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"BlackBerry", o filme sobre a história da RIM
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O ator Jay Baruchel interpreta o perfecionista co-CEO Mike Lazaridis

O ator Jay Baruchel interpreta o perfecionista co-CEO Mike Lazaridis

De Waterloo para o mundo, o BlackBerry era a coqueluche de executivos e celebridades. O iPhone roubou-lhe a ribalta -- mas não foi o único

A partir do Canadá, o BlackBerry alcançou presença global e tornou-se no smartphone favorito dos executivos nos anos 2000. Depois dos livros, a invulgar história da empresa é contada em filme.

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“Imagine um telefone e uma máquina de email, tudo na mesma coisa.” É desta forma que, no trailer do filme “BlackBerry”, é explicada a fórmula que fez a Research in Motion, uma pequena firma de Waterloo, Ontario, no Canadá, ganhar espaço no mercado internacional com aquele que é considerado o primeiro smartphone de massas.

​​Os telefones da BlackBerry permitiam algo que, hoje em dia, faz parte das capacidades quase básicas de um telefone – ter o email e estar sempre disponível. Foi focado nesse pioneirismo que o canadiano Matt Johnson conta a história da ascensão e queda da tecnológica, num filme baseado no livro “Losing the Signal”, de Jacquie McNish e Sean Silcoff. Johnson não só adapta a história como é também o realizador e ator no filme, que estreia a 12 de maio, depois de ter passado por vários festivais de cinema, incluindo o de Berlim, em fevereiro, ou o conhecido SXSW.

Embora seja explicado que algumas partes são ficcionadas, os principais ingredientes que fizeram com que a pequena empresa competisse com os gigantes tecnológicos estão lá: a ambição de criar um equipamento que permitisse mandar emails consumindo poucos dados; as ideias perfeccionistas de Mike Lazaridis, o homem por detrás da tecnologia; a faceta “impiedosa” de Jim Balsillie, co-CEO e líder da área comercial; sem esquecer a falha de vários dias que deixou meio mundo pendurado; e claro o lançamento do iPhone, um golpe duro para a BlackBerry.

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No final dos anos 2000, os telemóveis da marca eram uma coqueluche do mundo empresarial – era difícil encontrar um executivo de uma grande sociedade que não fosse um “crackberry”, a designação usada para descrever os “viciados” nestes equipamentos. Em 2009, um dos “crackberries” mais famoso do mundo era Barack Obama. O Presidente norte-americano tinha acabado de chegar à Casa Branca e era um ávido utilizador do equipamento – até foi sugerido que trocasse para um dispositivo mais seguro, ideia que rapidamente rejeitou. “Continuo agarrado ao meu BlackBerry. Vão ter de arrancá-lo das minhas mãos”, disse o governante. Tornou-se uma frase emblemática de Obama – e com a qual muitos norte-americanos se conseguiam identificar na altura. De Waterloo, a BlackBerry conseguiu, ainda assim, ir além do mundo empresarial: o BlackBerry foi eleito como uma das coisas favoritas de Oprah Winfrey em 2003, mas também Madonna ou Kim Kardashian eram fãs.

Em 2014, Barack Obama ainda usava um BlackBerry. Nestas imagens, numa corrida rápida até à Casa Branca para recuperar o telemóvel

Getty Images

Diz o ditado que aquilo que sobe tem de descer. E é o relato da rápida queda que promete dar ritmo a “BlackBerry”, tudo temperado com a tensão entre o lado mais técnico e perfeccionista de Lazaridis e o pragmatismo e as práticas comerciais nem sempre bem vistas de Balsillie, que num dos posters tem direito a corninhos de diabo. Os alicerces do reinado da empresa que chegou a ter metade do mercado de smartphones dos EUA começaram a abanar com o lançamento do iPhone, em 2007, mas caíram definitivamente em 2013. Porém, atribuir a queda da BlackBerry ao iPhone é apenas uma das partes da história.

“Tente escrever com os polegares”

A Research in Motion (RIM) ganhou projeção internacional na viragem para o novo milénio, mas já trabalhava a partir da cidade de Waterloo, na província canadiana de Ontario, desde 1984. Os fundadores, Mike Lazaridis e Douglas Fregin, que no filme são interpretados por Jay Baruchel e Matt Johnson, respetivamente, eram estudantes de engenharia quando criaram a RIM. Nos primeiros anos não tinham ainda um produto, mas já conquistavam alguns contratos relevantes – o primeiro em 1985 foi celebrado com a General Motors.

