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PEDRO PINA

PEDRO PINA

As estratégias, os erros e as surpresas. O que escondem os debates

Todos os candidatos estudam os prontos fracos dos adversários, adaptam o tom (mais ou menos duro) e preparam eventuais surpresas. Alguns, até simulam ataque e resposta. Mas nem sempre corre bem.

André Ventura não conseguia esconder alguma estupefação. À sua frente, Marcelo Rebelo de Sousa, que usou e abusou do fato presidencial para fintar perguntas incómodas e temas embaraçosos, disparava um gancho inesperado e fazia o que sempre prometeu não fazer: revelar conversas que manteve com um líder partidário em Belém. “Não admito que diga aqui que diz o que não diz em Belém. Em Belém usa outro tom”. E Ventura balançava nas cordas.

Foi a primeira vez em mais de 20 debates que o líder do Chega ficou nitidamente sem resposta. “Não estávamos a contar com aquela boca muito infeliz”, reconhece ao Observador fonte do núcleo duro do líder e candidato do Chega. Menos de 24 horas depois, num debate aceso com Marisa Matias, Ventura não esqueceu a bicada da véspera e disparou contra o Presidente-candidato, queixando-se da maldade de Marcelo. Mas o debate tinha passado — e a oportunidade também.

Muita preparação, capacidade de antecipação e de improviso. A chave para a vitória em qualquer frente a frente está na conjugação destes três fatores. O debate que juntou finalmente todos os sete candidatos, transmitido pela RTP, foi mais um momento desse ritual. E, mais uma vez, André Ventura foi surpreendido. Horas antes do debate a sete, em conversa com o Observador, uma fonte do núcleo duro do líder do Chega antecipava o que ia ser o confronto. “Este debate vai ter uma dinâmica completamente diferente. Prevemos que o grande acordo entre todos os candidatos será atacar André Ventura”. Não foi.

Habituado a interromper o adversário e a dominar o palco, André Ventura teve no seu maior adversário o modelo escolhido para o confronto. Ficou largos minutos em silêncio, enquanto a ronda pelos restantes seis candidatos era concluída. E, ao contrário do que aconteceu nos frente a frente em que participou (e noutros debates em que, não participando, foi o elefante no meio da sala), desta vez o Chega não foi o centro das atenções. Vinha preparado para uma luta feia e acabou num jogo de paciência. O plano falhara.

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Foto cedida pela SIC do debate televisivo entre os candidatos às Eleições Presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa (E) e André Ventura (D), moderado pela jornalista Clara de Sousa nos estúdios da SIC, Lisboa, 6 de janeiro de 2021. JOSÉ FERNANDES/SIC/LUSA

JOSÉ FERNANDES/SIC

Antecipar a dinâmica, não perder o foco

Um debate, qualquer debate, tem uma grande dose de imprevisibilidade. Um debate a sete, por maioria de razão, é ainda mais difícil de antecipar. Tiago Mayan Gonçalves, reconhecido de forma quase unânime como a surpresa desta ronda de debates, sabia-o e, por isso, preparou-o de forma diferente.

Na terça-feira, dia em que se realizou o debate a sete, era previsível que o tema de arranque fosse a pandemia e a reunião no Infarmed. A equipa de Mayan discutiu vários cenários e testou várias hipóteses, sendo uma delas a possibilidade de a primeira questão ser se os candidatos eram a favor ou contra o confinamento — um tema em que Mayan, bem como João Ferreira e André Ventura, tem uma posição diferente da maioria política e em que vinha a demonstrar dificuldades em dar exemplos de países que optaram por outras estratégias que não o confinamento.

Acertaram quase em cheio. O debate começou pelo adiamento ou não das eleições presidenciais e Mayan Gonçalves aproveitou rapidamente o tema para atacar o Governo pela falta de preparação de umas eleições há muito anunciadas. Mais do que ganhar pontos, não os perdeu junto do eleitorado potencial.

