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Um suposto almoço com inspetores — a ter existido — não foi o único momento caricato envolvendo as autoridades quando Luís Filipe Vieira e o filho foram detidos, a 7 de julho de 2021. Já nas instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), os arguidos foram divididos por várias salas para fazerem a consulta dos indícios recolhidos e, a determinado momento, o juiz Carlos Alexandre teve de repreender elementos da PSP pelo comportamento e alegadas interações com Tiago Vieira, que estava dentro de uma das salas para consulta dos meios de prova — a sala em questão era o próprio gabinete do juiz, que nesse dia fora improvisado para que a defesa pudesse fazer a consulta.
Questionada pelo Observador, a PSP confirma o alerta do magistrado, mas diz que apenas estava em causa o ruído e não uma interação indevida com o detido, filho do ex-presidente benfiquista.
Luís Filipe Vieira e os restantes arguidos foram presentes a tribunal no dia seguinte à detenção, tendo a ordem de trabalhos sido tornada pública pelo Conselho Superior da Magistratura:
- A entrega dos autos com o NUIPC 406/18.9TELSB, no TCIC, com origem no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, ocorreu pelas 15h17;
- O despacho que determina a passagem a 1.º interrogatório judicial, foi proferido pelas 15h35;
- O início da identificação dos arguidos e comunicação dos factos, ocorreu pelas 15h40;
- Aos senhores advogados foi disponibilizada uma sala individual para conferência com o seu constituinte e para consultarem os meios de prova, a partir das 15h45.
- As identificações e comunicação de factos terminaram às 16h07 .
A distribuição pelas salas individuais e a repreensão de Carlos Alexandre
A divisão por espaços separados foi difícil, dadas as características do prédio da Polícia Judiciária adaptado a Tribunal Central. Segundo o Observador apurou, Tiago Vieira e os advogados tiveram mesmo de ficar no gabinete do juiz Carlos Alexandre, que terá ido para a copa trabalhar nesse momento; Luís Filipe Vieira — e a equipa de defesa liderada por Magalhães e Silva — foram colocados na sala de diligências do juiz Ivo Rosa; José António dos Santos, conhecido como o ‘Rei dos Frangos’, ficou numa sala onde testemunhas e advogados costumavam aguardar, e Bruno Macedo e a sua advogada ficaram numa outra divisão. Todos com polícias a fazer uma guarda à vista.
E foi precisamente no gabinete de Carlos Alexandre, onde estava o filho de Luís Filipe Vieira, que aconteceu o incidente que deixou perplexo quem estava ali próximo. O juiz ter-se-á apercebido de um barulho injustificado no gabinete e quando chegou perto da porta começou a repreender alto e bom som os quatro ou cinco elementos da PSP que estavam dentro daquela divisão.
O Observador confirmou junto de várias fontes que, na altura, o magistrado terá mesmo lembrado aos presentes que Tiago Vieira era um detido e que aquele não era momento para haver qualquer tipo de interação, tendo inclusivamente pedido aos elementos da PSP para saírem da sala. Estes cumpriram a ordem e espalharam-se entre a porta da sala e o hall do elevador.
No momento em que tudo aconteceu, os advogados do detido não estariam ainda na sala do 4.º andar do edifício antigo da Judiciária — só chegaram após o incidente –, pelo que no gabinete estavam apenas Tiago Vieira os elementos da PSP, que tinham feito parte do dispositivo montado para o transporte dos detidos, entre o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, em Moscavide, e o TCIC.
Questionada esta semana sobre esta situação, a Direção Nacional da PSP começou por esclarecer que “desempenhou, na operação em apreço, um papel de apoio às ações de recolha de prova” e, depois disso, “garantiu a condução e guarda dos cidadãos detidos e subsequente apresentação à autoridade judiciária”.
Sobre o episódio específico em que os elementos foram interpelados pelo magistrado, a Direção Nacional da PSP confirma que, “num dos momentos em que os polícias promoviam a guarda à vista dos cidadãos detidos, um senhor magistrado solicitou ao nosso oficial responsável a diminuição do efetivo policial, no sentido de diminuir o ruído ambiente (proveniente das comunicações rádio e troca pontual de informação e de instruções entre os polícias presentes)”. Ou seja, de acordo com a versão oficial da PSP, o alerta do juiz apenas pretendia reduzir o barulho existente no local.
“Tal solicitação”, continua a PSP, “foi, naturalmente, acolhida, sendo o dispositivo reorganizado, de forma célere e sem colidir com as diligências em curso, mas mantendo o nível de segurança e garantindo que os cidadãos detidos não contactavam entre si”.
Na resposta enviada ao Observador esta quarta-feira, a PSP remata, reforçando não ter sido identificada por aquela força “em momento algum” qualquer “interação menos própria com algum dos detidos”.
O almoço que despoletou as relações próximas com investigados
As alegadas situações de proximidade entre autoridades e investigados durante as diligências na operação Cartão Vermelho foram despoletadas esta segunda-feira por Luís Filipe Vieira, numa entrevista à CMTV. Segundo o ex-presidente do Benfica, na véspera da ida ao TCIC, dia em que foram feitas buscas a sua casa alguns “inspetores” presentes almoçaram consigo.