Se algumas das maiores tecnológicas do mundo nasceram em garagens, a RIM começou no andar de cima de uma loja de bagels. Em entrevistas, Lazaridis, o cérebro da companhia, contou que as secretárias eram improvisadas e que, devido à falta de dinheiro, um prato de esparguete com molho de tomate era uma extravagância. Num típico ambiente de startup, que também é retratado no filme, procuravam novos contratos, até que, em 1987, Mike Lazaridis definiu um rumo para a empresa: explorar a tecnologia de comunicação sem fios, algo que estava a dar os primeiros passos. A RIM começou por desenvolver pagers, equipamentos que só serviam para receber mensagens, mas quis mudar a lógica da comunicação unilateral: trabalhou num dispositivo em que era possível enviar e receber mensagens. Depois passaram para equipamentos com teclado.

O elenco do filme: ao centro, Matt Johnson, autor e realizador, também dá vida a Doug Fregin, co-fundador da Research in Motion

Em janeiro de 1999, a RIM tinha uma carta na manga: o lançamento do serviço de email wireless, já com o nome BlackBerry, que começou por ser disponibilizado na América do Norte. Um ano mais tarde, apresenta o RIM 9570, um equipamento que juntava todas as funcionalidades: tinha email, calendário, lista telefónica e um teclado QWERTY para ajudar a escrever mais depressa. Mas havia uma curva de aprendizagem, já que era preciso usar os polegares para se conseguir escrever depressa. É uma das cenas do filme, em que Mike Lazaridis sugere a um executivo que “tente escrever com os polegares” para perceber como funciona o protótipo que tem na mão. A palavra “hello” surge rapidamente no ecrã.

A experiência comercial de Jim Balsillie (interpretado por Glenn Howerton, de “It’s Always Sunny in Philadelphia”), formado em Harvard e contratado em 1992 para ajudar na gestão da empresa, que começava a ter algumas dificuldades financeiras, tratou do resto. “Sei como o apresentar e sei a quem o podemos vender”, diz Balsillie no filme, aos dois fundadores da RIM. Mas o “tubarão”, como é descrito, queria também uma parte da empresa e ser CEO. Na realidade, investiu o próprio dinheiro na RIM, fazendo uma segunda hipoteca da casa; em pouco tempo passou a ter um terço da empresa e a ser co-CEO.

“O Jim era realmente estratégico em termos daquilo que pensava e era muito ambicioso no que queria que fizéssemos. Não se conhecem muitos canadianos ambiciosos àquele ponto”, contou à Bloomberg Patrick Spence, vice-presidente sénior e diretor global de vendas e marketing da BlackBerry entre 1998 e 2012. A estratégia de Balsillie era clara: colocar um telefone nas mãos de quem poderia tirar mais partido de ter sempre disponível o email: executivos, políticos, jornalistas. Os telefones da marca inundaram Wall Street e Washington, relatou o The Verge em 2012. A Bloomberg, num artigo publicado em 2013 para o qual entrevistou dezenas de trabalhadores da empresa, resumia a questão de outra forma: Balsillie sabia que um BlackBerry era viciante. Bastava dar um “cheirinho” a um executivo para garantir que, quando o período de teste terminasse, não abriria mão do telemóvel. “Quero que ponham este bebé na mão de todos os executivos de empresas da Fortune 500 que consigam encontrar”, diz a versão ficcionada de Balsillie no filme, segundo se consegue ver o trailer.

“A Blackberry foi um momento no tempo”, contextualiza Ben Wood, analista-chefe da consultora CSS Insight e responsável pelo Mobile Phone Museum. “Foi um produto tão icónico e toda a ascensão e a queda da Blackberry tem muitos elementos e histórias diferentes”, reconhece durante a videochamada feita com o Observador. “Parece super normal agora, mas a ideia de pôr o email na mão de alguém era quase um super-poder, foi um desenvolvimento absolutamente impressionante.”

Com um BlackBerry era preciso usar os polegares para escrever mais depressa. Havia quem lhe chamasse a pose "prece de BlackBerry"

AFP/Getty Images

Ben Wood, que diz ser um “geek” de telemóveis, tem ainda hoje uma série de equipamentos da empresa canadiana e deslocou-se algumas vezes ao Canadá para acompanhar a empresa. “É uma história muito triste”, diz sobre o desaparecimento da marca, “era uma inovação brilhante, o Mike Lazaridis é uma das pessoas mais brilhantes que já conheci na minha vida. O Jim Balsillie, que era o tipo comercial, era absolutamente impiedoso.”

