A economia global, a geopolítica e a forma como a guerra que assola a Europa está a afetar o mundo empresarial, a gestão dos recursos naturais e energéticos e a gestão do talento foram analisados à lupa por Paulo Moita de Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa, que abriu mais um Encontro Fora da Caixa, numa edição que decorreu em Ílhavo sob o tema maior de “A Economia do Mar”.

Na sua intervenção, Paulo Moita de Macedo enfatizou o facto de, hoje, as taxas de juro estarem bastante mais altas do que as previstas há dois anos, apesar de com algum nível de estabilização.

Para o gestor, a inflação alta, em paralelo a um crescente risco financeiro, será um desafio para os bancos centrais, com diferentes reptos nos Estados Unidos e Europa, cujo sistema financeiro é regulado de forma distinta. “Nos Estados Unidos, os bancos não têm exatamente os mesmos mecanismos de liquidez” do que os europeus, dando como exemplo os recentes dossiers do Credit Suisse e Silicon Valley Bank.

Cadeias de abastecimento são fundamentais

No capítulo da geopolítica, as alterações às cadeias de abastecimento foi o acontecimento mais relevante, no entender de Paulo Moita de Macedo. “Dificilmente voltaremos a ter encomendas a um só país, a uma só fábrica que produza numa geografia muito distante, que nos afeta não só a cadeia de abastecimento, mas a colocação dos produtos no mercado”, disse na sua intervenção, dando como exemplo a frase de um empresário: “O meu problema é que não posso vender 99,9% de um carro”. As materializações destas questões vieram em forma de investimento, nomeadamente em armazéns e logística, “precisamente para prevenir estas situações. Passamos do just in time para just in case“.

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Fruto de todas estas alterações, Paulo Moita de Macedo citou as prioridades do European Bank Authority para o 2023-2025, nomeadamente combater os riscos geopolíticos, a inflação e o aumento de preços e taxas de juro. “Aos bancos as recomendações é de gerirem adequadamente os riscos operacionais assim como as transições”, seja digital ou energética.

No seu discurso, o Presidente da Comissão Executiva da Caixa abordou ainda as condições necessárias para promover a competitividade, nomeadamente o facto de as grandes empresas deixarem de ser vistas como inimigas do desenvolvimento, onde aplicar o capital intensivo, a redução do peso das empresas zombie na economia e os custos de contexto específicos que penalizam o sucesso e a dimensão, nomeadamente no que à fiscalidade, regulação, burocracia e justiça diz respeito.

Relativamente ao apoio da Caixa ao hypercluster Economia do Mar, Paulo Moita de Macedo menciona que mais de quatro mil clientes têm CAE pertencente a este setor, com 31% dos clientes ativos, segundo o gestor, a serem apoiados com financiamento da Caixa. “Cerca de 70% dos clientes ligados à economia do Mar com exposição creditícia na Caixa têm um rating ESG satisfatório ou bom”.

Concertação em tons de azul

José Maria Costa, secretário de Estado do Mar, à conversa com o host do Observador, Paulo Ferreira, admite que estamos num tempo diferente, no qual o mar e os oceanos ganharam uma enorme centralidade.

Os desafios, neste setor vão ocorrer, segundo José Maria Costa, em três áreas fundamentais. Primeiro, no denominado green shipping, que implicará a transformação dos portos, das cadeias logísticas, dos novos combustíveis e da própria construção naval. Uma segunda área apontada pelo governante foi a das energias renováveis offshore, “do qual o nosso país tem uma enorme ambição”, com o primeiro-ministro António Costa a ter a ambição de atingirmos os 10 GW em 2030 de produção de energia renovável, a classificação de 30% das áreas marítimas protegidas e ainda aumentar o número de startups e empresas ligadas à economia azul. A terceira área centra-se na aquicultura sustentável.

O secretário de Estado do Mar explicou detalhadamente os projetos que estão a ser planeados, ou já em execução, como o Hub Azul que comporta cerca de 87 milhões de euros, a Agenda Mobilizadora Nexus ou o InovaMar, para que o País possa tirar o maior partido do que o mar pode oferecer a nível económico, numa altura em que a transformação energética está na ordem do dia.

No evento, José Maria Costa enfatizou o facto de a economia do Mar representar cerca de 5% das exportações, com um valor acrescentado bruto a rondar os 4,1%. “Somos o sétimo País da União Europeia com melhores indicadores”. Aliás, o governante não tem dúvida de que, neste capítulo, “Portugal é olhado como um espaço com ambiente favorável e acolhedor para a inovação”.

Uma taskforce para o mar

Em maio do ano passado foi lançada a iniciativa de uma taskforce para a área do mar com o objetivo de potenciar o contributo do mar para a economia do país e reforçar a posição e a visibilidade de Portugal no mundo, enquanto nação eminentemente marítima. Um grupo de trabalho que integra as Forças Armadas, o Turismo de Portugal, a Fundação Oceano Azul, entidades públicas e privadas e agentes setoriais ligados à economia do mar. “Temos já alguns projetos em desenvolvimento como o das energias renováveis oceânicas”, que está a iniciar o plano de afetação e que vai permitir “ter uma capacidade de investimento na ordem dos 40 mil milhões de euros e uma previsão de ocupação, segundo a APREN de 30 mil postos de trabalho”, salientou José Maria Costa, secretário de Estado do Mar.

