João Galamba, o ministro que esteve quase para deixar de o ser mas foi segurado por António Costa depois da crise política causada pela polémica reunião secreta com a então CEO da TAP, prepara-se para retomar a agenda. E já tem previstas reuniões com os sindicatos das áreas que tutela. Segundo informação recolhida pelo Observador junto de duas estruturas sindicais, esta sexta-feira Galamba vai reunir-se com o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias (SNTAP) e, na segunda-feira, com sindicatos da CP.

O primeiro ato oficial público de João Galamba enquanto ministro das Infraestruturas foi uma reunião com o SNTAP que, na altura, cumpria uma greve às segundas e sextas-feiras que afetava o funcionamento das cadeias de abastecimento. Foi a sua primeira vitória: após a reunião “muito positiva”, o sindicato desconvocou a greve, preferindo dar o “benefício da dúvida”, um “voto de confiança”, a João Galamba.

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Não que tivessem visto cumpridas as suas reivindicações de atualização salarial para 2023, mas porque Galamba lhes fez uma promessa: segundo Serafim Gomes, presidente do sindicato, disse-lhes que tinha “grandes projetos de desenvolvimento para os portos”, onde se incluíam as matérias salariais, mas que “precisava de tempo” para os preparar. “Deu a sensação de que havia vontade de João Galamba de desenvolver toda a atividade dos portos, pareceu-nos que tinha um interesse especial em melhorar a performance dos portos”, avalia o sindicalista, que também viu com bons olhos o facto de “puxar para ele próprio a tutela dos portos, não a entregar a um secretário de Estado”.

As duas partes acordaram uma janela temporal de três meses até que a proposta fosse apresentada aos sindicatos. O SNTAP viu esta posição como uma abertura do diálogo. “Achámos que era uma posição sensata e que era responsável da nossa parte não mantermos a greve”, explica, em declarações ao Observador.

Mas passaram três… quatro meses. Dia 9 de maio completam-se quatro meses e ao sindicato não tinha, até esta quarta-feira à tarde, chegado qualquer proposta. “Já comunicámos que está a acabar o prazo e precisamos de dar uma resposta aos nossos associados. O problema continua em aberto, exatamente como quando nos vimos obrigados a avançar para a greve”, avisa.

“Nunca demos tanto espaço de tempo para resolver problemas, para a respetiva tutela encontrar uma solução, como o fizemos agora. Mas comprometemo-nos com isso e cumprimos”, afirma. Só que o tempo, e a tolerância, do sindicato estão a chegar ao fim e o SNTAP “já não tem margem para adiar” mais a questão.

A reunião de sexta-feira, que o gabinete de Galamba confirmou esta quarta-feira ao sindicato, vai ser decisiva para um de dois caminhos: a manutenção da “paz social” que se vive nos portos ou o regresso à greve. No encontro, que devia ter acontecido esta quarta-feira mas foi adiado pela tutela, o sindicato quer já ver uma proposta concreta de Galamba. É por esse trabalho que Serafim Gomes acredita estar a ser feito pela tutela, que não tende a apoiar a saída do ministro.

“Em termos de política geral… já nem sei muito bem, porque há tanto informação contraditória ou pouco clara.” Mas para o nosso processo de valorização salarial, tendo em conta as “expectativas” criadas, admite que ao manter-se como ministro o processo não ficaria ainda mais atrasado. “É evidente que é mais fácil falar com quem já acompanha o processo há uma quantidade de meses do que estar outra vez a colocar a questão de novo a um novo ministro que venha”, afirma.

Depois de sexta-feira, segunda-feira é a vez de os sindicatos da CP se reunirem com o ministro, diz ao Observador Luís Bravo, do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI). O sindicato vai procurar esclarecimentos sobre a aplicação dos aumentos intercalares à CP. É que se já é claro que os trabalhadores da empresa vão ter direito à subida salarial intercalar de 1%, o decreto não é tão claro quanto ao aumento de 80 cêntimos por dia no subsídio de refeição, que vai aplicar-se à função pública. Essa questão “será importante” para os sindicatos decidirem avançar ou não com novas greves.

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O sindicato só reuniu com Galamba uma vez, antes da greve de fevereiro que paralisou dezenas de comboios, em que se discutiram os aumentos salariais de 3,49%, em média, que para os sindicatos sempre foram insuficientes tendo em conta a inflação “galopante”, e em que Galamba defendeu a posição do Governo para o setor empresarial do Estado. “Se houve tentativa [de desconvocar a greve], foi sem expressão, sem proposta nenhuma em termos de melhorar a situação que nos levasse a essa decisão”. A expectativa é que “haja avanços” na reunião de segunda-feira.