No filme, Jim Balsillie é interpretado por Glenn Howerton, de “It’s Always Sunny in Philadelphia”

O responsável da CCS Insight recorda o lançamento do BlackBerry 5810, o primeiro modelo que chegou à Europa, em 2002. “Neste equipamento nem sequer era possível falar ao telefone, era preciso um headset para se fazer uma chamada de voz. Era tudo focado no design do teclado”, explica, notando que o desenho do teclado se tornou numa das questões “mais relevantes da propriedade intelectual” da companhia.

Além do “super-poder” do email acessível 24 horas por dia, garantindo que se podia trabalhar sem estar no escritório, a BlackBerry tinha também uma forte componente de segurança. Além disso, se eram os executivos de topo a defender o acesso dos equipamentos da RIM à rede de uma empresa, não havia grande escolha a não ser aceder ao pedido. “A BlackBerry era toda sobre segurança, privacidade, confidencialidade. Por isso, quem era o responsável de TI [tecnologias de informação] numa empresa ou CIO [diretor de informação] não queria nada ligado à rede a não ser um equipamento destes.”

Com o lançamento da série 7000, em 2004, já com um ecrã a cores, os smartphones da BlackBerry deixaram de ser apenas apelativos para os executivos e já piscavam o olho ao consumidor comum. “Passou, de um telefone apenas para o mundo corporativo, para ser também virado para o consumidor”, explica Ben Wood. Os números começavam a comprovar como tinha massificado a ideia de smartphone: no final de 2004, os BlackBerry estavam disponíveis em 40 países através de 80 operadores de telecomunicações e a marca tinha mais de dois milhões de subscritores.

Alguns dos modelos seguintes, como a série Bold ou o Curve, lançado em 2007 e já com câmara, tinham preços suficientemente acessíveis ao ponto de andarem no bolso dos adolescentes e concorrer com a febre dos “flip phones”.

O “one more thing” de Steve Jobs foi uma machadada para a BlackBerry – mas não foi a única

Os smartphones da RIM aproveitaram a sua onda de popularidade – no pico, em 2009, a empresa chegou a movimentar 15 milhões de unidades por trimestre. A quota de mercado expandiu-se a nível global, sem ser sequer preciso fazer grandes investimentos em campanhas publicitárias. “Os representantes da indústria e os operadores perguntavam ‘vocês não fazem publicidade?’ Lembro-me de fazer a pergunta e a resposta se resumir a ‘não precisamos’. Ser bem-sucedido na RIM centrava-se em ser próximo dos operadores”, contou Paula Dymond, diretora do canal de vendas da RIM entre 2004 e 2011.

Mas algo mudou a partir do momento em que Steve Jobs, o CEO da Apple, tirou do bolso um pequeno retângulo chamado iPhone. O anúncio foi feito em janeiro de 2007; o primeiro aparelho chegou às lojas em junho. Em público, os dois CEO da BlackBerry minimizaram as características do iPhone, do diminuto tempo de uso da bateria até às capacidades de segurança do dispositivo. Nos corredores da RIM, ainda sediada em Waterloo mas já com instalações menos caraterísticas de uma startup, começava-se a comentar como o “brilho” das inovações de Lazaridis parecia estar a diminuir.

iPhone: há 15 anos Steve Jobs tirou do bolso a galinha dos ovos de ouro da Apple. Que cartas ainda tem a empresa na manga?

Para Ben Wood, da CCS Insight, é simplista dizer que o ponto de rutura da BlackBerry se deve apenas ao lançamento do iPhone. “Menosprezaram muito o iPhone”, sublinha, mas “é uma questão muito complicada.” O iPhone foi um grande problema para eles, mas houve outros fatores, como não perceberem que precisavam de ter equipamentos para a rede móvel 3G, não terem um sistema operativo que permitisse ter muitas aplicações, não apresentar funcionalidades que fossem mais favoráveis para o consumidor, como ter cartões de memória ou câmaras… até já ser tarde demais.” O especialista da CCS Insight admite que foi “muito cético” da primeira vez que viu o smartphone da Apple. “Não vou fingir que da primeira vez que vi o iPhone achei que ia ser um sucesso”, reconhece. “Mas a BlackBerry não reagiu, de todo”, recordando que “foram lentos a adotar algumas das tendências tecnológicas.”

