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AFP/Getty Images

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De onde vem o dinheiro para o terrorismo? Do petróleo

O Estado Islâmico, que reivindicou a autoria dos atentados desta semana em Bruxelas, financia as suas atividades com os milhões que ganha no petróleo. Mas tudo isso pode estar ameaçado.

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O grupo terrorista que se autoproclamou Estado Islâmico enfrenta atualmente a mais forte ofensiva militar contra a sua indústria petrolífera. É sabido que o setor rende milhões à economia do Daesh, mas só agora se percebeu o nível de organização, profissionalismo e eficiência nestas atividades. Este lado corporativo do Califado é difícil de conjugar com a violência gratuita e barbárica que caracteriza o grupo nos media ocidentais. Mas é uma realidade que ajuda a preservar os territórios e a satisfazer as necessidades das populações desses locais que controla.

Quando o grupo continua a levar a cabo atentados como os desta semana em Bruxelas, mas começa a sentir a pressão (um dissidente terá divulgado 22 mil fichas dos seus militares, que serviços secretos de vários países estão a analisar e que podem servir para ataques cirúrgicos) e o cerco a apertar-se (os EUA e a Rússia têm levado eliminado alvos específicos), é altura de fazer o ponto de situação dessa fonte de financiamento tão importante.

Uma questão de perceção

Através de documentos divulgados pelo governo americano, analisados pelo Iraq Oil Report e corroborados por contactos no terreno, foi possível compreender exatamente a extensão da indústria petrolífera do Estado Islâmico (EI) e as suas capacidades operacionais.

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Em maio de 2015, uma missão das operações especiais americanas conseguiu eliminar Abu Sayyaf, o líder do EI responsável pela indústria petrolífera do grupo na Síria, e recuperar 7 gigabytes de informação referente às operações petrolíferas do Califado, a maior quantidade de informação alguma vez recuperada por uma única missão das forças especiais americanas.

As operações petrolíferas do EI são altamente optimizadas, com salvaguardas para impedir desvios e corrupção, com auditorias regulares e uma gestão técnica operacional altamente profissional que permitiu ao Califado minimizar os efeitos dos ataques aéreos da coligação à sua indústria petrolífera no primeiro ano de conflito.

Isto aconteceu em parte porque os Estados Unidos e aliados resistiram à ideia de destruir diretamente as estruturas petrolíferas iraquianas e sírias e focaram os seus ataques em infraestrutura menos essencial mas desestabilizadora. A coligação acreditava ser possível preservar este setor tão importante para a economia local e mundial, evitando reconstrui-la depois de o EI ter sido derrotado.

A estratégia estava em linha com a crença de que o grupo não teria capacidade técnica de reparar os danos causados e que os ataques impediriam efetivamente a produção. Mas não era o caso.

O que os documentos de Abu Sayyaf vieram provar é que o EI conta com uma equipa formidável de técnicos e engenheiros de petróleo que monitorizam de perto as operações de extração, transporte e refinamento do crude no país. O próprio Abu Sayyaf supervisionava 125 militantes do EI, que por sua vez controlavam as operações de 1600 trabalhadores de petróleo, que trabalhavam em mais de 200 cabeças de poços e mantinham uma grande capacidade de recuperar as estruturas afetadas pelos raides aéreos.

Muitos destes trabalhadores do petróleo mantiveram-se nos seus postos depois da invasão do EI mas, por toda a região, a liderança do Califado agiu com a eficiência de uma agência de recursos humanos, contratando talento técnico enquanto verificava de perto os antecedentes e afiliações ideológicas dos contratados. Altos salários aliados à crise que deixou mais de 250 mil profissionais da área petrolífera no desemprego facilitaram muito esta operação de caça talentos.

