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Carl Hess: "Sistemas de pensões são insolventes e governos têm empurrado problema com a barriga. Mas, no final do dia, alguém tem de pagar"

Sejam pensionistas, trabalhadores ou obrigacionistas, alguém terá de "pagar" desequilíbrios do sistema de pensões. Líder da WTW defende, em entrevista, papel das empresas na reforma dos funcionários.

Carl Hess não tem grandes dúvidas de que, com o envelhecimento da população, os sistemas de pensões — como o dos EUA, de onde é natural, e o de Portugal — vão ficar “insolventes”. O presidente da WTW, empresa de consultoria e análise de risco, acredita que os desequilíbrios dos sistemas obrigam a decisões pouco populares, que não dão votos, daí que os governos — numa lista que, mais uma vez, inclui o norte-americano e o português — estejam a “empurrar o problema com a barriga”.

O tema promete vir a gerar uma onda de discussão quando, por alturas do verão, a comissão nomeada pelo Governo para estudar formas de diversificar o financiamento do sistema de pensões vier a apresentar conclusões e vias para mitigar o problema. “No final do dia, alguém tem de pagar” os desequilíbrios do sistema, “quer sejam os pensionistas, os trabalhadores, os obrigacionistas ou os acionistas”, argumenta Hess, que antes de ser CEO da WTW foi consultor para a área das reformas na mesma empresa e estudou o sistema de pensões público dos EUA — concluindo, em 2012, que está “em apuros”. O líder da WTW defende um sistema tripartido, em que empresas, trabalhadores e o Estado têm um papel a desempenhar para garantir pensões dignas.

Em entrevista ao Observador, Carl Hess e Nuno Arruda, o líder da WTW em Portugal, falam ainda sobre as perspetivas de contratação e aumentos salariais para este ano, que deverão estar já abaixo do que as empresas antecipavam há poucos meses, no final de 2022. O aumento das taxas de juro — que Carl Hess acredita estar a ser mais duro do que era preciso — e os fantasmas de recessão que se passeiam no horizonte ajudam a explicar esse pessimismo.

“As empresas, as pessoas e as famílias estavam mais otimistas no último trimestre do ano passado do que estão agora. Porque liam notícias sobre a subida das taxas de juro, mas não estavam a senti-lo necessariamente na altura. Agora estão a senti-lo no dia a dia”, diz Nuno Arruda. Carl Hess vai no mesmo sentido: “As subidas massivas das taxas de juro pelos bancos centrais podem tornar esta [crise] mais severa do que, francamente, tem de ser. Como resultado, as empresas estão bastante cautelosas em contratar num ambiente tão incerto”.

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Ainda temos em Portugal um nível de inflação muito elevado, embora esteja a abrandar. Como é que as empresas estão a tentar compensar os trabalhadores pelas perdas de poder de compra?
Carl Hess (CH): É um problema que enfrentam quase todos os países. Fazemos negócio diretamente com 100 países e é o tipo de coisa com que, enquanto empregador, também nos temos deparado. Como consultores, estamos a ajudar os nossos clientes nesta matéria. Parte da questão é motivada pelas necessidades dos trabalhadores e outra parte pela capacidade das empresas. A inflação afeta as receitas de forma irregular em muitos setores, portanto, há uma tensão em muitas empresas entre a manutenção dos lucros e o que podem dar aos trabalhadores. Temos visto empresas adotarem uma série de iniciativas. Estão a direcioná-las aos quartis de salários mais baixos, que têm menor capacidade para lidar com a inflação.

Portanto a compensar mais os que ganham menos?
CH: Sim, direcionando mais o aumento dos salários.

Mas estamos a falar de apoios financeiros extraordinários ou aumentos salariais efetivos?
CH: Varia de empresa para empresa. O nosso inquérito [mais recente] indica uma média de 4% [de aumento salarial] por parte dos empregadores portugueses. Acredito que esse número se tenha alterado nos últimos tempos [para um valor inferior].

Quando foi a última vez que fizeram o inquérito?
Nuno Arruda (NA): No último trimestre de 2022. Essa projeção de aumentos salariais era para 2023. Se fizéssemos o inquérito agora, e vamos fazê-lo dentro de algumas semanas, imagino que seria menos, porque na altura as projeções da inflação eram maiores do que hoje. Estamos a ver um abrandamento da inflação sobretudo por causa dos custos de energia.

