Citações do Presidente da República

em entrevista à RTP centrada na iminência de decretar um novo estado de emergência

Houve erros e eu sou o maior responsável por tudo o que aconteceu. O Presidente da República é o maior responsável pelos erros cometidos. Assumo ter a responsabilidade suprema por tudo isto.”

Marcelo Rebelo de Sousa assume-se como o responsável-in-chief pelo que tem corrido mal na pandemia. Chama-lhe mesmo “responsabilidade suprema”. O Presidente diz que, como primeira figura da nação, se as coisas correram mal na gestão da segunda vaga da pandemia, a culpa é dele. E assume que esses erros existiram. Com este assumir de culpas, Marcelo pretende demonstrar que não está preocupado com cálculos eleitorais, mas também a tentar humanizar-se e demonstrar coragem em assumir o que corre menos bem. Por outro lado, ao assumir os erros, está a poupar o primeiro-ministro e o Governo, ao contrário do que fez no caso dos incêndios de 2017 quando foi duro e forçou (ou acelerou) a queda da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

Temos uma pandemia que está a conhecer um agravamento, temos uma situação económica e social que só se agravará em função da duração da pandemia, vamos juntar uma crise política a isto? Os portugueses percebem? (…) Convinha que não se juntassem três crises. Três crises tornam pior a capacidade do governo de responder às outras duas crises. Dizem os opositores que, ainda bem, porque é da maneira que cai o governo. Mas é que não cai. Não cai porque o Presidente não tem o poder de dissolução do Parlamento durante 6 meses até à eleição de novo Presidente, porque há presidência da UE a seguir, e porque não é indiferente governar com duodécimos de 2020 ou com o dinheiro de 2021”

Combater o fantasma da crise política tem sido o full time job de Marcelo nos últimos meses. Aqui não foi exceção. Falando para os partidos da esquerda que nos últimos anos têm dado apoio parlamentar ao Governo de António Costa, e que agora ameaçam chumbar o Orçamento do Estado (à atenção do BE e do PCP), Marcelo lembrou que não adianta anteciparem uma queda do Governo porque isso não vai acontecer tão cedo. Primeiro, porque nos últimos seis meses de mandato o Presidente da República não pode dissolver o Parlamento, por mais instabilidade que haja; depois, porque no primeiro semestre do ano Portugal vai estar a cargo da presidência da União Europeia, e aí não será altura de mandar governos abaixo; e, depois, porque é preciso um Orçamento devidamente aprovado para fazer face à pandemia, porque governar com o OE 2020 em duodécimos não chega numa altura destas. Portanto, disse Marcelo: entendam-se. Mais vale estarem ao lado do Governo na gestão da crise económica e pandémica, em vez de, a essas duas, juntarem uma terceira crise, a crise política. A meio do próximo ano — talvez depois das autárquicas — falamos outra vez.

Tenho visto com atenção o que acontece nos países que têm tido eleições em contexto de pandemia, e conta-se por um ou dois dedos da mão os governos que foram reeleitos. Têm sido governos a perder eleições e Presidentes a perder eleições, mas quem é eleito é para ser punido perante o que corre mal, não é só para ser louvado (…) Churchill ganhou a guerra e foi corrido a seguir”

Eis Marcelo, comentador, a vaticinar a queda de António Costa nas próximas eleições — sejam elas antecipadas ou não. Foi, de resto, muito mais comum Marcelo vestir a pele de comentador do que a de Presidente nesta entrevista à RTP, onde se colocou de fora a analisar o que tem acontecido aos vários governos e Presidentes que, lá fora, têm ido a votos em plena pandemia: conta-se por um ou dois dedos da mão os que são reeleitos. Marcelo pode ser exceção, Costa não, ou vice-versa. Nesta lógica, segundo Marcelo, Donald Trump também não deverá ser reeleito amanhã. Veremos. A bem do politicamente correto, Marcelo lembrou que as urnas servem para punir o que corre mal ou louvar o que corre bem, e os governantes só têm de trabalhar para isso. Mas também recorreu ao britânico Winston Churchill (ou a Passos Coelho) para se escudar: às vezes a conjuntura é tal que nem quando as coisas correm bem o político ganha. Churchill é disso exemplo: ganhou a guerra mas foi corrido a seguir. Já Passos, ganhou as eleições depois da guerra da troika e foi corrido mesmo assim. O que acontecerá a Costa mesmo que consiga superar a guerra da pandemia?

Foi o enfermeiro que disse para tirar a camisa, e eu cumpri. Eu cumpri. Cumpri na quarentena e caiu tudo em cima de mim, e cumpri na vacina.”

Marcelo Rebelo de Sousa não abdica, sempre que pode, de mostrar que é um homem comum. Foi tomar a vacina contra a gripe no dia em que começou a vacinação para os maiores de 65, os “mais velhinhos”, como ele. O Presidente ficou em tronco nu para a fotografia para mostrar que é uma pessoa comum e, como qualquer cidadão, cumpre escrupulosamente as indicações médicas. Se o enfermeiro manda, ele tira a camisa. Explica que também foi essa premissa que seguiu quando em março se fechou 14 dias no Palácio de Belém em quarentena e foi alvo de críticas, incluindo do seu potencial adversário na corrida presidencial, André Ventura, que o acusou de não ser um Presidente presente. O Presidente dos afetos não quer ser populista, mas não abdica de ser, no mínimo, popular.