É importante ter em conta que os sistemas petrolíferos do médio oriente são dos mais rentáveis do mundo – porque contêm petróleo muito leve em reservatórios com alta pressão e baixa profundidade. Os documentos recolhidos pelo exército americano continham informações detalhadas de performance de reservatórios, indicando que mesmo em zonas onde as infraestruturas foram totalmente destruídas por raides aéreos, muitos poços têm pressão suficiente para continuar a jorrar petróleo sem elevação artificial ou qualquer tipo de apoio mecânico, apesar de se ter reduzido significativamente a sua capacidade produtiva.

Quando a coligação destrói uma cabeça de poço, os militantes do EI limitam-se a abrir buracos no chão onde armazenavam o petróleo e a partir dos quais enchem camiões-tanque. Por isso, apesar dos esforços da coligação, a produção petrolífera continua.

Tidal Wave II

Tidal Wave II é o nome da nova missão de ataque à capacidade petrolífera do EI. Desde outubro de 2015 que, informada pelos documentos de Abu Sayyaf, a coligação liderada pelos Estados Unidos, as forças iraquianas, os Peshmerga curdos e forças paramilitares apoiadas pelo Irão, têm focado os seus esforços em destruir as estruturas petrolíferas do Estado Islâmico, com relativo sucesso.

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Segundo fontes americanas, a coligação e aliados conseguiram reconquistar ou inviabilizar todos os poços produtores de petróleo do Estado Islâmico no Iraque, com a exceção do campo de petróleo de Qayarah e da refinaria adjacente.

A situação é hoje muito diferente do que era no verão de 2014. Os dois campos mais produtivos do EI, Hamrin e Ajil, grandes responsáveis pelo pico produtivo do Estado Islâmico que se estima ter chegado aos 70 mil barris de crude por dia, foram recuperados por forças iraquianas pró-governamentais no início de 2015.

Hoje as operações de exportação de crude do EI parecem ter cessado quase completamente, simplesmente porque o grupo já não produz o suficiente para satisfazer as suas necessidades operacionais e o consumo interno da zona que controla.

Em declarações ao Observador, Angelique Lecorps, consultora sénior da Divisão de Aconselhamento de Risco Estratégico da empresa de segurança G4S no Médio Oriente, aconselha no entanto cautela na avaliação deste aparente sucesso militar. “A extensão do sucesso da operação é difícil de avaliar, com os Estados Unidos a afirmar em dezembro (2015) que os raides aéreos tinham destruído 90% da capacidade de produção petrolífera do EI desde o lançamento da Tidal Wave II. Isto parece ser apoiado por relatórios publicados em janeiro que indicam que o grupo cortou em metade os salários dos seus membros na Síria e no Iraque. Mas este êxito deve no entanto ser visto com moderação, já que vitórias aparentes contra o EI são contrabalançadas por ganhos territoriais do grupo fora da zona central de conflito e por vitórias noutras regiões”, como demonstrado nos atentados de Paris, um mês e meio depois do início da Tidal Wave II.

A operação está em curso, com a coligação a concentrar os seus esforços nos campos de petróleo na Síria e no campo de Qayarah no Iraque. A importância estratégica de Qayarah é considerável, mas reside não na extração de crude mas sim na refinaria, que tem uma capacidade de processamento de 4000 barris por dia.

O crude, qualquer que seja o preço do barril no mercado internacional, é de muito pouco uso quando não é refinado em gasolina, diesel e outros derivados. Sem capacidade de refinar, o Estado Islâmico não tem forma de alimentar a sua zona de controlo e as suas atividades militares e económicas. De facto, a subida ou descida do preço do petróleo internacional não tem impacto significativo no preço dos combustíveis dentro do Califado, já que aqui o valor dos produtos é gerido apenas pela oferta interna, que neste momento se encontra em risco. Por isso é fundamental para o EI manter a refinaria protegida e em funcionamento.

Devemos ter em conta que a própria coligação não terá interesse em parar por completo a produção energética no território controlado pelo EI, como sugeriu ao Observador a Carole Nakhle, especialista em política energética e investimento, e diretora da Consultora Crystol Energy, que tem seguido de perto as movimentações no terreno.