Havendo já algum cansaço acumulado fruto dos debates anteriores, foi preciso “descansar”, revendo somente alguns aspetos e definindo novas estratégias para expor a mensagem com mais candidatos em estúdio, comenta como Observador fonte da campanha. Para o último confronto, o trabalho foi menos intensivo, assume Mayan Gonçalves. “Como já tinha debatido com todos, os temas acabavam por já estar relativamente consolidados. A dificuldade era a gestão do tempo ser muito mais incerta num debate destas. A dinâmica de um debate com todos nunca é inteiramente previsível”. Essencialmente, “foi só limar um ou outro aspeto” estratégico.

Definir o tom, não perder o tom

Não é segredo, mas parte da preparação para qualquer debate é escolher o flanco a explorar consoante o adversário que se tem pela frente. No caso de Mayan Gonçalves, tem sido um trabalho de filigrana. Tudo começa na compilação de informação, explica fonte da candidatura ao Observador. “Há muita pesquisa, muito fact-checking. O que fazíamos era ver o que diziam outros candidatos sobre diferentes temas e tentávamos perceber qual a melhor maneira de os combater ideologicamente e politicamente. Criávamos blocos de documentação para conseguirmos resumir as nossas ideias em diferentes temas.”

Sem exceção, com maior ou menor sucesso, todos os candidatos tentaram fazê-lo. A ronda dos vários frente a frente teve esses momentos: Marisa Matias, quando tentou colar João Ferreira aos Orçamentos do Governo socialista e à falta de investimento na Saúde; João Ferreira, quando sugeriu que Marisa Matias e o Bloco de Esquerda tinham desistido do país; Ana Gomes, quando explorou a relação do PCP com a Europa ou quando sugeriu que o melhor era Marisa Matias desistir e juntar-se numa candidatura convergente à esquerda; ou Marcelo Rebelo de Sousa, quando, já depois de ouvir Ana Gomes falar em Ricardo Salgado, acusou Ana Gomes de se comportar como uma “comentadora” e de se tentar substituir aos tribunais a propósito do caso Rui Pinto.

Toda a preparação teórica, toda a estratégia, pode ruir se o tom falhar. Que o diga Marisa Matias. A candidata do Bloco de Esquerda vinha de três debates (Marcelo, Ana Gomes e Vitorino Silva) em que esteve particularmente apagada quando decidiu mudar o jogo e tentar derrotar André Ventura no campo do líder do Chega. Levou casos, abusou dos qualificativos pessoais (“vigarista”, “racista”, “cobarde”) e acabou a dançar no “lamaçal” (palavras da própria) com Ventura.

É verdade que manteve sempre a preocupação em denunciar as alegadas incoerências programáticas de Ventura na Saúde e na Educação, por exemplo. E é verdade que o plano levado para o debate pode ter valido votos junto de parte do seu eleitorado mais fiel. Mas, reconhecidamente, a estratégia falhou — e falhou porque o tom não condizia com a imagem que o eleitorado tem de Marisa Matias: há cinco anos, a grande força da bloquista residiu na consolidação da imagem de moderação, capital político que arriscou no debate com Ventura.

João Ferreira, o primeiro à esquerda a debater com Ventura, enfrentou o mesmo problema e acabou num concurso de gritaria com o candidato do Chega. Ana Gomes acertou o tom e, sem perder o registo duro –, conseguiu manter o debate num campo que não era inteiramente confortável a Ventura. De resto, raramente olhou para o líder do Chega e fez sempre do moderador o seu principal e único interlocutor.

Nos debates à direita, com Marcelo Rebelo de Sousa e com Tiago Mayan Gonçalves, o líder do Chega sentiu maiores dificuldades. “Para nós foi mais fácil preparar os debates à esquerda, ainda que tenham sido mais agressivos do que esperávamos. A nós não nos interessa atacar o Tino de Rans ou o Mayan, que tem um eleitorado muito fidelizado”, assume ao Observador fonte da candidatura de Ventura.

A reação dos adversários alimenta, e muito, a prestação do líder do Chega. “Nós íamos puxar pelos insultos que a Marisa Matias já tinha feito em entrevistas anteriores. Mas quando a vimos a puxar desses argumentos, esfregámos as mãos e sentimos que ela ia perder o debate aí”, reconhece a mesma fonte.

