Mar Báltico ou mar da NATO? A ideia tem sido partilhada por vários analistas e políticos, após o fim dos entraves à adesão da Suécia à aliança transatlântica. Krišjānis Kariņš, primeiro-ministro da Letónia — um dos países localizados na região — acredita nesse cenário: o mar Báltico é agora o mar da NATO. “Isso torna a região báltica mais segura. Todos nós entendemos muito bem isso”, afirmou o governante. Em sentido inverso, a Rússia fica completamente isolada nesta zona, deixando mais vulnerável o enclave de Kaliningrado e até São Petersburgo.
No primeiro dia da cimeira e até nas reuniões preparatórias do evento, o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, assumiu uma posição de destaque. Esta segunda-feira à noite, após uma reunião entre o governante escandinavo, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, e o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, chegava-se finalmente a um acordo que satisfazia todas as partes: Ancara ia levantar o veto que mantinha há meses sobre a adesão de Estocolmo.
Além da Turquia, que prometeu enviar a ratificação da adesão o mais cedo possível para o parlamento do país, a Hungria anunciou, esta terça-feira, que iria levantar os obstáculos à adesão da Suécia à NATO. No comunicado que resume os principais pontos da cimeira de Vilnius, os 31 Estados-membros dizem aguardar por poder “dar as boas vindas” a Estocolmo, que, com a entrada na organização transatlântica, vai romper uma política de neutralidade armada que já vigora há cerca de 200 anos.
Glad to announce that after the meeting I hosted with @RTErdogan & @SwedishPM, President Erdogan has agreed to forward #Sweden's accession protocol to the Grand National Assembly ASAP & ensure ratification. This is an historic step which makes all #NATO Allies stronger & safer. pic.twitter.com/D7OeR5Vgba
— Jens Stoltenberg (@jensstoltenberg) July 10, 2023
Salvo uma mudança de posição abrupta, a Suécia vê como praticamente certa a entrada na NATO, processo que ocorreu ao abrigo do artigo 10.º do Tratado de Washington, que prevê uma política de porta aberta para todos os países europeus que desejem integrar a organização. Não obstante, nem todos estão satisfeitos com a política de adesão: a Ucrânia manifestou o seu desagrado publicamente por os aliados não terem dado luz verde para que pudesse fazer parte da aliança.
O secretário-geral da NATO apresentou várias soluções para tentar arrepiar caminho para a adesão de Kiev, mas insistiu que o país só entra na organização militar quando “todas as condições forem cumpridas” e quando “todos os aliados concordarem”. Segundo Jens Stoltenberg, os 31 Estados-membros consideram que a Ucrânia não pode aderir à aliança enquanto houver uma guerra no seu território — e apontou para vários problemas relacionados com a corrupção que não permitem uma “governança” eficaz.
Com a adesão da Suécia, a NATO sai inevitavelmente mais forte desta cimeira, tentando simultaneamente deixar a porta entreaberta para a Ucrânia. A organização militar tem conseguido aumentar o número de Estados-membros nos últimos anos, contrariamente ao que a Rússia desejava. Por sua vez, o Kremlin já veio também deixar claro que vai continuar a monitorizar as ações da aliança transatlântica.
![NATO Secretary General, Jens Stoltenberg (L) speaks to](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:4059:2279/c:4059:2279:nowe:0:368/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2022/10/06095542/GettyImages-1179227256.jpg)
▲ Entrada da Ucrânia na NATO ainda demorará
SOPA Images/LightRocket via Gett
O que a Suécia traz à NATO?
Com uma população de mais de 10 milhões de habitantes, a Suécia torna-se o último país nórdico a entrar na NATO. A Dinamarca, a Islândia e a Noruega são membros fundadores da aliança, a Finlândia entrou este ano e a Suécia — o maior da região — deverá integrá-la o “mais cedo possível”, segundo indicou Jens Stoltenberg, não tendo sido avançada, ainda assim, uma data concreta para a formalização da adesão, estando dependente da ratificação dos restantes 31 Estados-membros.
Tendo colaborado com a aliança transatlântica desde meados dos anos 90, a Suécia sentiu a sua segurança em risco com a invasão da Ucrânia. Logo no início do conflito, numa fase em que estava longe a adesão do país, a Rússia ameaçou com “sérias consequências militares” se Estocolmo (e também Helsínquia) se juntassem à aliança transatlântica. Desde esse momento, a opinião pública sueca, tradicionalmente pacifista, foi mudando a sua perceção sobre a NATO.
“A Europa e a Suécia estão a viver numa realidade nova perigosa. Estamos a atravessar os maiores testes da defesa e da política externa desde o final da Segunda Guerra Mundial”, afirmou Ulf Kristersson numa cimeira em janeiro deste ano, aludindo à invasão à Ucrânia. O primeiro-ministro indicou que isso levou a uma “mudança de paradigma”. “A partir de agora, a nossa política de segurança será cunhada com um maior realismo. A adesão à NATO e o rearmamento da defesa sueca são uma consequência imediata disso.”