Tive algumas guerras de estimação [durante a pandemia]. Umas ganhei, outras não. Quando comecei a usar máscara nos estabelecimentos comerciais diziam: ‘Isso é uma estupidez, não está provado que seja necessário usar máscara’

Marcelo Rebelo de Sousa enviou várias indiretas a Graça Freitas. Uma das guerras, que ganhou, foi a das máscaras. Logo em março, quando a DGS o desaconselhava, o Presidente ia ao supermercado de máscara e foi criticado por desrespeitar regras sanitárias nacionais e da Organização Mundial de Saúde, mas levou sempre a sua avante. Ouviu a diretora-geral de Saúde desmenti-lo nessas alturas e, agora, não deixa de dizer que tinha razão. Diz que perdeu outra guerra de “estimação”, a do “número”, em que defendeu que, por mais que os eventos de massas — como espetáculos — sejam seguros, eles não deviam ocorrer porque passam a “perceção” errada. São guerras de Marcelo contra, claro, a DGS de Graça Freitas e o ministério da Saúde de Marta Temido.

Regras diferentes a cada semana faz muita confusão para quem ouve (…) Os espectáculos culturais deixam as pessoas doidas (…) As conferências de imprensa cansam (…) É preciso ir reinventando a forma de comunicação, que é dificílimo”

Marcelo, na pele de “comentador de bancada”, como se intitulou, criticou várias vezes a diretora-geral de Saúde (e a ministra) por causa das (in)cansáveis conferências de imprensa diárias da DGS. Avisando desde logo que estava a dizer “em voz alta” o que as pessoas dizem “em voz baixa”, deixou críticas duras à comunicação do governo. “Tudo o que se repete muito tempo cansa”, disse em relação aos briefings diários embora reconhecendo o “enorme esforço” e “mérito” de quem lá está diariamente. Ou seja, é com bom fundo, mas não resulta. Não adianta comunicar de dada forma se depois a população percebe de forma diferente, foi dizendo Marcelo dando o exemplo dos espetáculos, que são mais seguros do que os ajuntamentos em casa, mas as pessoas não vão porque têm medo. Criticou os “ziguezagues” do Governo e disse que era preciso reinventar a forma de comunicar. Mas não disse como.

Disse que se em 2018 ou 2019 ou 2020 uma tragédia de incêndios igual à de 2017, eu não me recandidatava. Tinha acontecido uma vez, se se repetisse nos outros anos, queria dizer que a minha voz era perdida no deserto. E que aquilo que eu tinha dito que era fundamental não fosse mudado. Estamos no meio da pandemia. Fui eleito para ser Presidente até ao fim do mandato, não para uma recandidatura (…)

Não disse que não haverá mais estado de emergência. Desde que disse uma vez: ‘Cristo não desce à terra’ e depois Cristo desceu à terra, eu nunca mais digo que Cristo não desceu à terra.

O Presidente continua a alimentar o tabu da recandidatura que começou ainda antes de ser eleito pela primeira vez: Marcelo já falava em segundo mandato na campanha de 2016. Disse apenas que ainda não tinha tomado a decisão e que, a ocorrer, seria depois do final de novembro. Deixou, para a análise da história da política, uma dica: lembrou que nunca mais diz que Cristo não desce à Terra. Disse-o uma vez antes de ser candidato pela primeira vez à liderança do PSD e acabou líder. Fica a pista de uma candidatura mais-que-provável. Além disso, diz que a pandemia nada tem a ver com a tal promessa de que não se recandidatava se se repetisse o cenário dos incêndios de 2017. Para bom entendedor, meias palavras de Marcelo bastam.

É o representante da República que vai tratar da composição do Governo. O Presidente da República não se pode substituir ao Representante da República”.

Marcelo não quer estar metido no filme que vai conduzir o PSD ao poder nos Açores como segundo partido mais votado em coligação com o CDS e o PPM e com acordo de incidência parlamentar como um partido como o Chega. E vai resistindo a ficar associado ao processo, remetendo tudo para o Representante da República (Pedro Catarino) ao qual diz não poder substituir-se. Os Presidentes têm sempre influência no processo, até porque têm poderes constitucionais como dissolver a Assembleia Regional, mas o chefe de Estado continua a olhar para o lado. A dois meses das eleições tem pouco a ganhar com o que se passa nos Açores: se permitir um governo liderado pelo PS, será novamente visto como Presidente que dá a mão aos socialistas; se permitir um governo liderado pelo PSD, poderá ficar visto como o Chefe de Estado que permitiu ao Chega fazer parte de uma solução de estabilidade governativa.

O que está a ser ponderado é um estado de emergência diferente do que vigorou entre março e maio, no sentido de muito limitado, de efeitos sobretudo preventivos e não muito extenso apontando para o confinamento total ou quase total”.

Marcelo Rebelo de Sousa não deu um calendário sobre quando vai aplicar o estado de emergência, mas centrou-se em explicar aos portugueses que será um “estado de emergência diferente” do que decorreu em março. Isto porque sabe que as pessoas estão saturadas e cansadas com a ideia de um novo confinamento e, por isso, quer dar a ideia que este é só um estado de emergência na teoria, mas mais permissivo na prática. É por precaução, garante Marcelo, e não para voltar a confinar tudo em casa. Admitiu que o pavio está mais curto (dos portugueses e dos outros partidos políticos) e que, por isso, mesmo uma versão mais soft (o tal “diferente”) terá menos compreensão do que os três estados de emergência declarados em março.