CH: E há ainda a potencial recessão em cima da mesa, que grande parte dos países desenvolvidos estão a enfrentar.

Portanto, as empresas agora, no início deste ano, estarão mais cautelosas sobre esse tipo de decisões financeiras?
NA: Sem dúvida. Acho que as empresas estão entre a espada e a parede. Têm de procurar uma compensação numa perspetiva mais global. Claro que o trabalhador pensa: preciso de dinheiro no meu bolso. Mas as empresas não têm essa capacidade. As empresas, e os diretores de recursos humanos, estão cada vez mais a pensar na compensação como um todo. Porque também as necessidades dos trabalhadores têm mudado com o tempo. Agora, há outras aspetos não tangíveis da compensação que têm impacto.

Pode dar um exemplo?
NA: Falemos de flexibilidade, por exemplo. É um tipo de pagamento, até certo ponto. E benefícios, fundos de pensões, todas essas coisas são formas de compensação diversas. Mesmo de um ponto de vista económico, se o salário aumenta ao nível da inflação, não vai combater a inflação. Mas há um conjunto de decisões que as empresas e os departamentos de recursos humanos precisam de tomar e não é fácil.

"A tentação tem sido, para muitos governos — os EUA estão certamente entre eles e Portugal também —, empurrar o problema com a barriga. Em Portugal, existe a lógica de “pay as you go" dos orçamentos atuais, que têm um desequilíbrio conhecido, especialmente dada a demografia dos países, que estão a envelhecer."
Carl Hess, presidente da WTW

A que outros benefícios de flexibilidade se está a referir? Em Portugal tem-se falado muito na semana de quatro dias, é uma das vias?
NA: Em Portugal há pilotos a acontecer, mas não acho — e isto é a minha visão pessoal — que vá acontecer da noite para o dia. Se recuarmos até à Revolução Industrial, as pessoas trabalhavam seis dias por semana. As coisas vão provavelmente mudar, mas olhe para os níveis de mudança a que assistimos nos últimos dois ou três anos. Quando pergunta como é que a compensação está a mudar: estão a ser oferecidos, por exemplo benefícios flexíveis. Essa é uma grande tendência porque acho que as empresas se estão a aperceber de que cada um tem necessidades diferentes, dependendo da altura da vida em que está, o que faz, quem é.

CH: E mensalidades no ginásio, ou apoio para creches, para cuidados aos mais idosos, para adotar. São respostas mais à medida. Claro que tudo isto cria complicações do ponto de vista da gestão.

Mas no que toca à resposta aos efeitos da inflação nos trabalhadores, o que tem sido oferecido são apoios isolados ou estamos mesmo a falar de aumentos salariais?
NA: Acho que em Portugal, apesar de termos visto muitas notícias sobre empresas que estão a dar valores isolados, não estamos a ver isso como uma prática generalizada. Acontece, e as empresas que o fazem publicitam-no, mas não é uma prática generalizada.

“Subidas massivas das taxas de juro podem tornar esta crise mais severa do que tem de ser”

O último inquérito falava, então, em aumentos salariais de 4% previstos para 2023…
NA: E varia de setor para setor. Há setores que precisam de trabalhadores, onde há escassez de talento. Aí vemos uma maior intenção de aumentar salários. Por exemplo, no setor tecnológico ou até no setor do lazer, onde há falta de recursos. No passado, as compensações eram preto no branco: havia um salário e depois a questão da sazonalidade. E agora vemos mais cadeias de hotéis a dar benefícios flexíveis aos trabalhadores, a tentar atrair os trabalhadores.

Durante todo o ano e não apenas na época alta?
NA: Exatamente. Por isso, depende muito. Esta é uma média, há realidades distintas por setor. Vamos fazer um inquérito e depois teremos mais números. Tendo em conta o que vimos no ambiente macroeconómico no último trimestre de 2022 e o que estamos a ver agora, acho que provavelmente — e é uma opinião —, [as perspetivas de contratação] serão menos ambiciosas.