Antes de cada debate, a equipa de Ventura — “quatro ou cinco pessoas” — trabalhava uma série de temas que lhes eram adjudicados mediante a sensibilidade e do domínio técnico de cada um. Havia depois uma reunião presencial em que se discutiam os melhores argumentos e faziam uma seleção final. O resto ficava nas mãos de Ventura. Apesar da forte influência de Diogo Pacheco Amorim, que ajudou Manuel Monteiro a fundar o já extinto Nova Democracia, Ventura não simula ataques e contra-ataques — como fazia Manuel Monteiro, por exemplo. “O grande ponto forte dele é a capacidade de improviso. Não decora, nem escreve discursos. Só vai mantendo os tópicos sempre presentes”, diz.

Foto cedida pela RTP do debate televisivo entre os candidatos às Eleições Presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa (E) e Tiago Mayan (D), moderado pelo jornalista Carlos Daniel nos estúdios da RTP, Lisboa, 3 de janeiro de 2021. PEDRO PINA/RTP/LUSA

PEDRO PINA/RTP

Mayan é ligeiramente diferente. Na preparação de cada um dos confrontos, era feita uma simulação dos argumentos do opositor e do rumo que o debate poderia tomar. Essa simulação já tinha aliás começado na preparação de entrevistas a meios de comunicação que antecederam os debates, conta fonte da campanha. Antes das entrevistas, o candidato e a sua equipa simulavam o que iria acontecer, tentando “adivinhar as perguntas do jornalista” — das mais simples às “mais complicadas” — e preparando Tiago Mayan Gonçalves para elas. “Nos debates fizemos a mesma coisa. Havia uma pessoa a fazer de Marcelo Rebelo de Sousa, de Ana Gomes…”.

Para os duelos televisivos não se simulavam apenas os argumentos que os oponentes poderiam usar. A candidatura tentava também colocar-se na posição do moderador do debate, prevendo como poderia este começar, que perguntas poderia fazer logo a abrir.

“Fui fazendo a minha arrumação de ideias, a minha ponderação de como deviam estar sistematizadas. Acabava por ser um documento feito um pouco em blocos de temas”, conta o próprio ao Observador. “Era um instrumento prático para arrumar as ideias na minha mente. Acabava por ser quase uma cábula, mas depois raramente olhava para ela. A própria criação dessa folha é que já ajudava à arrumação das ideias em termos mentais”, explica.

Foto cedida pela RTP do debate televisivo entre os candidatos às Eleições Presidenciais, João Ferreira (E) e Ana Gomes (D), moderado pelo jornalista Carlos Daniel nos estúdios da RTP, Lisboa, 5 de janeiro de 2021. PEDRO PINA/RTP/LUSA

PEDRO PINA/RTP

Escolher o soundbyte, não largar o soundbyte

A arrumação de ideias só terá consequência prática se essas ideias forem bem vendidas. Que o diga João Ferreira: o candidato apoiado pelo PCP esforçou-se ao longo de todos os debates por sublinhar a importância de defender a Constituição da República e denunciar aquilo que acredita serem as falhas dos adversários nesse capítulo.

A poucas horas de entrar no debate a sete, de terça-feira, fonte oficial da campanha dizia ao Observador que João Ferreira estava a fazer o que faz sempre nestas circunstâncias: “A preparar o debate em casa, a partir da verificação dos problemas do País, das soluções necessárias e do contributo que o Presidente da República pode e deve dar para as concretizar na vida dos portugueses, no quadro das suas competências. Um elemento incontornável à preparação deste como de qualquer debate é, entre outros, a própria Constituição da República Portuguesa, pelo seu conteúdo e carácter avançado e progressista”. Faria dessa defesa a pedra de toque da sua intervenção nesse confronto, tal como fizera antes.