“Fizeram buscas no meu gabinete, no meu quarto, até nos tetos falsos andaram a mexer. Não sei do que andavam à procura. Fizeram buscas na minha casa, na casa do meu filho. Fui para a minha casa. Almoçaram comigo dois ou três inspetores, na minha casa. Se eu ia almoçar, podiam almoçar comigo”, disse.
Confrontada logo na terça-feira pelo Observador com esta afirmação, a PSP — órgão de polícia criminal que juntamente com a Autoridade tributária coadjuvou o Ministério Público — negou que tivessem sido agentes desta polícia a almoçar com o ex-presidente do Benfica: “A Polícia de Segurança Pública apoiou a ação de investigação em apreço e os nosso polícias realizaram estritamente as suas funções”.
Também em declarações ao Observador, a Autoridade Tributária negou entretanto a existência de qualquer almoço do arguido na companhia dos seus inspetores, como Vieira acabaria por concretizar já numa segunda entrevista concedida na terça-feira à noite.
“Sem prejuízo de a AT não se pronunciar sobre declarações públicas de arguidos relativas a diligências processuais, importa esclarecer que aos inspetores da AT que participaram nas referidas diligências não foi servida, nem aceitaram qualquer refeição por parte do arguido, em linha com o Código de Conduta da AT”, explicou fonte oficial da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Segundo noticiado pela Visão, participaram nas buscas ao Complexo Desportivo do Seixal três elementos da Autoridade Tributária — Susana Neves, Jorge Cunha e Sandro Sousa — e cinco agentes da PSP, identificados no processo como Valter Santos, Óscar Ricardo, Carlos Esteves, Alcides Bernardes e Nélson Ruivo. A diligência começou às 9h50 e terminou às 12h, tendo Luís Filipe Vieira assinado o auto da busca.
Em Lisboa, no Dafundo, onde vive Vieira, duas inspetoras do fisco (Isabel Abrantes e Eugénia Castro), um cabo da GNR, Aníbal Almeida, e um elemento da PSP, João Antunes, começaram as buscas cinco minutos antes da diligência no Seixal, tendo terminado tudo às 12h30 — nos 15 minutos finais desta busca tudo foi acompanhado dos advogados de Vieira — Manuel Magalhães e Silva e João Gaspar Simões.
Apesar de as diligências terem terminado antes das 13h, noticia a mesma revista, só às 14h20 é que Valter Santos, chefe da PSP, refere ter dado “cumprimento ao […] mandado de detenção” de Vieira, que nesse momento foi constituído arguido. Tendo em conta a versão do ex-presidente do Benfica, o almoço terá acontecido nesse lapso temporal.
Procuradoria-Geral da República continua em silêncio
Dado que na operação estiveram também envolvidos magistrados do Ministério Público, o Observador questionou a Procuradoria-Geral da República, que não enviou qualquer resposta até à publicação deste artigo.
Já a Polícia Judiciária — por ter sido referido pelo arguido que o almoço foi com “inspetores” — fez questão de afirmar que nem sequer participou na operação, rejeitando qualquer situação envolvendo os seus elementos: “Face a notícias vindas a público sobre um eventual almoço em casa do Sr. Luís Filipe Vieira a Polícia Judiciária informa que nenhum elemento da PJ esteve envolvido nessa situação”
Face a notícias vindas a público sobre um eventual almoço em casa do Sr. Luís Filipe Vieira a Polícia Judiciária informa que nenhum elemento da PJ esteve envolvido nessa situação.
— Polícia Judiciária (@PJudiciaria) June 7, 2022
As buscas em casa do ex-presidente dos encarnados, ao contrário do que aconteceu nas que foram realizadas no Estádio da Luz, não foram acompanhadas pelo juiz de instrução criminal.
O que disse o Ministério Público logo após as buscas
Assim que terminaram as buscas, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal fez saber que a “investigação se [encontrava] a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e [contava] com a estreita colaboração da PSP”. “Foram cumpridos cerca de 45 mandados de busca, abrangendo instalações de sociedades, domicílios, escritórios de advogados e uma instituição bancária. Estas buscas decorrem nas áreas de Lisboa, Torres Vedras e Braga”, referia ainda o comunicado.
O Ministério Público anunciava ainda que tinham sido detidas quatro pessoas: “Dois empresários, um agente desportivo e um dirigente desportivo” e que mais tarde veio a saber-se serem Luís Filipe Vieira, Tiago Vieira, o agente de futebol Bruno Macedo e o empresário José António dos Santos.
“No processo investigam-se negócios e financiamentos em montante total superior a 100 milhões de euros, que poderão ter acarretado elevados prejuízos para o Estado e para algumas das sociedades. Em causa estão factos ocorridos, essencialmente, a partir de 2014 e até ao presente e suscetíveis de integrarem a prática, entre outros, de crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento”, rematou o DCIAP, sobre a operação que envolveu 66 inspetores tributários, 4 magistrados do Ministério Público, 3 Juízes de Instrução Criminal e 74 polícias da PSP.