CH: Globalmente, no setor financeiro, que está a contrair, é onde poderemos ver aumentos salariais, mas pagos a menos pessoas. No setor tecnológico também. Não é um fenómeno português, mas generalizado. Claramente que as empresas mais sensíveis à recessão procuram moderar os custos.

Isso aplica-se também às contratações?
CH: Sim, sem dúvida. Aumentos salariais e contratações são parte do mesmo orçamento.

Quais as perspetivas de contratação este ano?
CH: Achamos que as probabilidades de uma recessão global continuam a aumentar, conjugado com os esforços de contenção que temos visto. As subidas massivas das taxas de juro pelos bancos centrais podem tornar esta [crise] mais severa do que, francamente, tem de ser. Como resultado, as empresas estão bastante cautelosas em contratar num ambiente tão incerto.

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Os bancos centrais estão a ir além do que é necessário?
CH: Os bancos centrais estão a “apertar” muito dramaticamente. E ao mesmo tempo os consumidores estão a gastar poupanças a um ritmo muito rápido. Em poucos meses essas poupanças vão desaparecer. Quando isso acontecer, a inflação deverá abrandar do lado da procura. Se o conjugarmos com o aumento das taxas que temos visto e continuaremos a ver, isso poderá levar a uma recessão mais severa. Pode ser muito em pouco tempo.

Por isso é que dizem que se o vosso inquérito do final de 2022 tivesse sido feito hoje as conclusões seriam diferentes?
NA: Quando fizemos o inquérito, havia uma visão otimista em relação ao futuro. Um quarto das empresas disseram que queriam contratar no próximo ano. Foi só há quatro meses. Não tenho a certeza se fosse hoje qual seria a resposta. As flutuações têm sido muito drásticas em termos de inflação e taxas de juro. O impacto que as famílias estão a ter no primeiro trimestre deste ano com as taxas de juro é tremendo. As despesas vão diminuir, o consumo vai cair, acho que é inevitável. Não sabemos se haverá recessão ou não, é difícil dizer.

"O impacto que as famílias estão a ter no primeiro trimestre deste ano com as taxas de juro é tremendo. As despesas vão diminuir, o consumo vai cair, acho que é inevitável. Não sabemos se haverá recessão ou não, é difícil dizer."
Nuno Arruda, presidente da WTW Portugal

É a pergunta a que todos tentam responder.
NA: Acho que as empresas, as pessoas e as famílias estavam mais otimistas no último trimestre do ano passado do que estão agora. Porque liam notícias de que as taxas de juro iam subir, mas não estavam a senti-lo necessariamente na altura. Agora estão a senti-lo no dia a dia. E isto está relacionado com um problema que temos em Portugal, e que é algo que temos tentado trabalhar: a literacia financeira. Perceber o impacto que fatores externos têm na nossa vida. Acho que em Portugal nos falta muito isso. Perceber os efeitos do aumento em um ponto percentual da taxa de juro no meu orçamento. Como posso proteger os meus rendimentos, se alguma coisa me acontecer. Não temos essa literacia financeira e não temos consciência do risco em geral, como país, embora sejamos pessimistas. Isso é um problema. E nós, como empresa, temos uma responsabilidade de fazer chegar isso às pessoas. Estamos a desenvolver ferramentas para o bem-estar financeiro para que as pessoas percebam qual será o impacto. É o mesmo com a reforma. Em Portugal pensamos sempre: o Estado vai tomar conta de mim quando for velho, vou ter a minha pensão.

Mas mesmo essa convicção de que vão ter uma pensão não é tão certa assim, sobretudo nos mais jovens.
NA: Sim, as pessoas estão preocupadas com isso, mas o facto é que é um paradoxo. Porque estamos preocupados, mas não fazemos nada em relação a isso.

“Ponto de viragem na poupança para a reforma é tipicamente aos 40 anos”

Os salários em Portugal são baixos, muitas pessoas não têm como poupar para a reforma todos os meses.
NA: Sim, mas acho que é aí que as empresas têm um enorme papel para assumir.

E estão a fazê-lo?
NA: Acho que estão a fazê-lo mais do que antes. Depende. No passado, apenas as multinacionais tinham fundos de pensões. Agora, até por causa da escassez de talento e porque estão a tentar atrair pessoas, acho que estamos a ver mais e mais. Mas acho que longe do que é preciso, até de um ponto de vista social. As empresas precisam de melhorar a sua responsabilidade social.