“É dúbio que a produção de petróleo ou o tráfico tenham parado por completo. As pessoas que vivem em territórios controlados pelo EI e que não estão relacionadas com o grupo necessitam ter acesso a energia para sustentarem as suas necessidades básicas e contam com o EI para isso. Parar todo o fornecimento de energia poderá simplesmente piorar as suas condições de vida e criar uma crise humanitária”.
Carole Nakhle, especialista em política energética e investimento, e diretora da Consultora Crystol Energy

Da máquina exportadora à escassez interna

Desde junho de 2014, quando o Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL) invadiu grandes áreas da Síria e do norte iraquiano e declarou a fundação do Califado do Estado Islâmico, a organização estava consciente da importância que a indústria petrolífera teria nas suas operações. As áreas ocupadas incluíam poços de petróleo, infraestrutura de armazenamento e oleodutos cheios de crude e produtos refinados.

Testemunhas locais citadas por vários media internacionais indicaram que apenas dois dias depois de o EI ter ocupado parte da província de Saladin, a sul de Mossul, camiões carregados de petróleo começaram a sair da zona ocupada em direção à Região Curda do Iraque (KRG). A infraestrutura petrolífera conquistada pelo EI estava relativamente intacta aquando da invasão. Imediatamente, os milhões de barris de petróleo armazenados começaram a ser vendidos a traficantes de petróleo locais. O tráfico internacional de petróleo é uma atividade histórica na região, tendo sido usado pelo próprio Saddam Hussein para contornar sanções económicas impostas ao Iraque durante os anos 90.

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A produção petrolífera inicial do EI veio do campo de petróleo Ajil, nas montanhas Hamrin, ao sul da cidade Iraquiana de Kirkuk, entretanto recuperado pelo exército iraquiano.

Segundo a North Oil Company, a companhia estatal responsável pela produção de petróleo no país antes do controlo do EI, o campo produzia 20 mil barris de crude por dia. Ao contrário do que acontece agora, o preço médio do barril de crude em junho de 2014 rondava os 100 dólares por barril. Os militantes do EI vendiam barris de petróleo a condutores de camiões-tanque por uma média de 26 dólares.

A motivação económica era portanto altíssima para os milhares de traficantes que em intermináveis filas de camiões aguardavam a sua vez para encher os tanques e partir em direção à zona de Qush Tappa, na estrada que liga Kirkuk no sul do Iraque à capital do KRG, Erbil. Aqui, o petróleo era vendido a pequenas refinarias privadas por uma média de 63 por barril. Na Síria o controlo da região de Deir Ezzor, junto à fronteira iraquiana onde se encontram alguns dos maiores poços de petróleo do país, impulsionou a grande máquina petrolífera do ISIL. Durante o verão de 2014 e continuando em 2015, estima-se que o Califado tivesse conseguido amealhar mais de 40 milhões de dólares por mês com a venda de petróleo e combustíveis.

Estes largos rendimentos permitiram ao grupo garantir viabilidade financeira para as suas ações militares, mas principalmente, para se estabelecer, aos olhos dos iraquianos e da comunidade Sunita do qual recebe grande parte do seu apoio, como uma estrutura estatal de pleno direito.

O lado estatal do Estado Islâmico

Em contraste com a maioria das organizações terroristas, desde a declaração do Califado que o EI assume um número de responsabilidades normalmente associadas a estruturas governativas. O grupo controla a produção, transporte e refinamento do petróleo e, com estes rendimentos, os militantes asseguram a distribuição de combustível a preços acessíveis à população, a distribuição de água, o acesso a produtos alimentares, a produção energética, que no Iraque e na Síria está altamente dependente de geradores a diesel, e, claro está, a cobrança de impostos.