Em novembro de 2008, a BlackBerry tinha de responder ao iPhone, que já tinha um novo modelo, o 3G. Mas o escolhido, o Storm, foi “realmente desastroso”, recorda Ben Wood, da CCS Insight. “Criaram este equipamento com a Verizon e com a Vodafone. Intelectualmente era um modelo muito inteligente, porque o ecrã tinha uma mola por baixo. Quando se tocava, andava para cima e para baixo, a ideia era ter-se a sensação de que escrever num ecrã era semelhante a escrever num teclado físico. Mas foi um desastre, realmente mau, e deu início ao declínio da BlackBerry.” A tecnologia no ecrã, chamada SurePress, tinha sido desenvolvida pela RIM.

Algumas das críticas ao Storm não foram meigas. “Sem teclado? Chamam a isto um BlackBerry?”, escreveu em 2008 o New York Times. “É uma frustração de bater com a cabeça.” “Ainda não conheci uma alma que tenha experimentado esta máquina que não tenha ficado chocada, perplexa ou ambas.” Várias análises relataram problemas com o software, dificuldade em ter o telefone a fazer a rotação de forma automática (era preciso virá-lo para uma posição horizontal para ter acesso ao teclado no ecrã) e lamentavam a escrita mais lenta do que em comparação com o teclado físico.

Um mês após o lançamento, a BlackBerry já tinha vendido 500 mil unidades do Storm. Em janeiro de 2009, alcançou um milhão. Mas os erros e falhas que a imprensa especializada viu foi igualmente detetada pelos consumidores. A Verizon, o operador que disponibilizou o telefone nos EUA, teve de substituir praticamente um milhão de smartphones vendidos em 2008 devido a questões com o ecrã táctil. Em Portugal, onde o Storm só chegou em maio de 2009, através da Vodafone, custava 399,90 euros ou a partir de 129,90 com um plano pós-pago.

Em 2015, com o lançamento do livro “Losing the signal”, revelou-se que a Verizon teve perdas de quase 500 milhões de dólares, hoje o equivalente a quase 701 milhões de dólares (638 milhões de euros), devido às falhas do Storm. Na RIM, haveria consciência dos problemas do produto, mas era assumido que “lançar algo com falhas era melhor do que não lançar nada”.

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A Verizon fez um investimento publicitário relevante na campanha do Storm, numa tentativa de rivalizar com a atenção que estava a ser dada à rival AT&T pela exclusividade do iPhone nos EUA. No período de ouro dos telefones BlackBerry, muitos dos clientes tinham telefones bloqueados às redes dos operadores de comunicações, daí a importância dada pela RIM à relação com estas empresas. Hoje em dia esse efeito é menos notório, mas continua a ser algo relevante no mercado norte-americano.

O analista Ben Wood refere que a mudança na relação com os operadores de telecomunicações também foi penalizadora para a RIM. “Todos queriam implementar o 3G”. Mesmo que pudesse haver uma razão muito racional da BlackBerry de que não se precisava de 3G, porque era eficiente a forma como transferiam os emails, todos os operadores tinham gastado somas avultadas de dinheiro nas licenças e na infraestrutura 3G e precisavam de telemóveis para isso. “Os smartphones BlackBerry primavam por uma escassa utilização de dados, para evitar sobrecarregar as redes”. Lazaridis defendia, mesmo, conta Ben Wood, que não eram precisos telefones 3G. “Mas os operadores queriam e queriam fazer campanhas de marketing ligadas aos telefones 3G, queriam tráfego na rede, que tinha sido nova e cara.”

No mesmo ano em que saiu o iPhone, a RIM assistiu ainda ao anúncio de um novo sistema operativo, o Android. Um ano mais tarde, em setembro de 2008, chegou às lojas o HTC Dream, o primeiro smartphone a tirar partido do Android e a ter acesso à loja de aplicações. Os BlackBerry continuavam com o seu próprio sistema operativo, o BlackBerry OS, e uma lista limitada de aplicações. A empresa começou a perder terreno para os equipamentos com Android e para o iPhone. Ainda tentou, em 2013, lançar um novo sistema operativo, o BlackBerry 10. “Mas era realmente muito fraco quando comparado com o Android e o iOS”, reconhece Ben Wood. “Foi mais ou menos nesta altura que a BlackBerry morreu e as coisas começaram a correr mal.”