CH: E há técnicas que temos visto que resultam muito bem noutros países. Talvez não num período de elevada inflação, mas se estiver a desviar uma percentagem do salário para poupanças, pensão neste caso, é muito gradual. Portanto, definir que 1/4 do aumento salarial do próximo ano vai para um fundo de pensão, mais 1/4 nos anos seguintes. A certa altura, tem de aumentar essa percentagem para um nível sustentável de poupanças sem que isso seja tão doloroso quanto cortar o salário em 10% para o colocar num fundo de pensão. Chamamos-lhe “inscrição automática”, em que aumentamos continuamente o montante que é transferido para o fundo com o tempo. Mas é financiado através do crescimento dos salários e não dos salários em si. É a ideia de que o consumo futuro dói menos do que o consumo atual.

NA: Uma coisa que vemos nalgumas empresas é uma tentativa de tentar igualar o que o trabalhador voluntariamente contribui. Se disser que quero poupar 2% para o meu fundo de pensão, a empresa diz que o iguala. É uma tentativa de impulsionar, de incentivar [nudge]. E é importante que as empresas o façam. Desenvolvemos vários simuladores que apontam o que precisamos de poupar para termos, por exemplo, um rendimento de 70% do salário atual quando nos reformamos. Os números são impressionantes, mas são menos impressionantes se começarmos cedo.

Com que idade é que as pessoas tendem a começar a pensar em poupar para a reforma?
CH: Temos alguns inquéritos sobre o assunto. Para um trabalhador de 25 anos a questão não é prioritária. Mas para o de 55 anos já é. O ponto de viragem em muitos países é tipicamente pelos 40 anos, em que os filhos estão lá, e são caros. E em que a reforma não está assim tão longe. É muito compreensível que o trabalhador mais novo não pense tanto nisso. Tem de poupar para uma casa, tem filhos…

Os salários são mais baixos.
CH: Sim. Mas há um ponto de viragem onde de repente se prioriza poupar para a reforma.

Mas em tempos de crise essa questão torna-se mais ou menos prioritária para as pessoas? O ciclo económico influencia se estão mais ou menos dispostas a poupar para um fundo de pensões?
CH: O que sabemos é, claro, que quando os ativos caem, se se pensa em reforma, o fundo de pensões está em baixo. O trabalhador vai atrasar a pensão e continuar a trabalhar. Isso pode ser um problema para o empregador porque o trabalhador pode não ser tão produtivo. Chamamos a isso “quiet retirement” [reforma silenciosa, numa tradução livre]. É quase como o “quiet quitting” [demissão silenciosa], mas as motivações são diferentes. As pessoas querem trabalhar, mas não o conseguem fazer de forma tão produtiva. Podem estar dispostos a fazê-lo, mas não são capazes. Isso é mais fácil de ver num trabalho exigente fisicamente, claro. O corpo deteriora-se. Mas também acontece em trabalho de secretária, em que o foco piora. Há fatores que vão fazer com que uma percentagem de trabalhadores mais velhos sejam menos produtivos.

O que é que as empresas em Portugal estão à procura nos planos de reforma, que soluções estão a oferecer?
NA: Em Portugal, a maioria dos planos de pensões eram de benefício definido, em que quando chegam a uma idade recebem x. A realidade atual é a constituição de planos de contribuição definida em que se define o que se contribui para o plano. Temos visto nos últimos anos, um crescimento do PPR [plano poupança reforma]. Na verdade, também é uma boa forma para as empresas recompensaram numa base ad hoc. Um ano, dois anos depois, pode-se retirar o dinheiro sem grandes complicações e é uma forma de não se ser obrigado a contribuir todos os anos. Quanto aos comuns planos de contribuição definida, podem ter muitos desenhos diferentes, dependendo de quanto cada parte contribuir. A matching contribution é uma tendência, mas penso que ainda estamos muito longe de onde, como país, deveríamos estar. Deveríamos estar a olhar com mais atenção para o que vai acontecer a estas gerações: à minha, à sua, quando nos reformarmos. Porque pode ser um problema social, de que não creio que estejamos cientes. Parece muito distante, mas não é assim tanto. Suponho que se perguntar às pessoas na rua se acham que a Segurança Social vai ser capaz de lhes pagar a reforma, vão dizer que não. E nada está a ser feito.

