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Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista aos psicólogos Rui Martins e Joana Marafuz, no espaço S do edifício Egas Moniz, do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 30 de Março de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Joana Marafuz, Rui Martins e outros dois psicólogos fazem parte do grupo de oito pessoas que presta apoio e prevenção em saúde mental aos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Joana Marafuz, Rui Martins e outros dois psicólogos fazem parte do grupo de oito pessoas que presta apoio e prevenção em saúde mental aos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A equipa que cuida da saúde mental dos futuros médicos

Na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, há uma resposta para ajudar os estudantes que enfrentam desafios de saúde mental. A procura tem crescido e hoje o Espaço S tem lista de espera.

Maria [nome fictício], 21 anos, está há três em Portugal a estudar Medicina. Em Cabo Verde, aonde não voltou desde que veio para a faculdade, deixou família e amigos. Em maio do ano passado, a solidão tornou-se um peso impossível de suportar. E foi então que venceu a resistência e o estigma que ainda existe de procurar ajuda e enviou um e-mail para o Espaço S a pedir acompanhamento psicológico.

“Estava a sentir-me triste, sozinha, com saudades de casa e já não conseguia lidar com isso. Por causa da pandemia e dos confinamentos, passámos grande parte dos primeiros anos do curso em casa, com aulas à distância, e quando as coisas abriram e tive tempo para conhecer os meus colegas e conviver, dei-me conta de que não tinha amigos”, diz a estudante de Medicina, a quem o isolamento e a falta da rede familiar e social afetaram, sobretudo a nível pessoal.

“O desempenho académico não sofreu. Sempre fui cabeça dura e a faculdade é a prioridade da minha vida, mas estava a sentir dificuldades em gerir a ansiedade, a tristeza, a frustração e as saudades.”

Duas semanas depois do pedido de ajuda, foi chamada para uma triagem e em pouco tempo iniciou terapia semanal com um dos quatro psicólogos que fazem parte da equipa do Espaço S, o serviço de Apoio Psicológico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).

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Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista aos psicólogos Rui Martins e Joana Marafuz, no espaço S do edifício Egas Moniz, do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 30 de Março de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista ao Presidente da Associação de estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, Duarte Tude Graça, e à Diretora do Gabinete de Apoio ao Estudante, Ana Rita Sobral. Também fotografias da biblioteca da FMUL, a fachada do edífício Egas Moniz e do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 6 de Abril de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista aos psicólogos Rui Martins e Joana Marafuz, no espaço S do edifício Egas Moniz, do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 30 de Março de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista ao Presidente da Associação de estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, Duarte Tude Graça, e à Diretora do Gabinete de Apoio ao Estudante, Ana Rita Sobral. Também fotografias da biblioteca da FMUL, a fachada do edífício Egas Moniz e do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 6 de Abril de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Os recursos são limitados. O Espaço S tem atualmente uma lista de espera de 33 alunos (número em constante variação), o que constitui uma preocupação. Mas a equipa procura soluções

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A empatia com a psicóloga, garante a jovem estudante, foi imediata. “Com o acompanhamento passei a ter maior autoconhecimento e a desenvolver estratégias para lidar com as situações mais difíceis. Melhorou muito a minha relação com os outros e é como se tivesse voltado a ser a pessoa de antes, que tinha deixado de ser por causa de tudo o que estava a passar”, diz, sublinhando a importância de cuidar da saúde mental, tantas vezes negligenciada.

Os alunos deslocados, de outras regiões do país ou do estrangeiro, são uma fatia importante (65 por cento) dos estudantes da FMUL que recorrem ao Espaço S, a resposta criada em 2013 – graças a um esforço conjunto da Associação de Estudantes e do professor Daniel Sampaio, na altura docente de Psiquiatria – para dar apoio psicológico aos alunos da faculdade. Esforço que enfrentou resistência, lembra o psiquiatra.

Em 2021/2022, o Espaço S acompanhou 155 estudantes e contabilizou 1137 consultas. Este ano letivo, de setembro a janeiro, já foram acompanhados 117 estudantes, num total de 567 consultas. A procura não tem parado, graças à divulgação do projeto, à diminuição do estigma e à pandemia, que teve um forte impacto na saúde mental dos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. 