“O Estado Islâmico tornou-se gradualmente numa efetiva autoridade tributária nos territórios sob o seu controle, aplicando impostos a empresas e populações locais sobre salários, serviços públicos, infraestruturas básicas, telecomunicações e para garantir a “segurança pública””
Angelique Lecorps, consultora sénior da Divisão de Aconselhamento de Risco Estratégico da empresa de segurança G4S

No entanto, “enquanto o grupo demonstrou um grau efetivo de competência na administração dos territórios que controla, tem-no conseguido através do medo e da intimidação”. Centenas de milhões de dólares têm sido conseguidos através de impostos, mas isto não será sustentável a longo prazo. “O grupo não pode taxar indefinidamente uma população cada vez mais privada das suas posses e impedida de perseguir atividades comerciais”, diz a especialista.

Entre o verão de 2014 e o primeiro semestre de 2015, nas regiões sob a autoridade do EI havia fruta e legumes nos mercados, algumas cidades tinham acesso a luz elétrica durante mais de 6 horas por dia, algo que o governo central iraquiano nem sempre conseguiu assegurar, e os combustíveis como o diesel e a gasolina eram de muito fácil acesso (relatos locais indicam que durante o final de 2014 o preço médio de um litro de Diesel rondava os 38 cêntimos de dólar). Mas essa era uma situação muito distante da atual.

Quem compra aos terroristas

Se é certo que as exportações de petróleo alimentaram a máquina financeira do EI, sempre foi difícil definir quem compra o petróleo e as acusações proliferaram ao mais alto nível.

A Rússia acusou a Turquia, a Turquia acusou a Rússia, relatórios e rumores indicavam que a Jordânia recebia petróleo traficado, que até Israel poderia estar a comprar crude ao EI e que o próprio estado iraquiano e o governo de Bashar al Assad na Síria negociavam com o inimigo. A verdade é que podem fazer-se guerras por acesso a combustível, mas, seguramente não se podem fazer guerras sem ter acesso a combustível.

Os principais clientes do petróleo do EI são os exércitos que o combatem. O problema reside sempre no interesse prático. Os Peshmerga Curdos que combatem o EI com o apoio americano no Iraque precisam de combustível para energia e transporte que permita o desenrolar das suas operações. Os militares iraquianos, os militares de Bashar al Assad e os grupos rebeldes sírios apoiados pela coligação ocidental têm a mesma necessidade.

De uma forma algo perversa, faz económica e logisticamente mais sentido para estes combatentes comprar combustível abaixo de preço de mercado ao EI, do que procurá-lo no mercado regulado.

Para os Estados Unidos e a coligação, tentar impedir o acesso a este petróleo pelos seus aliados no terreno implicaria que seria a própria coligação a ter de providenciar acesso a combustível, com grandes dificuldades logísticas e operacionais, para além de um acrescido custo financeiro. De alguma forma toda a gente ganha com o tráfico. Testemunhas falam de militares Peshmerga a comprarem combustível a traficantes vindos do Estado Islâmico, a poucos quilómetros de onde os dois grupos estão em combate. A verdade é que uma vez vendido e introduzido num pipeline, é impossível definir a origem do crude que chega às refinarias na região.

De qualquer forma, o principal comprador do petróleo do EI terá sido sempre o seu enorme mercado interno, altamente dependente de diesel e que o grupo consegue controlar com facilidade.

A verdade é que, “ninguém de fora do grupo sabe precisamente quanto petróleo o EI está a produzir neste momento nem quanto dinheiro tem feito. Estas são operações ilegais onde a opacidade é a norma”, diz Carole Nakhle.

Opaca ou não, o que parece claro é que, no início de 2016, o tráfico internacional de crude terá parado quase por completo, não por uma questão de princípio, mas porque o grupo já não tem petróleo para exportar. Segundo testemunhas, as rotas de tráfico internacional estão hoje desertas.

Resiliência

Na zona iraquiana controlada pelo EI sentem-se já os efeitos das operações da coligação, com algumas zonas a venderem combustível a mais de 1.25 dólares por litro, mais do triplo do que um ano antes. Mossul, a segunda maior cidade do Iraque com uma população estimada de 2,5 milhões de pessoas e capital do EI no Iraque, já não tem acesso a saneamento, já que as bombas de água que alimentam a cidade funcionam a diesel de alta qualidade que o EI não é capaz de produzir e a produção de eletricidade é quase inexistente.