![epa10278505 Prime Minister of Sweden Ulf Kristersson attends the Nordic Council press conference in Helsinki, Finland, 01 November 2022. The 74th Session of the Nordic Council takes place in Helsinki from 31 October to 3 November for discussions focusing on security, the war in Ukraine, and the energy and climate crisis. EPA/KIMMO BRANDT](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:1066:900/c:1066:900:nowe:585:92/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2022/11/08143316/39756651.jpg)
Proveniente de um partido de centro-direita tradicionalmente a favor da NATO, Ulf Kristersson assegurou que a Suécia será um “Estado-membro leal e comprometido” com as obrigações da aliança, incluindo a meta dos 2% do PIB investidos na Defesa. No mesmo discurso de janeiro, o primeiro-ministro nórdico apontou, entre outras, quatro razões pelas quais a NATO beneficiaria da presença de Estocolmo.
A primeira relaciona-se com razões geográficas que vão além de o Mar Báltico ser praticamente controlado por membros da aliança. Localizada no meio da península escandinava, a Suécia providenciará à aliança “1.600 quilómetros de espaço aéreo desde o Ártico ao sul do Mar Báltico”. Com a maior costa no Mar Báltico e com importantes portos no Mar do Norte, o primeiro-ministro definiu o país como a “ligação entre os países do leste da NATO e os do Atlântico”. A ilha de Gotland, localizada a 350 quilómetros do enclave russo de Kaliningrado, será igualmente um ponto estratégico para a NATO.
O segundo ponto elencado por Ulf Kristersson relaciona-se com o facto de a Suécia ser um país “tecnologicamente avançado” e, por conseguinte, ter uma defesa na vanguarda. Possuindo uma “força aérea potente”, o primeiro-ministro sueco lembrou a principal joia da coroa — o sistema de caças Gripen, um dos mais avançados do mundo. Numa entrevista de 2019, o comandante da força aérea sueca, Mats Helgesson, admitiu que estes equipamentos foram “desenhados para abater” Sukhois — aeronaves russas.
Não só é no ar que a Suécia pode trazer benefícios à NATO — também a marinha sueca tem à sua disposição, segundo Ulf Kristersson, uma das “frotas de submarinos mais avançadas do mundo com capacidades de vigilância sofisticadas”, principalmente os da gama Gotland (com o mesmo nome da ilha). “Conseguem impedir o oponente de se mover livremente”, explicou à Reuters o capitão Fredrik Linden.
À mesma agência de notícias, uma fonte oficial da NATO considerava que os submarinos farão a diferença nas capacidades defensivas da aliança. “A frota de submarinos sueca está bem preparada para aquele ambiente e vai ser uma excelente junção às capacidades da aliança no Báltico”, comentou a mesma fonte.
Sweden is often regarded as a great place to visit (it is) and not really known in the modern day for its navy
Well in the 2000s the Swedish Gotland class defeated USN carrier groups time and again highlighting that #Submarine was a platform to be taken seriously #History pic.twitter.com/BruguGjnNt
— ???????? The_Sub_Hunter ???????? (@TheSubHunter1) October 31, 2022
Além disso, de acordo com o primeiro-ministro da Suécia, a economia do país é pujante, detendo o “maior mercado financeiro no Norte da Europa”. Isso levou Ulf Kristersson a enumerar o quarto motivo para Estocolmo dever entrar na NATO: a indústria de defesa sueca, um “elemento vital do compromisso”. “As novas ameaças devem ser controladas com o recurso a novas tecnologias. A indústria da defesa sueca vai beneficiar a aliança.”
Entrada da Ucrânia? NATO não se compromete
Em sentido inverso à entrada da Suécia, a NATO não se comprometeu com a adesão da Ucrânia, nem sequer estipulou uma data para que isso aconteça, apesar das elevadas expectativas de Volodymyr Zelensky. Na conferência de imprensa desta terça-feira, Jens Stoltenberg assegurou que a aliança vai “ajudar sem limites” a Ucrânia, adotando-se para tal um plano com três pontos para a adesão rápida à organização militar.
De acordo com o secretário-geral, o primeiro ponto da adesão facilitada consiste num programa anual que vai permitir a transição dos equipamentos militares da época soviética para os mais modernos; o segundo passa pela criação de um conselho NATO-Ucrânia em que haverá uma “tomada de decisão” conjunta; o terceiro refere-se à flexibilização da adesão.
As justificações não contentaram o Presidente ucraniano. Da parte da manhã, Volodymyr Zelensky já se tinha queixado de que era “absurdo” não existir um “prazo para a Ucrânia se tornar um membro da Aliança Atlântica”. “Em vez disso, recebeu apenas palavras vagas sobre as condições da adesão”, reclamou. Após a declarações de Jens Stoltenberg, o Presidente ucraniano voltou às críticas, na sua conta do Twitter, lamentando a “hesitação” dos aliados.
![Zelensky](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:2471:1390/c:2471:1390:nowe:1:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2023/07/04224929/b506e5f8213be08e9c4a9ccc1e2df268-1688501270-extra-largev1.jpg)
▲ Zelensky critica "hesitação" da NATO
Por agora, a adesão da Ucrânia continua em stand-by. A aliança faz questão de vincar que é uma questão de tempo — o secretário-geral sublinhou que Kiev está “mais perto do que nunca” de se juntar à organização —, mas as condicionantes geopolíticas futuras poderão colocar entraves.
E a Rússia já lançou vários avisos para tentar travar o processo. Ainda esta terça-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov advertiu que a entrada da Ucrânia na NATO seria um passo “muito perigoso para a segurança da Europa”. “De facto, a adesão deve ser associada aos grandes perigos que pode trazer. Aqueles que tomam a decisão devem ter consciência disso”, atirou o responsável da presidência russa.