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Toltemara/iStockphoto

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Da escapadinha romântica ao confinamento a dois: a pandemia também acelerou relações

A quarentena foi, em alguns casos, o álibi perfeito para que casais se juntassem debaixo do mesmo tecto. Solidão, companhia ou apenas amor, há histórias com finais felizes — e outras nem por isso.

O fim de semana a dois estava marcado para 14 de março. Filipa Carreira e o namorado, ambos na casa dos 30 anos, tinham reservado um “turismo rural muito bonito”, a verdadeira escapadinha romântica para um casal cuja história começou algures entre o final de 2019 e o início de 2020. Mas o embalo da passagem de ano trouxe expetativas que ficaram por cumprir em 2020 e o fim de semana de descontração transformou-se em dias e semanas de confinamento obrigatório.

Se a 14 de março Portugal somava 169 casos de infeção e a ministra da Saúde alertava que o país entrava “numa fase de crescimento exponencial da epidemia”, a 18 era decretado o confinamento e as restrições à circulação na via pública. A aproximação da pandemia fez com que Filipa e o namorado tomassem a decisão de adiar a escapadinha por tempo indeterminado e ultrapassar a quarentena de mãos dadas. “Tínhamos decidido levar a nossa relação devagar”, ironiza Filipa, que a determinada altura teve uma “expectativa naive” do que ia ser o confinamento. “Pensámos que iam ser umas férias juntos.”

Foi um período de muita paciência, diz. Mudaram-se ambos para a casa vaga que a avó tinha no Estoril, onde ainda hoje permanecem. O amor triunfou sobre a privação de vida social e à divisão das tarefas domésticas, mas o desafio não foi fácil. Ao Observador, Filipa conta que ambos tinham (e têm) espaços próprios para estar e trabalhar durante o dia, e como se encontravam (e encontram) no momento das refeições, ao almoço e ao jantar. “No primeiro mês era sexo todos os dias, três vezes por dia. Foi uma mini lua-de-mel, foi muito bom”, comenta. Pior foi a convivência que consegue ser “bastante desgastante”, mas Filipa insistiu em trabalhar em conjunto para contrariar a tendência. “É mais difícil manter a sexualidade quando estamos sempre juntos”, confessa.

"Depois daquele choque inicial, tivemos uma conversa em que decidimos que tínhamos tomado o passo inicial de nos juntarmos pelas forças das circunstâncias, mas que não queríamos que o resto da relação fosse assim. As coisas no futuro tinham de ser mais programadas, como ter ou não filhos. Há muitas pessoas que ficam juntas ao invés de escolherem estar juntas."
Filipa Carreira, testemunho

Apesar de a outra pessoa conseguir ser “a almofada e, ao mesmo tempo, o saco de pancada”, o casal tentou estar consciente das adversidades e as conversas de autoavaliação eram frequentes. “Depois daquele choque inicial, tivemos uma conversa em que decidimos que tínhamos tomado o passo inicial de nos juntarmos pela força das circunstâncias, mas que não queríamos que o resto da relação fosse assim. As coisas no futuro tinham de ser mais programadas, como ter ou não filhos. Há muitas pessoas que ficam juntas ao invés de escolherem estar juntas.”

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A ideia de que a pandemia acelerou o curso normal de relações não é específica desta história. É, aliás, uma tendência observada em consultório. Aos ouvidos de Catarina Lucas, psicóloga clínica com formação em terapia de casal e especialização em sexologia pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, chegaram relatos semelhantes que tanto correram bem, como mal: o confinamento e as adversidades do vírus também ditaram o fim de vários relacionamentos, uma vez que deixaram à tona da água problemas pré-existentes.

“Devemos entrar com tudo nas relações, como se fosse para sempre. Se correr mal logo se vê”

“Houve pessoas que foram viver juntas por uma questão de conforto”, comenta a psicóloga para depois lembrar uma história recente, a de dois vizinhos que já se conheciam, e que volta e meia estavam juntos, que aproveitaram a quarentena para viverem debaixo do mesmo teto. Durante o confinamento as coisas correram bem: afinal, estavam ambos a viver “numa bolha” e os fatores externos não interferiam na dinâmica do dia a dia. “Na bolha não conseguimos conhecer o outro na sua totalidade”, alerta Lucas. A relação começa precisamente a enfrentar os primeiros problemas a partir do momento em que os membros do casal começam a desconfinar — um mais do que o outro. O lado social mais agitado de um, escondido debaixo do tapete durante a quarentena, provou-se difícil de aceitar, gerou conflitos e a relação acabou por esfriar. A vizinhança, essa, continua.