Justin Bieber quis ser embaixador da BlackBerry. “Este miúdo pode durar mais que a RIM”, avisou executivo

Mostrar Esconder

Um dos executivos da empresa, Vincent Washington, gestor de desenvolvimento de negócio da Research in Motion entre 2001 e 2011, disse à Bloomberg que a empresa “falhou num ponto”: ter Justin Bieber como embaixador da BlackBerry.

Na altura, o cantor canadiano ainda era um adolescente e estava nos primeiros anos da carreira. “Ele disse-nos ‘deem-me 200 mil dólares e 20 telefones e sou o embaixador da vossa marca’.”

“Demos a sugestão ao marketing: aqui está um miúdo canadiano, ele cresceu aqui, todos os pequenos fãs vão adorar. Basicamente expulsaram-nos da sala. Disseram ‘este miúdo é uma coisa passageira. Não vai durar’. Eu disse na reunião que este miúdo ia sobrevir à RIM. Toda a gente se riu.”

O início do fim e a falha de três dias que fez o detox forçado dos “crackberries”

No início da década de 2010 a RIM estava numa posição mais frágil. Ainda afetada pelas críticas ao Storm e com uma relação não tão feliz com os operadores, tornaram-se visíveis as rachas na fachada. Os co-CEO estão em pontos de atenção diferentes: o “tubarão” Balsillie tinha-se afastado gradualmente das operações diárias, dispersando para atividades filantrópicas ou a tentar comprar equipas de hóquei; Lazaridis viu o controlo das áreas de engenharia escapar-lhe entre os dedos devido à dimensão crescente da empresa.

As rivais não paravam quietas: em 2010, Steve Jobs revelou o primeiro iPad. O tablet transformou-se num dos maiores sucessos de vendas da tecnológica. A Research in Motion vê-se novamente obrigada a responder à marca norte-americana. Decide lançar, já em 2011, o tablet BlackBerry PlayBook. O slogan de vendas era claramente dirigido à rival da maçã: “A hora dos amadores acabou”.

O pequeno tablet, na indústria descrito como o “BlackPad”, tinha uma forte integração com os smartphones da marca. Mas a receção não foi calorosa, já que o sistema operativo desenvolvido para o tablet apresentou falhas. Anos mais tarde, é consensual que o produto foi um “flop”, até pelo “desastre de relações públicas” de uma entrevista de Mike Lazaridis à BBC, recorda Ben Wood. “Estava a tentar promover o PlayBook que usava um sistema operativo, que era a grande aposta da empresa, mas que não estava pronto”. A entrevista chegou ao fim quando Lazaridis ouviu uma pergunta sobre questões de segurança para explodir: “não é justo.” Tirou o microfone e levantou-se, saindo da entrevista. “É um ponto da história em que é possível ver a pressão deste homem, que criou uma empresa para fazer um dispositivo disruptivo, mas que sentiu que estava tudo a fugir-lhe. Tinha-se tornado algo tão grande e complexo que ele simplesmente perdeu o controlo do seu bebé”, explica o analista-chefe da CCS Insight.

Os tempos atribulados estavam só a começar. Em junho de 2011, é anunciado o despedimento de duas mil pessoas, o equivalente a 11% do total de empregados da RIM. Jim Balsillie reconheceu que a empresa enfrentava dificuldades, até por causa do lançamento do PlayBook “que não tinha decorrido da forma suave como era esperada”.

Quatro meses depois, uma falha num centro de operações de rede da RIM em Slough, uma cidade a alguns quilómetros de Londres, causou um novo contratempo. Quem ainda se mantinha agarrado ao BlackBerry já tinha mais opções para enviar emails, mas continuava a gostar do serviço designado BlackBerry Messenger (BBM). “Hoje em dia toda a gente usa o WhatsApp, antes o BBM era a forma como os mais novos comunicavam, porque era gratuito. Era possível ver quando é que alguém tinha recebido e visto uma mensagem — agora são coisas que já damos como garantidas, mas na altura era algo mágico”, explica Ben Wood.

A falha num router em Slough deixou todos os serviços que mantinham as pessoas nos smartphones totalmente indisponíveis durante três longos dias. Uma empresa da dimensão da BlackBerry tinha servidores de redundância, incluindo um no Canadá – mas que por algum motivo não foi compensou a falha do equipamento em Inglaterra. Mike Lazaridis saiu da cama de madrugada para tentar resolver o incidente; Jim Balsillie tinha acabado de aterrar no Dubai para uma operação de charme.

