Laga, com destaque para o single “John Wayne”, o cowboy dos cowboys, levava a taça em matéria de relançamento deste guarda-roupa.

2019 foi um ano em cheio para a “reescrita de um ícone americano”, entre Kacey Musgraves, Mac DeMarco, Solange ou a Smithsonian a vasculhar a história e a defender que “um em cada quatro cowboys era negro”.Em novembro de 2022, víamos Katy Perry atuar na 56ª edição dos Country Music Awards, em Nashville, Tennessee. E na sua Love on Tour, Harry Styles socorreu-se de um chapéu à altura. Rihanna, who else?, é a cowgir de serviço na primeira página da edição de abril de 2024 da Vogue China.

Das origens práticas às encarnações modernas, das personagens do grande ecrã aos heróis contemporâneos, poucos modas perduram de forma tão constante e consistente no imaginário norte-americano, com exportação direta para o resto do mundo. Até as estrelas da realeza se arriscam aqui e ali a trocar as tiaras e coroas por indumentária mais ajustada a este tópico, como aconteceu com o príncipe William e Kate Middleton em 2011, de visita ao outro lado do Atlântico.

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Em 2011, de visita ao Canadá, os duques de Cambridge assistiram a um rodeo — e vestiram-se a rigor © Getty Images

Nos últimos meses, as atenções viram-se para o Texas, onde de forma mais ou menos improvável uma super modelo adicionou um toque de couture à estética rodeo, como escreve a W Magazine. Para mais, Bella Hadid não se ficou pelos preceitos do vestuário, da cintura descaída, dos corpetes em pele ou do imprescindível chapéu. Inspirada pela relação com o namorado e cowboy profissional Adan Banuelos, não só prolongou a permanência no subúrbio de Dallas como aumentou a participação em provas a cavalo — recorde-se que Hadid deixou em modo pausa os planos de competir nas Olimpíadas de 2016 devido à sua doença de Lyme.

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Bella Hadid numa prova em Arlington, Texas © Getty Images

E quando dois ícones da cultura americana se juntam a uma atriz de primeira linha, o resultado é uma Barbie Cowboy em tons rosa choque e um Ken à altura, no rescaldo do filmes sensação de Greta Gerwig

De Lil Nas a Pharell Williams, anatomia de uma clássico do velho Oeste

Chamas, azul elétrico ou um banho de glam Las Vegas sobre uma paisagem de vaqueiros? Em 2019, o rapper Lil Nas X deu nas vistas como excêntrico cowboy, distante de códigos clássicos e provando que a reinvenção neste capítulo também estava à mercê dos homens. No mesmo ano, Ciara atuava em Cannes num registo semelhante (mas muito mais discreto, refira-se).

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O rapper Lil Nas em 2019 © Getty Images

No começo deste ano, Pharell Williams trouxe o western para a passerelle da Louis Vuitton, mas há muito que a fórmula é abordada e trabalhada pelos designers. Para o inverno 24/25 da Dsquared2, por exemplo, a festa faz-se em modo disco. Na Bode, anuncia-se um toque vintage, qual foto analógica de um novo produto artigo. E até a portuguesa Sienna Inspo sintonizou a “Texas Hold’ Em” de Beyoncé e lançou a coleção Rodeo.

Em 2017, Raf Simons chegou à 205 West 39th Street, em Nova York, endereço da sede da Calvin Klein, e assumiu as rédeas enquanto novo Chief Creative Officer da marca. Resultado? rebatizou a linha High Fashion, que passava agora a ser Calvin Klein 205W39NYC, e estendia o controlo criativo à linha mais acessível. Para a história passaria esse primeiro desfile outono-inverno 2017, entre a sua estética-assinatura e os clássicos Americana, com direito a muitas botas de cowboy.Em 2021, Olivier Rousteing partia do filme de ação sobre cowboys negros “The Harder Thet Fall”, para reimaginar o faroeste americano através da moda, numa colaboração entre o título da Netflix e a Balmain.

No final de 2022, a centenária marca de botas Lucchese, e as roupas da Wrangler, uniam forças para uma coleção de botas e jeans de cowboy masculinos. Nos desfiles de outono de 2023 da Semana da Moda de Copenhaga emblemas como Remain ou Rotate alinhavam na tendência. Cá fora, à entrada dos desfiles, entre Milão e Munique, Londres ou Paris, o stylist Declan Chan rendia-se à tendência, e o super fã da NBA James Goldstein lembrava que já cá anda há muitos anos e com muitos chapéus deste estilo. Nada de novo, se pensarmos que as raízes se perdem no século XIX.

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James Goldstein, da NBA para as principais semanas da Moda, com o inconfundível estilo © Getty Images

Dissecando os looks fundadores, há artigos indispensáveis, ainda que os materiais e tecnologias aplicadas se venham reformulando. Originalmente pensados enquanto parte de um uniforme de trabalho, prático, conquistaram um lugar nos contextos mais casuais ou formais. Deitando mãos à obra, o denim é quase obrigatório. Invenção americana por excelência, bandeira da cultura cowboy, coube ao pioneiro da indústria dos jeans, Levi Strauss, revolucionar as modas de final de 1800. À popular ganga, junta-se uma camisa western. Muitas vezes adornada com pequenos botões de pérola, bordados e pespontos, é uma verdadeira marca registada num conjunto desta natureza. Em ganga ou flanela denotam robustez, podendo revelar-se ainda com padrões xadrez ou bordados extra — para conjugar com chinos, napa, ou mesmo calças de alfaiataria, consoando o contexto.

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Pharell em janeiro de 2024 em Paris, a apresentar a coleção outono-inverno da Vuitton © Getty Images

Recortes decorativos e combinações de cores alternativas elevaram o aspeto tradicional das funcionais botas, inicialmente feitas de couro de vaca. Avestruz, pele de cobra ou jacaré juntar-se-iam com o tempo à equação — para trás fica o o cenário do pastoreio e entram em cena os ícones de estilo que combinam este calçado com peças delicadas e ultrafemininas.

E o chapéu? No essencial, mantém-se a lenda forjada por John B. Stetson, o fabricante que criou o chapéu de cowboy. Um ingrediente essencial para rematar o look, seja ele em feltro, pele, lã ou palha.