Um dos grandes desafios desta convivência acelerada tem precisamente que ver com a dificuldade em manter o convívio com os amigos, o que é fundamental para equilibrar as balanças da relação, seja ela mais antiga ou acabada de nascer. “É isso que permite que a relação se mantenha saudável”, acrescenta a terapeuta de casais Catarina Mexia. “Estar com os amigos, em casal ou de forma individual, traz ar fresco para a relação e permite que a nossa felicidade não dependa exclusivamente do outro”, continua, para depois lembrar o óbvio: 2020 não está propício a grandes convívios, o que deixa as relações sob maior pressão.

"As pessoas passam a viver mais cedo uma com a outra sem que haja um grau de maturidade para que isso possa acontecer. Viver com alguém pode ser um desafio, mas quando já há estrutura na relação há também uma bagagem diferente."
Catarina Lucas, psicóloga clínica

No convívio diário o processo de aprendizagem de um e de outro sofre uma mutação e acontece a um ritmo mais rápido do que o habitual: debaixo do mesmo teto descobrem-se manias e trejeitos que podem agitar as águas da lua-de-mel. Mas independentemente da pandemia, constata Catarina Lucas, hoje em dia os casais vão viver juntos mais cedo do que no passado. Fatores económicos ajudam ao peditório, bem como o facto de agora ser “mais fácil e mais rápido” morar junto. E isso é um problema estrutural. “As pessoas passam a viver mais cedo uma com a outra sem que haja um grau de maturidade para que isso possa acontecer. Viver com alguém pode ser um desafio, mas quando já há estrutura na relação há também uma bagagem diferente”, comenta a terapeuta. Além disso, ninguém está habituado a passar tanto tempo com outra pessoa. “Passamos um fim de semana, mas não aquele tempo todo. E isto tanto é válido para o marido, como para o filho. Há pais cansados dos filhos.”

"Houve pessoas que foram viver juntas por uma questão de conforto", comenta a psicóloga Catarina Lucas (©Tetiana Lazunova/iStockphoto)

©Tetiana Lazunova/iStockphoto

“A pandemia fez-nos saltar etapas”

Isabel* e o namorado, de 42 e 43 anos, estavam juntos há alguns meses quando a pandemia bateu à porta e fê-los “saltar etapas”. Antes da chegada do confinamento, o casal estava na “fase do cruzamento de dados”, ou seja, ela estava a ser apresentada ao filho do namorado e o namorado estava a começar a conhecer o filho dela. Ambos os rapazes tinham-se visto apenas duas vezes quando, em meados de março, o casal tomou a decisão de viver junto com a respetiva prole. O primeiro fim de semana serviu de teste para o que veio a seguir e, tantos meses depois, o quarteto continua a dividir o mesmo espaço (com algumas exceções, uma vez que as crianças, de 11 e 14 anos, têm guarda partilhada).

Logo na primeira semana o casal acertou detalhes para garantir o conforto de ambos os filhos, e o saco de cama deu lugar a uma segunda cama no quarto dos miúdos — que decidiram ficar juntos e não em quartos diferentes; na verdade, explica Isabel, os dois rapazes criaram mais intimidade em dois ou três meses do que sendo amigos na escola durante três ou quatro anos. A noção de risco foi óbvia desde o início e o assunto foi “muito falado”. “Na verdade, pareceu tudo estranhamente fácil e natural. Correu tudo muito bem”, diz, apesar da adaptação forçosa a múltiplas realidades, incluindo o teletrabalho e a telescola. “Houve vezes em que foi caótico, mas acho que teria sido mais caótico se estivéssemos casados há dez anos”, brinca.

"Se não fosse a pandemia não teríamos ido viver tão depressa. Provavelmente, teríamos ido primeiro passar férias os quatro. Saltámos algumas etapas."
Testemunho anónimo

Dada a guarda partilhada, o que implicou que os filhos fossem alternando de casa, os dias a dois eram os mais fáceis — e serviam até para recarregar energias — e os dias a quatro bastante mais exigentes. “Os ex-casais tiveram algumas bóias e, no nosso caso, houve momentos para estarmos a sós. Já ouvi relatos de horror de casais com famílias inteiras em casa…” Meses depois, a família continua a viver no mesmo esquema, mas Isabel admite que foi o ano atípico de 2020 que motivou tudo. “Se não fosse a pandemia não teríamos ido viver tão depressa. Provavelmente, teríamos ido primeiro passar férias os quatro. Saltámos algumas etapas”, admite. “Mas estávamos os dois com muita certeza disto, porque isso é que também demos esse passo no confinamento. As circunstâncias pré-existentes facilitaram-nos muito a vida.”

