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As defesas de Manuel Pinho e da sua mulher Alexandra descobriram que a juíza Margarida Ramos Natário, que faz parte do coletivo de juízes que está a julgar o casal Pinho e Ricardo Salgado, foi casada com um ex-gestor do Grupo Espírito Santo (GES). E agora? O Observador explica-lhe o caso em dez perguntas e respostas.

O que se passou no julgamento de Manuel Pinho?

A SIC Notícias e o jornal Público começaram por noticiar que a juíza Margarida Ramos Natário foi casada até 2014 com António Miguel Natário Rio Tinto, um antigo ex-administrador de várias empresas do GES, nomeadamente a Espírito Santo Informática, da ES Tech Ventures e também da seguradora Tranquilidade.

O divórcio terá ocorrido em 2014, ano da resolução do BES ordenada pelo Banco de Portugal e da falência das principais holdings do GES, tendo o casal dividido o património e continuado a viver em união de facto. Depois de ter sido administrador do Novo Banco, António Miguel Natário Rio Tinto trabalha há vários anos no Dubai.

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Juíza do caso EDP foi casada com alto quadro do Grupo Espírito Santo

A juíza Margarida Ramos Natário é uma das duas juízas adjuntas que compõem o coletivo de três magistrados que está a julgar Manuel e Alexandra Pinho e Ricardo Salgado. Ana Paula Rosa é a juíza presidente.

A juíza Margarida Ramos Natário poderia ter pedido escusa antes do julgamento começar?

Sim, podia. Todos os magistrados judiciais podem pedir escusa quando são sorteados para fazer parte de um coletivo de julgamento — ou quando são sorteados para conduzir qualquer processo.

Contudo, não só a magistrada não pediu escusa, como também não informou previamente o Conselho Superior da Magistratura (CSM) da situação. Aparentemente, e de acordo com um esclarecimento que deu à SIC e ao Público via CSM, a juíza entende que tinha condições para “cumprir as suas funções de juíza adjunta neste julgamento até ao fim”.

Uma decisão que contou o apoio de Artur Cordeiro, juiz presidente da comarca de Lisboa.

Manuel Pinho está a ser julgado porquê?

O ex-ministro de Economia de José Sócrates está ser julgado por dois crimes de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal. Na prática, o Ministério Público considera que Manuel Pinho foi alegadamente corrompido por Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES que está a ser julgado pela alegada prática de dois crimes de corrupção ativa, para beneficiar o GES.

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A principal prova reunida contra Pinho assenta nos extratos bancários da Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES, que comprovam que o ex-ministro recebeu cerca de 15 mil euros mensais entre 2005 e 2009 por ordens de Ricardo Salgado.

Tal como o Observador revelou em exclusivo em abril de 2018, tais pagamentos foram efetuados entre a ES Enterprises e a conta da sociedade offshore Tartaruga Foundation no Banque Privée Espírito Santo. A Tartaruga foi criada por Pinho pouco tempo antes de ir para o Governo Sócrates e tinha a mulher igualmente como sócia.

Alexandra Pinho está a ser julgada por crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais em regime de co-autoria com o marido.

O saco azul do GES tem algo a ver com o ex-marido da juíza?

Sim, tem. De acordo com um requerimento apresentado esta segunda-feira pelos advogados Ricardo Sá Fernandes e Manuel Magalhães e Silva, advogados de Manuel e Alexandra Pinho, o ex-marido da juíza recebeu cerca de 1,2 milhões de euros do famoso saco azul do GES.

Manuel Pinho começou a receber do saco azul do GES a partir de 1994

Ou seja, o meio de pagamento utilizado por Ricardo Salgado para pagar a Manuel Pinho, foi o mesmo que foi utilizado para pagar a António Miguel Natário Rio Tinto.

Os pagamentos feitos a Manuel Pinho e António Miguel Natário Rio Tinto foram casos isolados?

Não. Tal como uma investigação do Observador ao saco azul do GES revelou (ver aqui, aqui, aqui e aqui), tratava-se de uma prática institucionalizada pela gestão de Ricardo Salgado que começou por beneficiar apenas os membros da família Espírito Santo que trabalhavam no GES mas foi posteriormente alargada aos administradores e diretores de topo do BES e do GES.

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Tal como as defesas de Manuel e Alexandra Pinho escrevem no seu requerimento, tais fundos pagos pelo saco azul do GES eram uma espécie de complemento salarial que não era declarado fiscalmente em Portugal.

Saliente-se que Manuel Pinho recebeu fundos do saco azul do GES durante quatro anos enquanto era ministro da Economia.

O que fez a juíza Margarida Ramos Natário após conhecer o requerimento da defesa sobre o saco azul do GES?

A magistrada anunciou no início da sessão desta segunda-feira que, apesar de considerar que se mantêm as suas condições de imparcialidade para fazer parte do coletivo de julgamento, iria abrir um incidente de escusa no Tribunal da Relação de Lisboa.