A falha “está no filme, é uma das partes mais relevantes”, diz Ben Wood. “Foi um momento que correu mal: as pessoas estavam tão viciadas e tão dependentes dos equipamentos que, quando deixou de funcionar… Foi ‘ok’ durante algumas horas, mas quando se passaram os dias e as pessoas perceberam que não podiam gerir os seus negócios, começaram a olhar para outros dispositivos.” A indisponibilidade, que começou a 10 de outubro e só foi resolvida a 13, “abriu as comportas”. “Acho que foi uma das coisas que também contribuiu para a queda” da RIM.

A indisponibilidade dos serviços dos BlackBerry levou a um pedido de desculpas público de Lazaridis. Mas, embora a empresa estivesse a recuperar a normalidade dos serviços, ainda não tinha uma data para a recuperação total. “Não cumprimos o nosso objetivo esta semana. Nem perto disso”, admitiu o co-fundador Lazaridis.

A falha foi tema de conversa para os meses seguintes. Até que, em janeiro de 2012, tanto Balsillie como Lazaridis anunciaram a saída dos cargos de CEO da RIM. É feita a passagem de testemunho para Thorsten Heins, um executivo nascido na Alemanha. Trabalhava na RIM há quatro anos, vindo da Siemens, quando assumiu o cargo de CEO. “Era muito simpático, mas talvez tenha feito decisões estratégicas que, do ponto de vista de software, não foram assim tão inteligentes”, refere o analista-chefe da CCS Insight. “Deixar o teclado foi uma decisão terrível, porque alienou as pessoas que adoravam isso nos BlackBerry e para quem era uma questão muito familiar. E lentamente o volume de vendas começou a cair.”

Em 2013, Heins toma uma decisão: muda o nome da Research in Motion para algo que as pessoas conheciam melhor, BlackBerry Limited. “Reinventámos a companhia e queremos representar isso na nossa marca”, disse o então CEO. A quota de mercado da empresa no mundo dos telemóveis era cada vez mais diminuta: no final de 2012 rondava os 3%; um ano mais tarde, já se ficava pelos 0,6%.

A vender cada vez menos equipamentos, a BlackBerry lutava pela sobrevivência. Em setembro de 2013, anunciou que tinha chegado a acordo para ser comprada pela canadiana Fairfax Financial Holdings, por 9 dólares por ação, o equivalente a 4,7 mil milhões de dólares, hoje em dia 6,09 mil milhões de dólares (5,53 mil milhões de euros). A empresa tentou ao máximo cortar custos – anunciou o despedimento de mais 4.500 pessoas. Nas notícias ainda se falava do alegado interesse de Douglas Frein e Mike Lazaridis, os fundadores da Research in Motion, na compra da companhia. Mas não foram além das intenções.

Num dos últimos esforços, a BlackBerry ainda apostou num smartphone com Android, o BlackBerry Priv, mas em 2015 já era difícil concorrer com a Samsung e a Apple. Já não havia lugar no mercado para os BlackBerry. Em 2016, a empresa anunciou o fim da produção de telemóveis.

BlackBerry deixa de fabricar telemóveis para se dedicar ao software

Como se portava a marca em Portugal?

Nos Estados Unidos, a Research in Motion (RIM) conseguiu chegar a uma quota de mercado de 55% em 2009, ano que marca o período “de ouro” da tecnológica. Em 2010, de acordo com dados da IDC, entrou pela primeira vez na lista das cinco marcas mais vendidas a nível global, com uma fatia de 3,6% do mercado, exatamente o mesmo da Sony Ericsson. Passados 13 anos, apenas a Samsung, na altura a segunda marca mais vendida, é que se mantém nesta lista.

Na Europa, foi mais difícil para a tecnológica de Waterloo enfrentar a hegemonia da finlandesa Nokia. Francisco Jerónimo, vice-presidente da dados e analítica da IDC Europe, refere ao Observador que a RIM atingiu “o pico de vendas em 2011, com 13,1 milhões de unidades vendidas”, numa altura em que os equipamentos com sistemas operativos Android e iOS já tinham “vendas exponenciais”. Mas foi ainda nesse ano que a BlackBerry foi ultrapassada pelos números dos telefones Android e iOS. “A queda continuou acelerada nos anos seguintes, até a marca abandonar o mercado em 2016”.