“Cortar pensões para preservar o sistema tem zero viabilidade política. Porque os pensionistas votam”

Há uma comissão agora a estudar formas de melhorar o financiamento do sistema de pensões. Vão apresentar conclusões no verão. Acha que este tipo de plano deve ser o foco do processo de decisão, incentivos para estes planos? Ou ter um regime complementar? O que poderia ajudar o sistema?
CH: Acho que, antes de mais, deve haver um reconhecimento de que há três pilares para a segurança: o pilar pessoal, o empregador e o público. Todos os três têm um papel a desempenhar. Estamos a discutir de quem é a responsabilidade e qual o financiamento apropriado. A tentação tem sido, para muitos governos — os EUA estão certamente entre eles e Portugal também —, empurrar o problema com a barriga. Em Portugal, existe a lógica de “pay as you go” [de repartição, em que as pensões são pagas com as contribuições de quem está no ativo] dos orçamentos atuais, que têm um desequilíbrio conhecido, especialmente dada a demografia dos países, que estão a envelhecer. Do ponto de vista de qualquer avaliação privada, todos os sistemas são insolventes.

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Não são sustentáveis.
CH: Exatamente. Mas a solução é política. Porque envolve contrapartidas [trade-offs] que têm consequências para os atores políticos. Um corte das pensões a pagamento para preservar a sustentabilidade do sistema… não sei como seria em Portugal, mas nos EUA os mais idosos votam. Este tipo de solução tem zero viabilidade política.

Não é uma opção popular…
CH: Para que isto funcione, é preciso fazer algumas coisas. Ou se corta os benefícios [pensões] a pagamento e/ou os futuros, que ainda não começaram a ser pagos. Pode aumentar o financiamento, o que é difícil porque, mais uma vez, seria através de impostos vindos de pessoas que votam. Ou então tem de se esperar por uma árvore mágica das patacas [risos]. Há formas. Por exemplo, se se eliminar a indexação das pensões à inflação, depois inflaciona a economia, e desvaloriza as pensões.

Atualmente, a atualização das pensões em Portugal depende da inflação e do crescimento económico. Defende que isso deve acabar?
CH: Tudo o que estou a dizer são opções, ferramentas que existem, mas no final do dia alguém tem de pagar, quer sejam os pensionistas, os trabalhadores, os obrigacionistas ou os acionistas. Tem de ser alguém. É isso que faz desta uma questão política.

NA: Trata-se de tomar decisões difíceis de que os políticos em geral não gostam, porque tem custos. E há outra discussão em Portugal. Pagamos tanto em Segurança Social. Pode alguma parte ser usada por cada um de nós para investir na nossa própria reforma? Pode ser uma solução? Neste momento, o trabalhador dá 11% ao Estado e a empresa 23,75% para gerir e devolver quando o trabalhador se reformar. Mas não sabe se o vai obter. Acho que todos precisamos de tomar decisões difíceis se queremos terminar a nossa vida de forma razoável.

Como é que os governos podem incentivar as empresas a oferecer planos de pensões?
CH: O incentivo mais normal são incentivos fiscais, se as contribuições para os fundos de pensões pelas empresas forem dedutíveis como custo para a empresa.

Quando pensa num bom sistema de Segurança Social no mundo pensa em qual?
CH: O melhor classificado é o australiano. A Austrália é um sistema de contribuição definida. Há uma contribuição mínima, julgo que de 9%, dos salários, que é enviada para a entidade gestora escolhida pelo empregador. Muitas vezes, grande parte dos empregadores também têm de fazer algum tipo de contribuição. E depois os trabalhadores também contribuem. É uma abordagem tripartida. É contribuição definida, para que não haja uma acumulação de passivos para nenhuma parte. E, por definição, é fixada a um nível suficientemente elevado para financiar uma reforma decente. Alguém tem de estar a poupar dinheiro suficiente por um período de tempo suficientemente longo para acumular o suficiente para que uma pessoa se possa reforma. Não importa se é o Estado, o trabalhador ou a empresa.