Na prática, a juíza não está a pedir escusa mas sim a solicitar àquele tribunal superior que avalie se tem condições de imparcialidade para continuar a julgar o caso.

E agora? O julgamento é suspenso?

Foi precisamente o que o advogado Ricardo Sá Fernandes defendeu em audiência. Mas a resposta da juíza presidente Ana Paula Rosa foi negativa, com o argumento de que o “pedido de escusa será resolvido esta semana”.

Mesmo depois de ter sido alertada por Sá Fernandes que as sessões após a apresentação do incidente de escusa podem vir a ser anuladas, caso a Relação de Lisboa entenda deferir a escusa da sua colega Margarida Ramos Natário, a juíza Ana Paula Rosa manteve a sua decisão. “É um risco que temos de correr. Lamento. Decorre da lei, está decidido pelo tribunal e amanhã temos sessão”, afirmou.

Várias fontes judiciais confirmaram ao Observador que a prática comum perante um incidente de escusa ou de recusa passa pela suspensão do julgamento enquanto o respetivo tribunal da relação não toma a sua decisão. A juíza presidente Ana Paula Rosa, contudo, decidiu manter as sessões que estão marcadas até janeiro de 2024.

Enfatize-se, por último, que após receber o incidente de escusa da juíza Margarida Ramos Natário (que deveria ter sido apresentado ao final da tarde desta segunda-feira), a Relação de Lisboa tem um prazo máximo de 30 dias para dar uma decisão.

Que meios legais existem para afastar um juiz de um processo?

Há três formas de afastar um juiz de um determinado processo:

  • Há a escusa — que parte do próprio magistrado judicial, que entende que não tem condições de imparcialidade;
  • Há a recusa do juiz — que parte da defesa, do Ministério Público ou do assistente;
  • E há o impedimento — que decorre da lei e que o magistrado é obrigado a seguir.

Por exemplo, se um familiar direto da juíza Margarida Ramos Natário fosse um dos réus, a juíza era obrigada a declarar-se impedida a partir do momento que tivesse sido sorteada para aquele julgamento.

O que poderá decidir a Relação de Lisboa sobre o pedido de escusa da juíza?

Sendo impossível antecipar uma decisão judicial, apenas podemos falar no campo das probabilidades e hipóteses.

Em primeiro lugar, António Miguel Natário Rio Tinto não é réu neste processo e nunca foi acusado de qualquer crime nos processos do Universo Espírito Santo.

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Por outro lado, e de acordo com os magistrados e advogados contactados pelo Observador, a lei exige que sejam cumpridos três critérios para ser decretada a escusa de um juiz: o conflito de interesses que afeta a imparcialidade do magistrado tem de ser diretoatual e manifesto.

Quer isto dizer que teria de existir uma relação direta de António Miguel Natário Rio Tinto com os autos que estão a ser julgados no caso que envolve Manuel Pinho. Por outro lado, a relação familiar entre a juíza e Natário Rio Tinto também teria de ser atual e o conflito de interesses teria de ser manifesto.

De um ponto de vista formal, a resposta pode ser negativa aos três critérios acima referidos, o que poderá significar que a Relação de Lisboa deverá recusar o incidente de escusa.

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Contudo, há advogados que defendem que este caso tem de ser visto sob um critério mais lato, nomeadamente tentando perceber se a juíza Margarida Ramos Natário tem condições para garantir a aparência de imparcialidade.

Porque o grande objetivo das defesas é tentar criar a dúvida que passa pela cabeça de todas os cidadãos que têm acompanhado este caso: será que a juíza Margarida Ramos Natário alegadamente beneficiou de forma indireta de fundos do saco azul do GES que foram pagos ao seu ex-marido? Refira-se, por último, que não há qualquer indício nesse sentido.

O julgamento de Manuel Pinho pode ser anulado?

Não necessariamente. Apesar de ter defendido que as sessões já marcadas devem ser suspensas até o Tribunal da Relação de Lisboa decidir sobre o incidente apresentado pela juíza Margarida Ramos Natário, o advogado Ricardo Sá Fernandes também comunicou ao tribunal que a prova produzida até esta segunda-feira é válida e não tem de ser repetida.

Os desembargadores da Relação de Lisboa podem ter o mesmo entendimento que o advogado de Manuel Pinho e, mesmo que decidam que a juíza Ramos Natário não tem condições de imparcialidade, podem não anular o julgamento. Eventualmente, apenas teriam que ser repetidas as sessões de julgamento que tenham sido realizadas após a apresentação do incidente de escusa.

Seja como for, e tal como explicado na pergunta 9, é mais provável que a Relação de Lisboa decida manter a juíza Margarida Ramos Natário do que decidir pelo seu afastamento.

Se a decisão for a substituição forçada de Margarida Ramos Natário, esta terá de ser substituída por outro magistrado judicial do Juízo Central Criminal de Lisboa — que terá de estudar o processo e a prova produzida em audiência de julgamento que seja considerada válida pela Relação de Lisboa.

Julgamento de Manuel Pinho pode voltar para trás?