“Era preciso criar um gabinete que garantisse alguma privacidade e reserva, para que os estudantes se sentissem à vontade para procurar ajuda. Mas a direção da faculdade entendeu que não era necessário. Então, com a Associação de Estudantes – o Francisco Goiana da Silva e o Miguel Almeida [antigos presidentes da AEFMUL] foram muito importantes neste processo –, criámos as condições para ter um espaço na clínica do Estádio Universitário”, conta Daniel Sampaio, que nota que gabinetes de apoio psicológico como este são fundamentais. “Até para tratar situações de assédio, sexual ou moral, de que se está a falar tanto neste momento.”

Procura de apoio psicológico tem vindo a crescer

Contando nos primeiros anos com os recursos do Hospital de Santa Maria e da FMUL no que toca a Psiquiatria e Psicologia, a procura do Espaço S confirmou a pertinência da iniciativa de Daniel Sampaio e da AEFMUL e a importância de criar uma resposta que garantisse a privacidade de quem a procurava.

No ano letivo de 2017/2018, o espaço passou a contar com um psicólogo clínico externo e sem ligação à docência na FMUL e tenha sido integrado no recém-criado Gabinete de Apoio ao Estudante da FMUL, ganhando instalações próprias e uma equipa externa, que foi crescendo e hoje conta com quatro psicólogos clínicos. Com uma prestação de serviço de 15 horas semanais, garantem triagens, consultas, urgências, reuniões de equipa e ainda atividades de formação e prevenção na área da saúde mental.

Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista ao Presidente da Associação de estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, Duarte Tude Graça, e à Diretora do Gabinete de Apoio ao Estudante, Ana Rita Sobral. Também fotografias da biblioteca da FMUL, a fachada do edífício Egas Moniz e do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 6 de Abril de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Além do acompanhamento psicológico, há projetos de prevenção da saúde mental e bem-estar dos alunos ao longo de todo o curso”, diz Ana Rita Sobral, coordenadora do Gabinete de Apoio ao Estudante

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No ano letivo de 2021/2022, o Espaço S acompanhou 155 estudantes e contabilizou 1137 consultas. Este ano, de setembro a janeiro, já foram acompanhados 117 estudantes, num total de 567 consultas. Ana Rita Sobral, coordenadora do Gabinete de Apoio ao Estudante, tem os números de cor e diz que a procura não tem parado de aumentar. Graças à divulgação do espaço e à diminuição do estigma, mas também à pandemia, que teve um grande impacto na saúde mental dos estudantes da FMUL.

“Só começámos a trabalhar os dados há três anos, mas sabemos que em 2015/2016, foram recebidos 54 pedidos e 44 tiveram intervenção (na altura a equipa tinha quatro psicólogos e uma interna de psiquiatria, ligados à faculdade)”, diz a coordenadora, sublinhando a importância da divulgação e da aposta na prevenção por parte do gabinete que coordena. Em 2017-2018, o primeiro ano em que contaram com um psicólogo externo, o número de estudantes acompanhados subiu para 108 e as consultas para 392. Desde então a procura tem sido crescente e os números do primeiro trimestre deste ano indicam que deverão bater os do ano passado.

“Além do Espaço S, que oferece acompanhamento psicológico gratuito aos alunos da faculdade, temos vários projetos que acabam por estar todos interligados e que têm uma ótica de prevenção da saúde mental e do bem-estar dos estudantes, desde que entram até que saem da FMUL”, explica Ana Rita Sobral.

“Era preciso criar um gabinete que garantisse alguma privacidade e reserva, para que os estudantes se sentissem à vontade para procurar ajuda. Mas a direção da faculdade entendeu que não era necessário. Com a Associação de Estudantes criámos as condições para um espaço na clínica do Estádio Universitário. Gabinetes de apoio psicológico são fundamentais, até para tratar situações de assédio, sexual ou moral.”
Daniel Sampaio, psiquiatra, fundador do Espaço S

A crescente procura traz o reverso da medalha. Os recursos são limitados e por isso neste momento, o Espaço S tem uma lista de espera de 33 alunos (número em constante variação), o que constitui uma preocupação para a AEFMUL e o seu atual presidente, Duarte Graça.