Uma fórmula azul

O Fórum Oceano, com 12 anos de existência, assume-se como um cluster de competitividade com 140 associados de todos os setores da economia azul, desde pescas, aquacultura, turismo, transporte marítimo ou portos. Segundo o secretário-geral Rúben Eiras, o Fórum Oceano representa 50% do PIB azul português e foca-se em catalisar ecossistemas de inovação que consigam gerar modelos de negócio que sejam lucrativos, mas com sustentabilidade, com impacto positivo ambiental e social. “Fazemos isso sendo uma plataforma agregadora de todos os stakeholders importantes, como as empresas, os centros de investigação e desenvolvimento, os fundos de investimento, entidades financeiras e as entidades públicas”.

Digitalizar, descarbonizar e circular é a fórmula defendida pelo Fórum Oceano para garantir uma economia azul “de impacto sustentável”, defende Rúben Eiras, justificando que para conseguir descarbonizar um sistema energético, para conseguir “circularizar” um processo produtivo é preciso a melhor informação, e em tempo real. “Só assim vou conseguir saber qual o real impacto negativo que tenho que reduzir dos meus processos produtivos, como também o caminho para conseguir ser mais lucrativo, prejudicando menos o ambiente e com maior eficiência nas operações”.

Na sua intervenção, Rúben Eiras apresentou conceitos associados a novos modelos de negócio para que se possa extrair do mar o máximo do seu potencial, muito assente nas plataformas tecnológicas que estão a ser desenvolvidas para o efeito.

Um otimismo relativo

O debate empresarial, moderado por Paulo Ferreira, contou com um elenco de luxo: Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos, Nuno Araújo, presidente da Comissão Executiva do Grupeixe Produtos Alimentares, Nuno Marques, presidente da Comissão Executiva do grupo Visabeira, Rémy Silva, diretor financeiro do grupo RODI Industries e Tiago Quaresma, administrador do grupo O Valor Do Tempo, que extrapolaram os maiores desafios que os seus setores enfrentam.

Nuno Araújo destacou, por exemplo, a dificuldade em planear, fazer orçamentos e planos de negócios face a todo o contexto económico. “Mas estamos positivos e confiantes no futuro, apesar de com alguma prudência”.

Igualmente otimista está Nuno Marques, do Grupo Visabeira que, apesar de tudo, assume alguma prudência em dizer que o pior já passou. “Os últimos anos foram muitíssimo desafiantes. O ano passado teve reptos notáveis com o incremento do custo de energia que afetou os negócios”, nomeadamente o da Visabeira, com a área industrial a ter “impactos fortíssimos”. Para 2023, o gestor assume que será um ano “com reservas”.

Rémy Silva, diretor financeiro do grupo RODI Industries, que investe no setor das bicicletas, escapou à crise. “Tudo o que esteve ligado à mobilidade elétrica e setor de duas rodas vem de um período muito positivo”, com Portugal a ser líder europeu neste segmento. “Neste aspeto, a Covid 19 foi benéfica pois as pessoas investiram para poderem fazer o seu passeio”, explicou o gestor à plateia que encheu por completo a Casa da Cultura de Ílhavo. Uma atitude que inclusivamente permitiu à grupo RODI Industries duplicar a faturação ligada ao setor das bicicletas.

“Ao nível da eletricidade, tínhamos um contrato com preços fechados pelo que não tivemos grande impacto”. Assim, para Rémy Silva, os desafios começam agora, pois o mercado está a ajustar-se, não permitindo um crescimento tão vincado como os registados nos últimos dois anos. “Mas será sempre mais positivo do que antes”.

Após sobreviverem a uma crise sanitária com confinamentos à mistura, a empresa “O Valor Do Tempo” – que vive do retalho turístico em 14 centros históricos do País -, tem alguma dificuldade em imaginar um pior cenário. “Uma vez ultrapassada a pandemia nós, que já somos naturalmente otimistas, obviamente estamos mais otimistas”. A sua preocupação principal prende-se com encargos financeiros, “uma fatura atrasada da pandemia”. Mas, ao mesmo tempo, diz o administrador Tiago Quaresma, é possível encarar todo este contexto como uma oportunidade “enquanto País para procurarmos mais o valor acrescentado”.

Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos, admite que, desde a pandemia, houve uma sucessão de imprevistos inimagináveis, mas que, na sua opinião, as empresas se têm adaptado. “Desde agosto do ano passado que a preocupação dominante era a inflação. Mas hoje acredito que essa preocupação se centra mais no aumento das taxas de juro e na capacidade das famílias e empresas em acomodarem esse aumento”. Até agora, quer do lado das empresas, quer das famílias, ainda não se sente um impacto visível, diz Francisco Cary, não se repercutindo por isso num aumento de incumprimento.

Educar para o mar

Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, fez a intervenção final nesta edição do ‘Encontro Fora da Caixa’, reforçou o importante papel desta instituição na Economia do Mar, com particular ênfase ao Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM). O reitor salientou que este centro “tem uma intensa atividade na área do mar e nos ecossistemas costeiros”, estando “fortemente internacionalizado, olhando para os problemas do mar de uma forma multi e transdisciplinar, sem descurar o apoio à decisão e às políticas públicas”.

Na sua intervenção, destacou ainda algumas infraestruturas desta instituição na área do mar e que possuem ligação à cidade de Ílhavo, citando exemplos como o CITAQUA (Centro de Inovação e Tecnologia em Aquacultura) e o ECOMARE (Laboratório Inovação e sustentabilidade dos Recursos Marinhos).

Identificou também, pela sua relevância na investigação sobre o mar, os objetivos de alguns projetos científicos que integram o CESAM como o Restore4C, o BESIDE, o A-AAgora, o BlueCC, um projeto aprovado recentemente, o WINBIG e o Sea2See. “Temos hoje mais de 100 projetos em consórcios com empresas e temos como ambição duplicar esse número no próximo quadriénio”.