"Se aumentar o custo de contratar um trabalhador, 15% por exemplo, através de mudanças legislativas, isso mudará não só a minha atitude em relação à contratação, mas a de todos. E se aumentar e descer, aumentar e descer, não farei ideia do que fazer."
Carl Hess, presidente da WTW

Em Portugal o salário mínimo é de 760 euros. Como é possível convencer as pessoas de que devem pensar já na reforma?
CH: Há uma forma de o fazer e não estou a defendê-lo. Aumentem o salário mínimo para 850 euros, dos quais 90 euros vão para um fundo. Mas isso poderia ser inflacionário, o que poderia desvalorizar o fundo de pensões. As soluções não são tão simples quanto apresentadas.

NA: Raramente os problemas se resolvem atirando dinheiro para cima deles, porque por vezes isso cria outros problemas. Tem a ver com educação, política, responsabilidade social e corporativa.

Os parceiros sociais e o Governo assinaram um acordo de rendimentos e competitividade que compromete as empresas a aumentar os salários em 5,1% em troca de incentivos fiscais. Este tipo de acordos é bom para a economia, funcionam para as empresas numa altura tão incerta?
CH: A questão é essa, a natureza da promessa que está a ser feita, e se as empresas vão conseguir cumpri-la. Vimos isto também durante a Covid, em que o apoio dos governos às empresas para evitar o desemprego estava dependente da manutenção dos vínculos. Funciona até deixar de funcionar. Há algum nível mínimo de atividade económica necessária para manter as empresas viáveis. Vimos este tipo de acordos noutros países, na Europa. Se houver um forte consenso social à volta deles, funciona durante um período de tempo. No entanto, afeta a competitividade nacional. Nos valores que está a referir, no período de um ano, não seria nenhum efeito permanente, mas estes acordos salariais rígidos vão levar a uma perda de competitividade com o tempo. É algo a ter em conta. Portugal tem vantagens tremendas no que toca à força de trabalho.

Mas porque reduz a competitividade? Com melhores salários podem conseguir atrair trabalhadores mais qualificados.
CH: Percebo, mas se aumenta o custo de produção de bens, que podem ser produzidos noutro país, algumas empresa vão optar por produzi-los noutro sítio. Não é tanto uma questão para o setor dos serviços — por exemplo, o fornecimento de cuidados de saúde não se vai mudar para outro país.

Um fenómeno que está a crescer em Portugal é que temos trabalhadores a viver e trabalhar cá para empresas no estrangeiro, que pagam muito mais. Nessa perspetiva, o problema não pode piorar se os salários não subirem a um nível considerável?
CH: Referia-me à indústria, em que o custo de bens vai determinar a competitividade. No setor tecnológico a mão de obra é muito móvel, não acho que veríamos o mesmo efeito. Em primeiro lugar, há uma grande dispersão dos salários no setor tecnológico, as empresas procuram os melhores dos melhores para salários elevados. As margens são muito elevadas nesse setor.

Nesse setor também vimos o fenómeno da “Great Resignation” [a grande demissão, em tradução livre] durante a pandemia. Alguns estudos agora dizem que as pessoas estão a arrepender-se dessa decisão. E vemos que as tecnológicas estão a dispensar muitos trabalhadores. Porque acha que isso está a acontecer?
CH: Porque contrataram muitos trabalhadores. Contrataram muito e muito rapidamente. É uma correção natural da economia.

E é temporário?
CH: O setor tecnológico é cíclico. Teve muita atividade pró-cíclica na última década e o futuro ainda é tecnológico. Mas se olharmos para quem são os líderes das tecnológicas de hoje, comparando com quem eram há 10 anos, há muitos nomes novos. Extrapolar o que aconteceu nos últimos 10 anos para antecipar o que vai acontecer nos próximos 10 anos é um jogo muito perigoso para as tecnológicas.