Uma das críticas que muitos analistas fizeram aos desempenhos de Mayan Gonçalves foi a repetição exaustiva de soundbytes. Fazia, na verdade, parte do plano. Para cada debate, Tiago Mayan Gonçalves levou uma premissa: e se a energia no estúdio faltasse, o que é que era decisivo que não tivesse ficado por dizer? Independentemente das perguntas, para diferentes temas existiam “sempre três ou quatro frases, algumas ideias-chave”, que não poderiam faltar. “Depois disso, havendo tempo, se a luz se mantiver, explicávamos, aprofundávamos, discutíamos mais temas. Mas em todos os debates tínhamos duas ou três ideias-chave que sabíamos que íamos mesmo ter de passar”, explica fonte da campanha.

Os candidatos às eleições presidencias de 2021,  Ana Gomes (E) e André Ventura (D), pouco antes do início do debate televisivo moderado pelo jornalista Pedro Moutinho,  nos estúdios da TVI, Queluz de Baixo, 08 de janeiro  de 2021. Sete candidatos viram as suas candidaturas serem validadas pelo Tribunal Constitucional às eleições para a Presidência da República, que se realizam no próximo dia 24 de janeiro. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Adaptar, adaptar, adaptar

Ainda assim, um debate — a dois ou a sete — não vive apenas da prestação individual. Em grande medida, é um jogo de espelhos. Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, só despiu o fato presidencial em dois momentos: no frente a frente com André Ventura e no embate contra Ana Gomes, os seus maiores adversários. Nos frente a frente com João Ferreira e Marisa Matias em muitos momentos poupou os adversários e parecia até estar a tentar seduzir o eleitorado do Bloco de Esquerda e do PCP.

Ana Gomes, que tenta nestas eleições ser a grande força agregadora da esquerda, não teve grande pudor em criticar pontos essenciais das candidaturas de Marisa Matias e de João Ferreira. Sem grande acutilância, ainda assim. Mas, em especial no caso de Marisa Matias, foram jogadas certeiras: ainda a bloquista estava a dizer que era mais o que a unia a Ana Gomes do que efetivamente separava, e já a socialista enumerava todas as diferenças entre as duas. Marisa Matias raramente pareceu confortável.

Foto cedida pela SIC do debate televisivo com os candidatos às Eleições Presidenciais, Marisa Matias e André Ventura (ausente na foto), moderado pela jornalista, Clara de Sousa, nos estúdios da SIC, Lisboa, 7 de janeiro de 2021. JOSÉ FERNANDES/SIC/LUSA

JOSÉ FERNANDES/SIC

No frente a frente com Tiago Mayan Gonçalves — e depois no debate a sete –, a embaixadora não deixava de dar umas risadas baixinhas sempre que o candidato da IL fazia a defesa da agenda liberal do partido para a Saúde, por exemplo. Intencionais ou não, para um candidato com a falta de experiência política e mediática como Mayan, serão certamente desconcertantes.

Quando mediu forças com André Ventura não escondeu o repúdio perante as referências a Paulo Pedroso. Mas não evitou puxar do trunfo Ricardo Salgado quando enfrentou Marcelo Rebelo de Sousa. E quando ouviu uma resposta semelhante à que a própria Ana Gomes tinha dado a André Ventura na véspera (“Eu sou mãe, sou avó de sete netos, e repudio totalmente qualquer tentativa de insinuação deste senhor” vs. “Não sei se percebe o quão ofensivo é o que disse. Nunca diria de se o que disse de mim”), a socialista ficou sem chão e não voltou ao tema. Não se adaptou a um Marcelo especialmente incisivo.

Com maiores ou menores dificuldades, todos se adaptaram ao estilo de André Ventura — incluindo os moderadores que conduzem os debates. Ao longo dos frente a frente, já poucas vezes permitiram ao líder do Chega assumisse o controlo do conteúdo e do registo do debate. Mas a imprevisibilidade e o domínio técnico da comunicação por parte de Ventura obriga a uma capacidade de adaptação constante. Na próxima segunda-feira, dia 18 de janeiro, há novo debate a sete, desta vez transmitido pelas rádios. Existirão mais surpresas?

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