“São 33 pessoas que sentem a sua saúde mental fragilizada e que não têm ainda resposta. Claro que, enquanto Associação de Estudantes, este é um assunto com que nos preocupamos e que temos de lutar para resolver. Na área da saúde mental temos de investir na prevenção e na intervenção precoce. Se não tivermos capacidade de resposta em tempo útil, a situação agrava-se”, diz Duarte Graça, para quem a solução passa pela contratação de mais psicólogos e pelo estabelecimento de parcerias.

“Em 2020, a Associação Nacional de Estudantes de Medicina fez um estudo sobre a saúde mental dos alunos das Escolas Médicas em Portugal e verificou-se que a percentagem de alunos que sentiam a sua saúde mental fragilizada no país era superior à média internacional – enquanto nos outros países a média era 40 a 50 por cento, em Portugal era de 60 por cento”, diz o presidente da AEFMUL. “Isto deve alarmar-nos.” Até porque, reforça, segundo o mesmo estudo, 73 por cento dos estudantes sentiam que precisavam de ajuda e não a procuravam.

Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista aos psicólogos Rui Martins e Joana Marafuz, no espaço S do edifício Egas Moniz, do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 30 de Março de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Os estudantes de Medicina têm valores de depressão mais baixos quando entram e os mais altos acontecem no segundo ano”, diz o psicólogo Rui Martins. “Temos esta janela em que é importante intervir”

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O estigma bem conhecido e identificado de que os médicos – e, claro, os estudantes de medicina – devem ser resistentes, é um entrave. Felizmente, considera Duarte Graça, isso tem vindo a mudar. Apesar das condicionantes.

“Mais de 50 por cento dos estudantes da FMUL são deslocados, afastados de família e amigos. Estão numa nova cidade, com dificuldade de encontrar alojamento e todas as dificuldades que muito bem conhecemos, num curso que é muito exigente e com incertezas quanto à carreira e à especialidade. Daí que este recurso do Espaço S seja tão importante. A FMUL foi pioneira na criação de um gabinete de apoio psicológico, agora enquanto associação estamos a lutar para que este tenha mais meios e maior capacidade de resposta.”

Ana Rita Sobral está na mesma luta. O Gabinete de Apoio ao Estudante, que coordena, está a tentar fazer protocolos com entidades externas e a procurar soluções para alargar a resposta. “Entretanto, os estudantes em lista de espera não ficam abandonados. Fazemos sessões de follow-up, para saber como estão e para os ajudar a arranjar estratégias para lidar com o problema enquanto não iniciam o acompanhamento.”

Os desafios do curso e os problemas que já existiam

Perturbações de ansiedade e perturbações do humor, como a depressão, são o que leva mais estudantes a procurar o Espaço S. Mas também perturbações do comportamento alimentar, problemas de sono e dificuldade de gerir as exigências académicas e do dia a dia.

Ana [nome fictício], 24 anos, no 5º ano do curso de Medicina, é acompanhada há três devido a crises de ansiedade, que se acentuaram durante o “período Covid”. Sempre se debateu com o problema, mas só depois de adulta pôs a hipótese de procurar ajuda. E sente que foi um passo acertado. “Tem-me dado muito mais consciência do que se passa na minha cabeça, coisas de que nunca me tinha apercebido. A palavra que define melhor isto não é portuguesa – insight. É isso que a terapia me tem dado.”

Duas semanas depois do pedido de ajuda, Maria foi chamada para uma triagem e em pouco tempo iniciou terapia semanal com um dos quatro psicólogos que fazem parte da equipa do Espaço S, o serviço de Apoio Psicológico da FMUL.

Perceber que há um motivo, ou motivos, para a sua ansiedade, quais são, que gatilhos a desencadeiam e como lidar com eles, tem sido fundamental para Ana. Tanto que não se sente preparada para parar a psicoterapia, atualmente com uma frequência mensal. “Tive acompanhamento individual, fiz terapia de grupo e agora tenho novamente psicoterapia individual e sinto que continuo a precisar de acompanhamento, até porque no grupo terapêutico falava-se mais de questões académicas e agora estou a trabalhar coisas minhas.”

