A Santa Sé recomenda “vivamente” que os migrantes de todas as nacionalidades e religiões sejam “bem recebidos” e “bem acolhidos” em Portugal, revelou esta terça-feira o bispo de Coimbra, Virgílio Antunes, que é também o vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). A recomendação foi feita em Roma aos bispos portugueses, para que façam “de tudo” para garantir o acolhimento dos migrantes no país.

Os bispos católicos portugueses estão durante esta semana no Vaticano para um conjunto de reuniões de alto nível com os principais responsáveis da Santa Sé e com o Papa Francisco. A visita ad limina, como é chamada esta viagem dos bispos a Roma, é uma obrigação de todos os bispos católicos de, periodicamente, prestarem contas à Santa Sé e ao Papa sobre a situação da Igreja Católica nos respetivos países. A deslocação inclui reuniões com todos os dicastérios (o equivalente aos ministérios de um governo) da Santa Sé.

Na tarde de terça-feira, os bispos portugueses deslocaram-se à Secretaria de Estado da Santa Sé (um departamento equivalente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros) para uma reunião com o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, e com o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para as Relações com os Estados.

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A reunião com o chefe da diplomacia do Vaticano foi a mais longa até agora e teve como pontos centrais as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, a celebração dos 20 anos da Concordata entre o Estado português e a Santa Sé e também a realidade das migrações, que tem marcado especialmente o debate público em Portugal e na Europa nos últimos anos.

Em declarações à Agência Ecclesia e à Rádio Renascença após a reunião, o vice-presidente da CEP lembrou que houve uma “alusão” aos 20 anos da Concordata e destacou que a existência de relações institucionais reguladas entre o Estado e a Igreja é “uma realidade muito positiva”.

“Nós somos um país que tem uma maioria, com certeza, católica”, lembrou o bispo de Coimbra. No entanto, continuou, “respeitamos todas as outras religiões, todos os outros grupos humanos que têm outras formas diferentes de se situar na vida”.

“Temos um grande empenho no diálogo inter-religioso, cada vez se está a desenvolver mais entre nós, sobretudo agora que começaram a chegar muitos povos, muitos migrantes que têm outras religiões”, disse o bispo Virgílio Antunes, assinalando também a importância do “diálogo ecuménico entre as comunidades cristãs”.

“Tudo isto são apelos e desafios que não são totalmente novos, mas que têm hoje novos rostos, uma vez que a situação social do nosso país também tem vindo a mudar. E a própria Santa Sé está atenta a isso e recomenda-nos vivamente que façamos de tudo para que os migrantes sejam bem recebidos, sejam bem acolhidos”, lembrou o responsável.

De acordo com o bispo, os responsáveis da Santa Sé assinalaram a importância de um acolhimento de migrantes que tenha em atenção “a sua dimensão religiosa” — por um lado, através do diálogo inter-religoso, no que toca ao acolhimento de pessoas de outras religiões, e por outro lado através dos “esforços ecuménicos, para acolhimento daqueles que têm uma perspetiva cristã”.

Virgílio Antunes destacou que, entre os temas da reunião estiveram também alguns aspetos técnicos da Concordata — o tratado internacional que regula as relações entre Portugal e a Santa Sé e a Igreja Católica, assinado em 2004.

Um dos temas mais complexos é o dos “fins religiosos”, ou seja, aquilo que efetivamente é designado por esta expressão usada no tratado. Esta definição tem implicações, por exemplo, a nível fiscal — quais são, por exemplo, as propriedades da Igreja que estão efetivamente isentas de impostos? As relações com as forças de segurança e a organização dos momentos públicos de culto são outros temas em que é necessário haver maior definição, diz o bispo, “para que não haja de facto da parte de ninguém qualquer forma de atropelo e todos vivamos em clima de muita paz social”.

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Virgílio Antunes destacou ainda que a reunião entre os bispos e o chefe da diplomacia do Vaticano se debruçou sobre “as questões fundamentais que afetam os povos”, incluindo a necessidade de a Igreja “estar sempre numa atitude proativa para ajudar a construir a paz”.

Os bispos discutiram a situação na Ucrânia e na Faixa de Gaza, concretamente os “esforços” que a Igreja tem feito, a par de muitas outras instituições, para ajudar a minorar o sofrimento das populações. “Apesar de tudo continuamos com estas situações de guerra que fazem sofrer a Igreja, que fazem sofrer os povos, e que são sempre uma falência da capacidade de diálogo e de encontro entre as pessoas”, disse o bispo.

No caso concreto da guerra na Ucrânia, o bispo Virgílio Antunes confirmou que “o Papa Francisco e o próprio Secretário de Estado estão em campo”. Acontece “normalmente de forma menos visível, mas há uma diplomacia que a Santa Sé continua a desenvolver”, disse o bispo, lembrando que o esforço diplomático do Vaticano vai “no sentido de um apelo ao diálogo e de dizer que a guerra nunca é solução para nada do que se passa neste mundo”.

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“Os conflitos têm de ser resolvidos pela via da justiça, pela via do diálogo, pela via do encontro e da partilha de responsabilidades, e é o que a Santa Sé tem vindo a fazer, e é nessa parte, naquilo que nos diz respeito, nós todos estamos empenhados, também como Igreja em Portugal, neste apelo ao diálogo entre as diferentes partes, para que a paz e a justiça sejam possíveis”, destacou o bispo de Coimbra.

A visita ad limina dos bispos portugueses ao Vaticano começou na segunda-feira e termina na sexta-feira com uma audiência com o Papa Francisco. Na manhã de terça-feira, os bispos já tinham tido uma reunião em que foi discutido outro dos temas quentes — a crise dos abusos sexuais de menores. À saída da reunião, o presidente da CEP, o bispo José Ornelas, disse que os responsáveis do Vaticano reconheceram como positivo o trabalho da Igreja em Portugal nesta matéria.

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