Notícia atualizada esta sexta-feira com correção da resposta enviada pela Presidência do Conselho de Ministros e com a indicação que o gabinete do primeiro-ministro também me fornecido a partir do contrato da Endesa com a Presidência do Conselho de Ministros. 

A Endesa é a fornecedora de eletricidade a, pelo menos, 150 entidades públicas, quase todas dependentes do Estado, estando a maioria, em tese, abrangidas pela medida “preventiva” assinada por António Costa, que exige a validação prévia de todas as faturas a pagar à elétrica espanhola. A este número somam-se várias autarquias e empresas, como a Infraestruturas de Portugal e a Carris, que contrataram a Endesa para fornecimentos de curto prazo em procedimentos próprios.

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De acordo com os dados da ESPAP, a entidade pública que centraliza os concursos de fornecimento de serviços do Estado, a Endesa é a responsável pelo fornecimento de três dos quatro lotes de contratos a concurso durante este ano: A, B e C . Foram adjudicados ao abrigo do acordo-quadro que foi assinado em 2019 com várias empresas de eletricidade. Apenas o lote D, no montante de 31,6 milhões de euros, está entregue à Petrogal.

Os contratos com a Endesa totalizam 105,6 milhões de euros e envolvem na sua maioria serviços públicos, cobrindo escolas e universidades, forças de segurança e militares, hospitais e várias direções do Governo, incluindo a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que tem a tutela administrativa do setor energético. Está ainda incluída a secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros, que por sua assegura o fornecimento de eletricidade ao gabinete do primeiro-ministro, confirmou esta entidade ao Observador.A elétrica espanhola tem os contratos de maior valor, apesar de a Galp fornecer mais clientes ao abrigo do mesmo acordo-quadro (mais de 400).

Os dados foram enviados ao Observador pela Presidência do Conselho de Ministros (PCM) que tem a tutela da Espap (Entidade de Serviços Partilhados do Estado) e remetem para os contratos assinados ao abrigo de um acordo quadro de fornecimento de eletricidade em regime de mercado livre lançado em 2019 e que está em vigor até 2024. Neste procedimento, foram selecionados em 2020 cinco fornecedores: Axpo Energia, a Ibedrola, a Endesa, a EDP Comercial e a Petrogal (Galp Energia).

Em 2021, o bolo do abastecimento a clientes públicos atingiu o montante total de 47,6 milhões de euros, tendo a Endesa sido a principal fornecedora com dois lotes que somaram 33 milhões de euros. Mas a importância da elétrica espanhola como fornecedora do Estado ganhou mais força este ano, com os tais três lotes no valor superior a 100 milhões de euros. Um aumento da fatura do Estado com a energia elétrica será sobretudo explicado pelo agravamento dos preços, que começou a registar-se a partir de meados do ano passado.

A elétrica espanhola foi visada num despacho de António Costa esta semana por “ameaças especulativas nos preços”, o qual estabelecia ainda que, “para evitar a descontinuidade do serviço, devem os referidos serviços públicos e a ESPAP proceder cautelarmente a consultas de mercado, para a eventual necessidade de contratação de novos prestadores de serviço que mantenham práticas comerciais adequadas”. Mas a Endesa foi também já selecionada para fornecer as mesmas entidades públicas no próximo ano.

A resposta inicial dada pela PCM ao Observador indicava que a Endesa tinha sido já selecionada para fornecer os mesmos lotes de clientes públicos para 2023, ao abrigo do acordo-quadro celebrado pela ESPAP. Numa correção enviada depois do artigo publicado, a PCM refere que afinal que a Endesa apresentou a melhor proposta para 2022, mas que o concurso para o fornecimento de eletricidade em 2023 ainda vai ser lançado em setembro. “O procedimento para contratação centralizada de energia para 2023, ao abrigo do acordo-quadro, encontra-se em fase de preparação, estando previsto o seu início em setembro para garantir o fornecimento a partir de 1 de janeiro de 2023”.

Serão convidados todos os operadores selecionados e o critério de seleção é a proposta economicamente mais vantajosa, que ofereça o preço mais baixo.

Teto ibérico para travar preços da luz pode sair caro? Quem tem razão?

O despacho que aponta à Endesa foi a resposta às declarações feitas pelo presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, que indicaram aumentos até 40% nas faturas da eletricidade a partir de julho e agosto, por força dos custos do mecanismo ibérico criado para travar o preço do gás no mercado grossista da eletricidade. O Governo já tinha qualificado estas afirmações de alarmistas e desmentido um aumento daquela dimensão, sobretudo para os clientes residenciais. Mas o despacho de António Costa foi mais longe e determinou que os serviços de administração direta e indireta do Estado não podem proceder ao pagamento de quaisquer faturas emitidas pela Endesa, independentemente do seu valor prévio, sem a validação prévia do secretário de Estado da Energia, João Galamba.