Ao contrário do que se possa pensar, o que está na génese dos problemas que levam os estudantes da FMUL – dos cursos de Medicina ou Nutrição – a procurar o Espaço S, não está necessariamente ligado ao curso. Muitos têm desafios de saúde mental que vêm de trás ou que têm que ver com os seus contextos pessoais e familiares.

“Há uma fatia, que não é a maior, que tem que ver com os desafios que um curso exigente como Medicina coloca a estudantes que sempre tiveram notas brilhantes e que aqui começam a ter algumas dificuldades de estudo, mas a maioria dos casos que nos chegam trazem já problemas familiares, de relacionamento, de integração, que agudizam com os desafios da faculdade”, diz a psicóloga clínica Joana Marafuz, que trabalha há um ano na equipa do Espaço S.

Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista aos psicólogos Rui Martins e Joana Marafuz, no espaço S do edifício Egas Moniz, do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 30 de Março de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“A maioria [dos alunos] traz problemas familiares, de relacionamento e integração, que agudizam com a exigência do curso em estudantes habituados a ter notas brilhantes”, diz a psicóloga Joana Marafuz

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A gravidade dos casos varia muito, os recursos são finitos e a procura é crescente, daí que seja necessário um processo de triagem, para estabelecer prioridades. É nessa consulta [de triagem] que a equipa avalia a sintomatologia e faz um teste que permite ter uma noção mais quantitativa da gravidade dos sintomas. “Isto permite-nos aferir com algum rigor se o caso é muito urgente e tem de passar à frente na lista de espera ou não”, diz a psicóloga. “Por exemplo, dado que temos muitos quadros depressivos, vamos perceber se há ideação suicida, que será um caso urgente a que temos de dar resposta imediata.”

Prevenção e tratamento

Joana Marafuz relaciona o aumento da procura do Espaço S com uma maior sensibilização para as questões de saúde mental durante a pandemia. “Aumentou a literacia nesta matéria, o que fez com que muitas pessoas começassem a identificar em si ou em amigos ou familiares critérios que têm significado clínico. Acontece-nos muito estudantes ou mesmo docentes que vêm ter connosco porque acham que têm um colega ou um aluno a precisar de ajuda.”

Por outro lado, considera, diminuiu o estigma associado aos problemas de saúde mental e mais facilmente as pessoas fazem este movimento de pedir ajuda, quer para si, quer para outros.

Perturbações de ansiedade e perturbações do humor, como a depressão, são o que leva mais estudantes a procurar o Espaço S. Mas também perturbações do comportamento alimentar, problemas de sono e dificuldade de gerir as exigências académicas e do dia a dia.

Rui Martins, psicólogo clínico do Espaço S desde setembro de 2107, quando esta resposta passou para a alçada do Gabinete de Apoio ao Estudante, acrescenta duas outras razões: o impacto que a pandemia teve na saúde mental de todos, estudantes de Medicina ainda mais, e a aposta que tem sido feita no espaço e na sua divulgação.

“Temos no Espaço S duas linhas de intervenção, uma clínica e uma preventiva. Na clínica, damos resposta aos jovens que estão a ter dificuldades, seja com a entrada na faculdade e a adaptação, que nem sempre é fácil, no caso dos primeiros anos, seja mais tarde, na gestão da frustração causada pela exigência do curso e pelos resultados académicos ou pelas expectativas que não correspondem exatamente à realidade. Depois, temos casos mais graves em que já há psicopatologia, sobretudo perturbações do humor, como a depressão, e perturbações da ansiedade”, explica.

Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista ao Presidente da Associação de estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, Duarte Tude Graça, e à Diretora do Gabinete de Apoio ao Estudante, Ana Rita Sobral. Também fotografias da biblioteca da FMUL, a fachada do edífício Egas Moniz e do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 6 de Abril de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Em Portugal, a percentagem de alunos de medicina que sentem a saúde mental fragilizada é superior à média internacional”, diz Duarte Graça, presidente da associação de estudantes

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O trabalho clínico é o que consome mais tempo e recursos, mas o trabalho de prevenção é para o psicólogo fundamental. “É muito mais fácil ajudar as pessoas antes de o quadro ser grave. A minha vida será menos abalada se eu ainda estiver apenas com dúvidas e for ajudado do que se já estiver a sofrer do ponto de vista psicológico. Por outro lado, a prevenção permite uma melhor gestão de recursos porque evita que muitos casos cheguem à clínica. Portanto, procuramos fazer ações de sensibilização relacionadas com literacia emocional, gestão das emoções, desenvolvimento de competências e temas específicos na área da saúde mental.”