Para Luís Bravo, Galamba está no cargo “há tão pouco tempo que ainda não podemos fazer uma avaliação” sobre se devia sair ou ficar. O sindicato, diz, é alheio ao que apelida como “politiquices”. “Para nós, trabalhadores, estas situação de gabinetes é indiferente, estamos é preocupados com o aumento do custo de vida, a aplicação dos fundos do PRR na ferrovia, os investimentos em material circulante, investimentos para valorizar os trabalhadores.”

O Observador pediu confirmação ao Ministério das Infraestruturas sobre as datas das reuniões, mas aguarda resposta.

Sindicatos divididos entre dois Galambas: o que “não tem condições” para continuar e o que “não teve tempo” para mostrar o que vale

A opinião não é unânime entre os sindicatos de setores tutelados por João Galamba. Entre os sindicatos contactados pelo Observador — da aviação, ferrovia e dos portos — há quem defenda que Galamba não tem condições para continuar pela “falta de transparência” que “fica no ar”, e que “prejudica” a credibilidade do ministério. Mas também quem considere que o ministro ainda não teve tempo para mostrar as suas capacidades. Um sindicato — que lhe deu o “benefício da dúvida” — aguarda com expectativa o cumprimento, em breve, de promessas feitas há meses quando, em janeiro, tomou posse. Para este grupo, uma substituição nesta altura só iria adiar um processo negocial que já devia estar resolvido.

Dos dirigentes sindicais ouvidos pelo Observador — nenhum deles contactado por António Costa, que, como o Observador escreveu, auscultou agentes de setores tutelados pelo ministro e recolheu impressões sobre o ministro — Ricardo Penarróias, presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), é o mais crítico de João Galamba. “Perante tudo o que se tem passado, e não colocando a competência em causa, parece-me que já não tem condições para se manter”, afirma, ao Observador. Para o sindicalista, há agora uma névoa de suspeição que paira sobre o ministério e lhe retira credibilidade — e que não fica sanada com a saída de Frederico Pinheiro, adjunto do ministro. “Deu-me ideia que existe falta de transparência. A falta de transparência fica no ar. Ficará sempre na dúvida o que é verdade e mentira, e quando isto acontece a um governante acho que as condições são mínimas”, acredita.

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As polémicas que surgiram com a reunião secreta em que participaram Christine Ourmières-Widener, o deputado do PS Carlos Pereira e o adjunto de Galamba, Frederico Pinheiro, deixam claro, para o sindicalista, que “existe uma falha e uma rutura dentro do próprio Ministério”. “O representante máximo é que tem de assumir a sua responsabilidade, não os adjuntos”, aponta Penarróias, para quem “Galamba poderá tentar vender um pote de ouro, mas ninguém vai aceitar nem compreender”. O sindicalista concorda com outros dirigentes quando dizem que o ministro precisa de “tempo”, mas o tempo que os sindicatos estão dispostos a dar “não pode ser eterno”.

A relação entre o SNPVAC e Galamba já “começou mal” e esse arranque torto pode estar a influenciar a posição mais crítica de Penarróias, admite o próprio sindicalista. Em janeiro, Galamba expressou, em comunicado, confiança de que o sindicato iria desconvocar a greve marcada para os dias seguintes, antes de o próprio sindicato reunir a sua assembleia-geral. Essas declarações públicas não caíram bem junto dos associados e deixaram a liderança do sindicato com um problema em mãos. Foi “um grande desconforto”, lamenta.

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Penarróias fala em “falha de comunicação” e quando foi ouvido no Parlamento, na comissão de inquérito à gestão da TAP, admitiu mesmo que a postura de Galamba na altura denotou um certo “desconhecimento da realidade”. Ainda assim, diz não querer fazer do “lapso” um “cavalo de batalha”, mas lamenta que Galamba não tenha esclarecido as declarações.

André Teives, do Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos (STHA), tem outra visão: as interações que teve com Galamba, apesar de terem sido poucas (apenas se reuniram duas vezes, as mesmas que o sindicato de Penarróias), “correram muito bem”. “Não tenho razão nenhuma de queixa”, refere, ao Observador.