Costa determina que pagamentos do Estado à Endesa têm de passar primeiro por secretário de Estado João Galamba

Perante as dúvidas legais suscitadas por juristas ouvidos pelo Observador, o gabinete do primeiro-ministro veio entretanto esclarecer que o objetivo do despacho é preventivo e de alerta para outros clientes da elétrica espanhola e não implica uma mudança nos contratos. O que está em causa é uma mudança do processo de validação interna dos pagamentos, tendo sido adotada também porque, no comunicado da Endesa que se seguiu às reações suscitadas pela afirmação do seu presidente, a empresa comprometeu-se a cumprir os preços contratuais dos residenciais sem referir os empresariais, onde se enquadram a maioria dos contratos do Estado.

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Segundo clarificou ao Observador, numa outra resposta, o gabinete de António Costa, a diretiva do primeiro-ministro abrange um vasto universo de entidades que vai desde secretarias-gerais, direções gerais, inspeções-gerais, entre outros, passando por entidades de administração indireta do Estado, institutos públicos e empresas públicas. As autarquias ficam de fora.

Galamba vai validar todas as faturas? Não necessariamente

Mas o que significa na prática esta condicionante? Irão cair na mesa de João Galamba, secretário de Estado do Ambiente e Energia, todos os meses, centenas de faturas para verificação (cada contrato pode envolver mais do que uma faturação)? Como o próprio gabinete do primeiro-ministro já fez questão de esclarecer, esta ordem funciona como um aviso à navegação, que serve também para alertar outros clientes para a necessidade de estarem atentos às faturas.  Sobretudo num quadro em que ainda existe incerteza sobre como vão as faturas da eletricidade subir e se essa subida é causada pelo mecanismo ibérico ou se o mecanismo, como defende o Governo, evita que a subida seja maior, já que será inevitável face à escalada dos preços grossistas do gás e da eletricidade no último ano.

A maioria das faturas têm vencimento mensal, mas há um período de 30 a 60 dias, que varia por contrato, para verificação do valor antes de efetuar o pagamento. A validação dessas faturas competiria aos serviços que contrataram os fornecimentos, mas caso essa competência seja centralizada no secretário de Estado da Energia, ela poderá ser delegada na Direção-Geral de Energia e Geologia, onde estão os meios humanos com qualificação técnica para o fazer, admite um jurista contactado pelo Observador.

O maior cliente público em valor da Endesa é EDIA — Empresa de Desenvolvimento das Infraestrutura do Alqueva — com um contrato de 21 milhões de euros sem IVA. O presidente da EDIA, José Salema, já tinha alertado, em entrevista ao Observador no início do ano, para o impacto do aumento da fatura da empresa com energia, que só se agravou com os efeitos da guerra da Ucrânia. A EDIA usa eletricidade no sistema de bombagem que transporta a água para as áreas abrangidas pelo regadio.

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Na lista de entidades remetidas ao Observador estão o Instituto da Segurança Social (4,8 milhões de euros) e o IEFP, a Guarda Nacional Republicana (4,4 milhões de euros), a PSP e a PJ, a Marinha, o Exército e a Força Aérea, o Fisco e o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica).

A ESPAP desenvolve iniciativas de contratação centralizada de eletricidade para as entidades da administração direta e indireta do Estado bem como para as entidades do setor público empresarial. Os procedimentos de consulta prévia são realizados ao abrigo do acordo quadro de eletricidade celebrado pela ESPAP, sendo para o efeito convidados a apresentar proposta todos os cocontratantes contidos no acordo quadro. A entidade recolhe todos os anos as necessidades das entidades, desenvolve o modelo de negociação, designadamente através da segregação das necessidades em diversos lotes, e procede à condução do procedimento pré-contratual, que recorre à realização de leilões eletrónicos para a maximização dos resultados obtidos, com vista à contratação do fornecimento de eletricidade para o ano civil seguinte.

Para além dos clientes desta lista, a pesquisa realizada no Portal Base revela ainda outros contratos em vigor como a da Carris e o Infraestruturas de Portugal — cujo prazo é inferior a um ano — para além de inúmeras autarquias. A Endesa é atualmente o maior fornecedor de eletricidade a grandes clientes em Portugal.

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