Entre a prevenção e a clínica, estão os grupos terapêuticos, normalmente promovidos com um objetivo específico. O Espaço S já teve grupos para a ansiedade e neste momento tem um para estudantes deslocados, que se confrontam com dificuldades acrescidas – saudades da família, adaptação a uma nova realidade ou mesmo cultura e país, toda a gestão da casa e do que é viver sozinho pela primeira vez, longe dos pais.

“Sabemos que a transição para o meio universitário é um momento marcante e também sabemos que os estudantes de Medicina apresentam índices de ansiedade e depressão acima dos outros cursos”, diz Rui Martins. “E há aqui um dado que é interessante: os estudantes de Medicina apresentam valores de depressão mais baixos quando entram e os mais altos que vão experimentar acontecerão no segundo ano. Temos aqui esta janela – que no fundo tem que ver com o processo de adaptação – em que é importante intervir.”

“São alunos muito bons, até chegarem aqui seriam os melhores da sua turma, sempre com sucesso. Aqui é a primeira vez que alguns se deparam com o ‘fracasso’ (para eles) de não conseguirem passar a uma cadeira, de não conseguirem estudar ao ponto de se sentirem confiantes para ir a uma oral. Este medo do fracasso pode enraizar-se e surgem os problemas.”
Rui Martins, psicólogo do Espaço S

Para isto concorrem não só as elevadas expectativas que o curso de Medicina comporta, por vezes mesmo romantizadas – “o fascínio de ser médico, de salvar vidas” – que chocam com a exigência e o trabalho necessários para as concretizar, como as características da maioria dos estudantes que entra na FMUL.

“São alunos muito bons, até chegarem aqui seriam os melhores da sua turma, sempre com sucesso, embora alguns tenham passado pela frustração de não terem conseguido à primeira, e aqui é a primeira vez que alguns se deparam com o ‘fracasso’ (entre aspas) de não conseguirem passar a uma cadeira, de não conseguirem estudar ao ponto de se sentirem confiantes para ir a uma oral. Este medo do fracasso pode enraizar-se e surgem os problemas, mas se tiverem apoio conseguem dar a volta.”

“É uma estupidez pensar que resolvemos tudo sozinhos”

Isabel [nome fictício], agora no segundo ano do doutoramento em Medicina, recorreu ao Espaço S em 2022 e ficou em lista de espera. Mas sempre em contacto. “A resposta ao meu pedido foi muito rápida e até começar a ser seguida, quinzenalmente, mantiveram sempre o contacto para saber como estava”.

Reportagem sobre a Saúde Mental: Entrevista ao Presidente da Associação de estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, Duarte Tude Graça, e à Diretora do Gabinete de Apoio ao Estudante, Ana Rita Sobral. Também fotografias da biblioteca da FMUL, a fachada do edífício Egas Moniz e do Hospital Santa Maria, em Lisboa. 6 de Abril de 2023 Hospital Sta. Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A ideia de que os médicos devem ser resistentes é um entrave. Mas está a diminuir. Alguns estudantes ou professores procuram a equipa por acharem que um colega ou aluno precisa de ajuda

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Durante “demasiado” tempo, a jovem de 28 anos pensou que conseguia resolver todos os problemas sozinha, mas quando uma situação que a afetou particularmente começou a interferir com a sua capacidade de trabalho, gestão das emoções e sobretudo foco, a estudante de doutoramento percebeu que precisava de ajuda.

Sobretudo, necessitava de estratégias para lidar com o que não estava a conseguir. “Queria voltar a ser a Isabel que era antes, motivada, produtiva, focada. E surtiu efeito. Mas é um processo, que tem de ser contínuo e não só na situação aguda. Eu só procurei ajuda quando comecei a sentir ‘dor’, mas mesmo quando já nos sentimos bem, o acompanhamento é fundamental. É uma estupidez pensar que resolvemos isto sozinhos. É um recurso que temos ao dispor e temos de o usar.”

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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