Em Portugal a presença da BlackBerry foi mais discreta, com vendas que “nunca foram significativas”, reconhece Francisco Jerónimo. “O máximo que a marca conseguiu em Portugal foi atingir cerca de 12% de quota de mercado em 2010, com 132 mil unidades vendidas”. A presença da Nokia no mercado nacional era dominante. “A Nokia ainda detinha mais de 50% do mercado de smartphones, com vendas acima de meio milhão de unidades.”

Blackberry

A BlackBerry afastou-se do mercado de smartphones em 2016

Europa Press via Getty Images

No segundo semestre de 2010, a história já foi outra. “Começou a desenhar-se aquilo que seria o virar de página da história da marca”, diz Jerónimo, já que foi nessa altura que “a maioria dos principais fabricantes colocou no mercado telefones Android e que a Apple lançou o iPhone 4, com um novo form factor, melhores especificações técnicas e maior suporte por parte dos operadores móveis.” Nesse ano, foram vendidos cerca de 1,1 milhões de smartphones em Portugal. As vendas de equipamentos Android dispararam, passando de 16.800 para 329 mil unidades em 2010. As vendas do iPhone também aumentaram substancialmente, alcançando as 65.700 unidades, segundo dados da IDC da altura.

Mesmo com todas as mudanças que surgiram no mercado de equipamentos móveis com a massificação do smartphone, a BlackBerry nunca conseguiu ir além de uma presença diminuta em Portugal. “As vendas da Blackberry continuaram a cair a pique nos anos seguintes, e em 2016 a marca deixou o mercado português”, resume Francisco Jerónimo.

A segunda vida da marca BlackBerry e a viragem para a segurança

O fim da linha para a BlackBerry enquanto fabricante de smartphones foi em 2016, mas isso não significou o seu total afastamento do mercado móvel. A BlackBerry Limited assinou, em dezembro de 2016, um acordo de licenciamento com a fabricante de smartphones chinesa TCL.

Ainda foram feitos alguns anúncios de telefones BlackBerry – o KeyOne e, já em 2018, o Key 2, um smartphone com Android mas com o teclado físico característico da marca. A quota de mercado teimou em não aumentar. “Já era demasiado tarde”, explica Ben Wood, da CCS Insight.

A BlackBerry voltou. Mantém teclado físico mas traz 5G

Após quatro anos de acordo, a TCL pôs ponto final à parceria. ​​“Lamentamos informar que a partir de 31 de agosto de 2020, a TCL Communication não irá mais vender dispositivos móveis com a marca Blackberry”. A empresa explicou que já não tinha “direitos de design, fabrico ou venda para nenhum dos equipamento móveis Blackberry”. Ficou, no entanto, garantido o suporte aos equipamentos vendidos até 31 de agosto de 2022.

“A TCL tentou, investiu muito dinheiro, mas não conseguiu fazer a coisa acontecer”, reconhece Ben Wood. “Houve mais pessoas a tentarem mas, no fim do dia, o mundo avançou. Hoje o BlackBerry é uma relíquia tecnológica, a ideia de ter um teclado físico… Já não precisamos disso, já ninguém tem nada disso.”

Quando deixou de fazer smartphones, a BlackBerry Limited também se livrou do BBM. O fim oficial do serviço que conquistou milhões de subscritores foi a 31 de maio de 2019. “A indústria tecnológica é muito fluída e, apesar dos nossos esforços substanciais, os utilizadores passaram para outras plataformas, enquanto os novos utilizadores provaram ser difíceis de arranjar”, disse a Emtek, a empresa que passou a controlar o serviço, no anúncio feito em abril de 2019.

Uma pesquisa rápida na internet prova que, 39 após a criação, a BlackBerry continua a existir, mesmo sem fazer smartphones. Aliás, só em janeiro do ano passado é que a infraestrutura e serviços usados pelo software para equipamentos móveis foi descontinuada. A área da segurança, em tempos um dos pontos mais interessantes para conquistar os clientes corporativos, é hoje o principal negócio da empresa. “Em 2017, a BlackBerry reinventou-se como uma companhia de software focada em disponibilizar tecnologias que garantem segurança para todos os dispositivos e sistemas de que os negócios dependem.” A lista de serviços da empresa hoje em dia inclui comunicações de voz e digitais encriptadas, segurança para a indústria automóvel e dispositivos conectados.

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