Por todo o lado, à volta da cidade abrem-se múltiplas pequenas refinarias a céu aberto, uma técnica quase primitiva de refinar petróleo que funciona através da queima do crude em buracos na terra para extrair os combustíveis mais leves. É um sistema muito pouco eficiente que produz combustível de baixa qualidade e que enche a atmosfera da zona com gases tóxicos, mas que tem conseguido estabilizar os preços dos combustíveis na cidade. Todos os sinais indicam que a quebra da capacidade produtiva do califado tem o potencial de pôr gravemente em causa as ambições estatais do EI e, com os rendimentos do petróleo a cair, o grupo tem-se virado para outras atividades.

“O tráfico de drogas, crime, raptos, tráfico de antiguidades, impostos e acima de tudo doações sempre apoiaram as finanças do EI e hoje têm um papel mais importante que o petróleo”, afirma também Carole Nakhle.

O EI mostra-se resiliente e mantém controlo sobre largas áreas do território sírio e iraquiano. Para efeitos práticos, o petróleo parece não representar os limites financeiros do Estado Islâmico, e mesmo empobrecido, o Califado parece difícil de derrotar.

“Enquanto o dinheiro tem provado ser crucial para que o EI consiga atrair militantes, a ideologia tem sido igualmente poderosa. Ataques aéreos podem reduzir o fluxo de capital, mas são ineficazes no que toca às crenças profundamente enraizadas das populações”, conclui a drª. Nakhle.

Por isso, diz a especialista, poderá não ser apenas uma questão de derrotar o EI. A atual campanha militar pode degradar o núcleo do grupo, mas poderá não o destruir completamente na Síria e mais além. “Novas vertentes deste movimento ultrarradical vão emergir noutros locais. Mesmo se o EI for derrotado militarmente, a ideia do califado manter-se-á viva nas mentes de simpatizantes que poderão querer reproduzir o sucesso dos recentes ataques terroristas na Europa”, diz por sua vez Angelique Lecorps.

O Brent quando cai é para todos

A resiliência ideológica do EI sustenta o apoio popular mas há outros fatores. Com as condições de vida dentro do seu território a deteriorar-se rapidamente, particularmente em Mossul, a população resiste a sair – e não só por questões ideológicas. O estado central iraquiano foi incapaz de estruturar uma rede de apoio à população subjugada pelo EI, de maioria sunita, caso consiga escapar. E as linhas divisórias da sociedade muçulmana, que até estavam esbatidas com Saddam, voltaram a ser determinantes: a maioria xiita tende a descriminar os sunitas.

Como defensor da estabilidade, o governo iraquiano tem os seus próprios limites. Ao contrário do EI, que se viu pouco afetado, a queda vertiginosa do preço do petróleo representou um grande ataque à capacidade financeira da administração iraquiana.

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90% da receita fiscal do governo central iraquiano vem do petróleo e, enquanto a produção de crude no país se viu relativamente pouco afetada pelo conflito, a queda de mais de 70 por cento do valor do barril de crude no mercado internacional desde 2014 altera em muito a realidade do poder financeiro governamental.

Em conjunto com o esforço de combate ao Estado Islâmico, que representa neste momento 20% do orçamento estatal, o governo central iraquiano perde força para manter a sua posição aglutinadora no país. O orçamento provisório para 2016 apresentado pelo Primeiro-Ministro Al-Abadi prevê despesas de 95 mil milhões de dólares, 17 mil milhões abaixo do orçamento de 2015.

Enquanto a principal fonte de rendimento do país se reduz, a capacidade do estado de combater o EI esmorece, o que dá renovada moral e importância aos grupos rebeldes e tribais que têm lutado contra o EI ao lado da coligação e que há muito procuram a cisão. O novo orçamento prevê já uma maior percentagem dos lucros do petróleo para a região de Basra, a zona de maior produção de crude do país, e a KRG tem reforçado o seu desejo de referendar a independência completa do Iraque.