Em momentos de crise, como esta pandemia ou crises económicas como tivemos no passado, as pessoas tendem a investir mais na sua felicidade emocional e as coisas que normalmente eram adiadas acabam para ir para a dianteira da lista de prioridades, explica a psicóloga clínica Catarina Mexia. Bruno e Syuzanna, ele português e ela búlgara, ambos a viver na Holanda, retomaram uma relação de longa data, feitas de altos e baixos, em fevereiro. Já no passado tinham discutido a ideia de partilharem o mesmo teto, mas houve dificuldade em chegar a acordo: Bruno queria voltar para o país de origem, Syuzanna nem por isso.

O ano de 2020 veio com uma pandemia e com um confinamento alternado — ora na casa de Bruno, ora na casa de Syuzanna — e acabou por funcionar como uma espécie de test-drive à ideia de juntarem os trapinhos. Curiosamente, a derradeira decisão surgiu em junho, no fim da quarentena. E de tanto ouvir o namorado a falar com os pais, Syuzanna decidiu começar a aprender português. Bruno, em troca, está a descobrir a língua dela. Após algumas obras em casa, vivem juntos há algumas semanas na casa dele.

Desde março, mais 60 mil utilizadores em Portugal aderiram à aplicação de encontros Happn (© Ksenia Zvezdina/iStockphoto)

© Ksenia Zvezdina/iStockphoto

“Não foi precipitação, foi um investimento emocional”

Desde março, mais 60 mil utilizadores em Portugal aderiram à aplicação de encontros Happn (num universo total de 500 mil) — a tendência regista-se um pouco por todos os países europeus, tal como confirmado ao Observador. Além de a pandemia ter trazido mais portugueses a esta plataforma, também o seu uso aumentou (+18% em Portugal). A grande maioria dos utilizadores no país situa-se na faixa etária entre os 25 e os 35 anos, e só depois dos 18 aos 25 e dos 35 aos 45 anos. O Observador pediu informação semelhante ao Tinder, mas a aplicação não disponibiliza dados locais; à data de publicação deste artigo também o Facebook não respondeu.

A plataforma nacional Felizes.pt, dedicada a promover encontros entre solteiros, observou um aumento durante o confinamento, bem como nos meses seguintes: de maio até ao dia 11 de novembro houve 35.727 novos registos, o que corresponde a um crescimento de 28,5% face a igual período do ano passado (27.797). Os números parecem confirmar a procura por companhia no outro lado do ecrã. E foi precisamente isso que aconteceu a Mariana Dias, de 21 anos. Passar tempo em casa não foi necessariamente traumático, mas a falta de vida social começou a pesar-lhe com o passar dos dias. Isso, e o facto de no início da pandemia ter passado por uma má experiência amorosa, fê-la ficar mais atenta ao que se passava à sua volta. “Durante o confinamento comecei a falar com a pessoa com quem estou hoje”, diz ao Observador. Curiosamente, tudo aconteceu via Instagram, precipitado por likes e comentários às stories.

Como a pandemia influenciou (e está a mudar) as plataformas de “online dating”

“Fomos uma grande companhia um do outro durante o confinamento. Começámos logo por ter conversas sérias e mais fluídas. Passávamos o dia a falar, do acordar ao adormecer”, conta. Eventualmente a conversa transitou para o vídeo e, numa fase inicial, Mariana teve tantos cuidados com a imagem como se fosse sair num encontro. A familiaridade entre os dois foi-se adensando ao fim de semana a falarem sem se verem pessoalmente. Findo o confinamento, o pedido de namoro chegou depois de quatro encontros. “A rotina diária teria sido diferente sem o confinamento. Acho que não estaria tão disponível [para falar], estaria com outras pessoas.”

Está difícil conhecer pessoas novas na presente realidade. O leque de hipóteses românticas ficou mais reduzido e as aplicações de encontros ganharam mais expressão. “É possível que as pessoas fiquem menos esquisitas [considerando quem conhecem] porque querem companhia e porque sabem que neste momento não vão encontrá-la tão facilmente”, especula Catarina Lucas.

Já Mexia, questionada sobre se é o medo da solidão que em momentos como estes nos empurra para o outro, salienta que os nossos atos nunca são completamente conscientes. “Naqueles meses todos de confinamento a solidão foi algo muito acutilante. As pessoas não tiveram outra hipótese senão refletir sobre a vida. Houve quem retomasse contactos com ex-namorados.” Mas em tempos tão diferentes, diz, as relações têm de valer a pena. “Não me parece que as pessoas se tenham precipitado [por causa da pandemia], foi mais um investimento emocional.”

*Esta pessoa não quis ser identificada

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