O primeiro encontro aconteceu em janeiro, após a tomada de posse, marcado cerca de dois dias depois de o sindicato o ter pedido, “o que é um bom indicador”, avalia. Nesse encontro, Galamba “ouviu muito mais do que falou” e “o que disse pareceu-me acertado”, conta Teives, que soma 20 anos de experiência a lidar com governos e administrações da TAP. “No fim falou e mostrou que esteve com atenção, isso é o que falta na política muitas vezes”.

Nesse encontro, notou-se que ainda estava a “inteirar-se” do dossiê da TAP. “O Ministério das Infraestruturas é gigantesco, acho que às vezes não se tem noção disso”, acrescenta. A segunda reunião já foi a pedido de Galamba, “para falar sobre o novo modelo de governance”, a saída de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja e a consequente entrada de Luís Rodrigues. Segundo o sindicalista, Galamba pediu que os sindicatos “dessem tempo a quem aí vem gerir a TAP para se inteirar”.

E é de tempo que André Teives acredita que Galamba precisa. “Não há super homens. É preciso tempo para estudar as coisas. Julgo que no caso da TAP, três, quatro meses para se inteirar é pouco”, defende, desvalorizando as “infelicidades” que vieram a público nos últimos dias. “Fazer um juízo de valor mais abrangente de uma pessoa ou de um exercício de um cargo por causa dessas infelicidades, parece-me exagerado”.

Galamba chamou a si alguns setores diretamente. Setores aguardam trabalho

Sindicatos à parte, o setor tutelado por Galamba que tem sido mais visível é o da aviação, em particular por causa da TAP, no âmbito da qual prometeu, quando chegou ao Ministério, deixar a gestão para a gestão. Mas entretanto, e foi já como líder das Infraestruturas, que demitiu Christine Ourmières-Widener e o chairman da TAP, Manuel Beja. A restante administração — incluindo o administrador financeiro, Gonçalo Pires, que assumiu ser amigo do ministro — continuou. Luís Rodrigues assumiu, a 14 de abril, a liderança bicéfala da TAP, também já com a assinatura de Galamba. Ainda relacionado com a TAP, Galamba deu também a cara, ao lado do ministro das Finanças, Fernando Medina, pelo arranque da privatização da TAP. Na mesma altura em que se decide a localização do aeroporto de Lisboa, do novo.

A comissão técnica independente criada para fazer a avaliação estratégica da infraestrutura apresentou já nove soluções que vão ser estudadas de forma mais aprofundada. E a sua presidente assumiu, em entrevista ao Observador, que o Governo tem respeitado a sua independência.

“Se for uma Iberia a comprar a TAP, mais vale arrumar as botas”, avisa presidente da comissão do novo aeroporto

Quando chegou ao Ministério das Infraestruturas, Galamba escolheu Frederico Francisco como secretário de Estado das Infraestruturas, o único do seu Ministério. Frederico Francisco tem quase só na sua delegação de competências o setor ferroviário, embora apanhe um pouco a rodovia ao ter também sob sua dependência a IP – Infraestruturas de Portugal e o IMT.

De resto é João Galamba que tem todos os setores do seu ministério: aviação, portos, rodovia, telecomunicações. Neste último está prevista a sua presença na próxima semana, 10 de maio, no congresso do setor da APDC, que este ano é presidido por Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia. Já esteve reunido também com empresas das telecomunicações. Assumiu, segundo apurou o Observador, humildade no desconhecimento técnico da indústria, mas, segundo revelam gestores desta área, mostrou vontade de mudança e de trabalhar com um setor que tem andado de costas voltadas com o presidente do regulador Anacom, João Cadete de Matos, que termina o mandato este ano. É por isso que o trabalho de Galamba é, também aqui, visto com expectativa.

É ainda uma entrada recente e precisam de tempo para uma avaliação mais profunda. Esta é a mensagem de quase todos os que ao Observador falaram do ministro que quase deixou de o ser. Se os portos foram uma das suas primeiras preocupações quando iniciou funções, a 4 de janeiro, foi com pouco mais de um mês de “casa” que anunciou que os CTT iam deixar de vender raspadinhas, no mesmo momento em que elogiou a gestão dos CTT, que tinha também chocado de frente com a Anacom.

Galamba já esteve no Parlamento como ministro das Infraestruturas. Teve atritos com alguns deputados (em particular do Chega), mas tentou mostrar que os dossiês estavam dominados. Mas o tema voltaria sempre à TAP. E é também pela TAP que deverá voltar ao Parlamento. Os deputados aprovaram esta quarta-feira a audição “imediata” e “com máxima urgência” do ministro João Galamba.

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