“Mudança constante na lei laboral tem custos e é confusa para os negócios”

Queria abordar ainda as recentes alterações à lei laboral. O novo pacote legislativo representa a 23.ª alteração no Código do Trabalho em 20 anos, basicamente uma por ano. Algumas mudanças são o aumento das compensações por despedimento ou a redução do número de renovações dos contratos temporários. Que tipo de sinais é que estas alterações constantes dão ao mercado e às empresas?
CH: Sem conhecer as alterações, como empregador, posso falar sobre essa questão [das alterações constantes]. Aquilo que procuramos é condições económicas estáveis. Queremos apoiar as comunidades com as quais trabalhamos, queremos um sistema salarial que ajude as pessoas a ter um salário decente. Se apoiar toda a gente, isso significa que vamos ser um empregador competitivo, o que é ótimo. A estabilidade é igualmente importante. Os nossos clientes iriam agradecer um ambiente estável. É importante que as mudanças apoiem os trabalhadores, são pessoas, são o que fazem as nossas empresas funcionar. Mas as mudanças têm custos. E a mudança constante é confusa para os negócios.

É um sinal negativo para o investimento?
CH: Não ajuda, mas também os concorrentes não estão a fazer um trabalho fabuloso nesse campo. Acho que Portugal não é dos piores. Se aumentar o custo de contratar um trabalhador, 15% por exemplo, através de mudanças legislativas, isso mudará não só a minha atitude em relação à contratação, mas a de todos. E se aumentar e descer, aumentar e descer, não farei ideia do que fazer.

"O que estamos a ver são diferentes abordagens. Em vez de virem para o escritório às 8 da manhã, quando há muito trânsito, se calhar trabalhamos a partir de casa de manhã e vimos à hora de almoço. É uma visão. É uma questão de adaptação e temos de nos adaptar enquanto empresa."
Nuno Arruda, presidente da WTW Portugal

Em relação ao teletrabalho, que se tornou uma tendência com a pandemia: muitas pessoas querem, mas outras preferem voltar para o escritório. O teletrabalho está mesmo para ficar ou não é tão bom quanto empresas e trabalhadores pensavam?
CH: A resposta é: um pouco dos dois. O teletrabalho tem algumas vantagens. Por exemplo, eu demorava 15 minutos a ir para o trabalho. Vivo em Nova Iorque e tinha colegas que demoravam uma hora. Ir para o escritório todos os dias tira-lhes tempo na vida. Os estudos têm concluído que quando as pessoas teletrabalham, o empregador recebe de volta uma percentagem em produtividade.

Esse tempo adicional não vai só para tempo pessoal, vai também para a empresa.
CH: É dividido, parcialmente, entre tempo livre e trabalho, o que é um ganho para toda a gente. Dito isto, há benefícios claros na gestão presencial dos trabalhadores, na aprendizagem e desenvolvimento, na cultura da empresa, que se pode perder facilmente. Especialmente se for uma empresa com uma rotatividade grande na força de trabalho. Se rodar 15% ao ano, em três anos, metade das pessoas serão novas. Tentar manter uma cultura numa lógica 100% remota torna-se impossível. O novo normal acho que é uma junção: teletrabalho para atividades que podem ser exercidas de forma rentável dessa forma, e trabalho presencial para colaboração, aprendizagens e desenvolvimento, contacto com o cliente, em que é preciso esse toque humano.

Que formas estão as empresas a encontrar para estimular os trabalhadores a regressar ao escritório?
CH: As abordagens variam de “Vai ter de regressar de terça a quinta-feira”, até “Escolham três dias por semana”, “Gostávamos que toda a gente voltasse para o escritório, pelo menos x vezes por mês” ou “Olhem, pizza grátis”. Depende de indústria para indústria. Vemos o setor financeiro a adotar abordagens mais rigorosas, e o setor tecnológico mais laissez-faire.

NA: Voltamos ao que referimos sobre flexibilidade. As pessoas querem sentir flexibilidade e toda a gente está a aprender no processo. Precisamos de ser pacientes uns com os outros e fazer com que as coisas funcionem. Se não for bom para a empresa, não funciona para o trabalhador e vice-versa. O que estamos a ver são diferentes abordagens. Em vez de virem para o escritório às 8 da manhã, quando há muito trânsito, se calhar trabalhamos a partir de casa de manhã e vimos à hora de almoço. É uma visão. É uma questão de adaptação e temos de nos adaptar enquanto empresa.

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