Este foco continuado em questões sectárias impede uma resposta coesa contra a ameaça do EI e tem exacerbado a sensação de marginalização e ressentimento entre a população sunita contra o governo xiita, um factor que em muito contribuiu para o avanço do EI em territórios de maioria sunita. “O armamento de grupos paramilitares numa tentativa de combater um inimigo imediato também representa uma aposta perigosa para a segurança e estabilidade no Iraque a longo prazo, potencialmente alimentando um futuro conflito doméstico”, diz Angelique Lecorps.

O governo iraquiano terá dificuldades para governar na miríade de milícias xiitas que emergiram ou foram remobilizadas depois da queda de Mossul, assim como as diversas Forças de Mobilização Popular e as milícias apoiadas pelo Irão que ganham cada vez mais relevância no conflito. Estas tensões crescentes começam a pôr em causa a segurança até nas zonas mais seguras do sul do país como Basra.

Mesmo com o EI derrotado, é pouco provável que o Iraque volte à situação de relativa estabilidade política e crescimento económico que conheceu nos primeiros anos desta década, particularmente com o preço do petróleo a manter-se, como se prevê por agora, a mínimos históricos.

Também na Síria, o debate militar entre rebeldes apoiados pelo ocidente e Bashar Al Assad apoiado pela Rússia, não começa nem acaba com o Estado Islâmico.

Um novo cenário

Com capacidade de ação cada vez mais limitada no Iraque e na Síria, o EI virou-se agora para a Líbia, para consternação da comunidade internacional. A 21 de janeiro de 2016, os estimados 3000 a 5000 mil militantes armados do Estado Islâmico na Líbia atacaram um número de infraestruturas, incluindo oleodutos e terminais petrolíferos na estação de Ras Lanuf e tanques de armazenamento em Es Sider, e tomaram controlo da cidade de Sitre. Os Estados Unidos e aliados estão neste momento a discutir como agir sobre esta questão.

Uma base de operações na Líbia pode representar uma nova plataforma estratégica para atacar o norte de África e aceder a novas reservas de petróleo.

O EI está agora a fazer na Líbia o que fez no Iraque e na Síria e existe todo um novo potencial mercado de exportação aberto para o grupo na periferia da Líbia e na grande região de Sahel (que cobre toda a faixa entre o Senegal e a Eritreia). O facto de que o EI está a recrutar profissionais especializados em gás e petróleo na Líbia é ilustrativo de que esta indústria continua a representar um objetivo primário do grupo, apesar da queda de preço internacional do petróleo ou dos desafios envolvidos”, afirma Angelique Lecorps.

A ação internacional por outro lado levará tempo e é possível que seja necessário um novo mandato das Nações Unidas para que os aliados se decidam a intervir em mais um território soberano. Esta indecisão poderá dar ao EI a capacidade de expandir o seu raio de ação e acesso a recursos, contrariando a tendência atual do conflito, mas é pouco razoável especular neste momento. Mais ainda, é difícil prever como a dualidade demonstrada na Síria entre a coligação liderada pelos Estados Unidos e a Rússia se poderia transmitir a outro cenário, ou que consequências diretas se poderão retirar daí no futuro.

Desde a sua entrada no conflito em setembro de 2015, o envolvimento da Rússia teve um enorme impacto na organização geopolítica do conflito e causou uma alteração significativa na dinâmica regional. 
Angelique Lecorps, consultora sénior da Divisão de Aconselhamento de Risco Estratégico da empresa de segurança G4S

“Esta mudança forçou os Estados Unidos a reavaliar a sua abordagem à ameaça (do EI) numa tentativa de restruturar o balanço de poderes e influência na região, já que o papel americano de protagonista foi de alguma forma diminuído pela ousada e decisiva resposta da Rússia à crise Síria”, conclui Angelique Lecorps.

O que parece certo é que, na Síria, no Iraque ou na Líbia, com mais ou menos intervenientes internacionais e com o petróleo como motivação ou apenas como variável estratégica, este conflito está longe de terminar.

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