Já é possível ter uma ideia bastante clara de como ficarão os resultados das contas públicas no final de 2017. O mês de novembro era o de um último marco importante nessa corrida: o pagamento do subsídio de Natal a funcionários públicos e pensionistas. Concluída essa etapa, com os dados da execução orçamental, em contabilidade pública, até novembro — e, portanto, quase completos — confirma-se o registo de um défice “saboroso”. Terá sido já com estes dados “na mão”, ainda antes do Natal, que o Primeiro-Ministro assegurou ao Presidente um défice inferior a 1,3%.

Os “sabores” do défice

O défice das administrações públicas, em contabilidade “de caixa”, até novembro de 2017 foi de 2.084 milhões de euros. A melhoria face ao mesmo período de 2016, onde ascendeu a 2.326 milhões, é substancial – embora se tenha reduzido ligeiramente (em 300 milhões) face ao que se verificou no período findo em outubro.

Solidifica-se a ideia de que esta melhoria se deve essencialmente ao crescimento robusto da receita (mais 4% face a 2016). Este compensa o comportamento da despesa, a qual – por oposição ao que se registou em meses anteriores – chega mesmo a aumentar (0,8%) face a 2016. Segundo as estimativas do IPP, o défice deverá assegurar que a “palavra dada” há dias por António Costa seja “honrada”, ficando nos 1,2%.

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Os dados de novembro não alteram a previsão do IPP: um desvio positivo face ao OE 2017 de 0,4% do PIB, resultando num défice de 1,2%

Impulso da receita fiscal permite fazer história, outra vez

Já havíamos referido ao longo deste ano que o excecional comportamento da receita fiscal tem sido o grande impulsionador para a redução homóloga do défice. E este mês não é exceção. A receita fiscal do Estado – em constante evolução favorável dada uma melhoria da atividade económica face ao expectável – registou um aumento de 5,5% no mês de novembro.

Este bom resultado é em grande medida suportado pelas tendências já observadas desde setembro: IVA e IRC a surpreender, devendo originar “bónus” próximos dos 500 milhões de euros cada, IRS muito próximo do orçamentado, e ligeiras deceções em impostos indiretos como o ISP e o Imposto sobre o Tabaco.

O aumento da receita fiscal deve-se a uma melhoria generalizada nos impostos diretos (seja em níveis brutos ou mesmo líquidos – excetuando a pequena diminuição no IRS), ao passo que os impostos indiretos registaram uma variação média de -2,8%

É, no entanto, necessário acautelar o facto de, em 2018, não ser expectável um crescimento económico tão favorável como o registado em 2017. O próprio Orçamento prevê uma desaceleração da receita fiscal, tendo a evolução da despesa pública de representar um papel mais relevante do que este ano, caso se queira cumprir os objetivos de consolidação orçamental estabelecidos.

A “aposta” no investimento

Surpreendente, porém, é que parece ser tão importante para este resultado o boom das receitas fiscais como o bust do investimento público, que está a cair 9% face ao mesmo período do ano anterior. Pelas estimativas do IPP, o desvio positivo (face ao Orçamento para 2017) das receitas fiscais ficará em cerca de 900 milhões de euros, sendo assim ultrapassado pelo desvio positivo para o défice, mas negativo em valor, no investimento da Administração Central (e Segurança Social), que ficará perto dos 950 milhões.

Não deixa, assim, de ser surpreendente que o Governo conclua destes mesmos dados a ilustração de uma “forte aposta no investimento público” (Nota à Comunicação Social do Ministério das Finanças, 27 de dezembro).

Na Síntese de Execução Orçamental de setembro, a DGO introduziu uma novidade na informação disponibilizada sobre o investimento da Administração Central, diferenciando valores incluindo e excluindo PPP. Isto permite mostrar, e é nisso que se baseia a afirmação do Governo, que o investimento está a descer apenas nas PPP: excluindo esses montantes, até cresceu bastante (29%) face ao período homólogo de 2016.

A questão é que esta separação é muito pouco significativa e útil. Será verdade que em grande medida a definição da variação anual dos investimentos associados às PPP decorre da contratualização dessas infraestruturas, que não depende decisões deste ano e provavelmente nem sequer deste Governo. Contudo, não há mais nenhum argumento que sustente esta separação. Desde logo, as PPPs representam, nestes dados, cerca de dois terços do investimento total da Administração Central, pelo que não faz sentido simplesmente excluí-los da análise do investimento.

O ponto fundamental, contudo, é que o referido desvio não resulta simplesmente da queda de 9% do investimento, mas sim, do facto do Orçamento para 2017 ter previsto o contrário: um aumento de 26% face ao registado no final de 2016. E, como já referido, a queda na parte relativa às PPP seria certamente previsível.

Projeção dos desvios face ao Orçamentado para 2017

O Natal do subsídio

Há um mês escrevemos que as despesas com o pessoal seriam uma chave importante para perceber como ficaria a execução de 2017. Como era previsível, verificou-se um “salto” substancial nesta rubrica em novembro que, ao contrário do “salto” registado em junho, não se tinha verificado. Uma diferença de cerca de 400 milhões, que representa a tradução na execução orçamental da “reposição” dos 50% que faltavam do subsídio de Natal.

A nossa estimativa anterior incorporava uma diferença ligeiramente maior, pelo que se revelou conservadora. Com estes novos dados, o desvio nas despesas com o pessoal deverá continuar a ser negativo, mas algo inferior. A diferença face ao OE 2017 deverá ficar-se pelos 400 milhões de euros.

Já para a aquisição de bens e serviços, que desacelerou – em relação a novembro do ano anterior até se reduz em 0,2% –, prevemos um desvio ainda mais positivo do que há um mês: deverá ficar quase 600 milhões abaixo do previsto no Orçamento. Recorde-se que o valor original, de 9.023 milhões de euros, inclui valores cativados.

Dívida dos hospitais atingirá também níveis históricos

Além do défice, também a dívida não financeira dos Hospitais EPE caminha para valores históricos mas, neste caso, não é motivo de celebração. No mês de novembro os pagamentos em atraso dos Hospitais EPE ascenderam a 1.103 milhões de euros, representando um aumento mensal de 79 milhões, e um crescimento homólogo de 346 milhões. Note-se que trata-se de um montante quase equivalente aos pagamentos em atraso que o conjunto das administrações públicas apresentava há um ano.

O anúncio de mais uma regularização extraordinária a ocorrer no final do ano (à semelhança de anos passados), ainda não se refletiu nesta trajetória. Desde o início do ano, e até novembro, observou-se um ritmo médio de aumento de 45 milhões de euros por mês (mesmo após uma injeção excecional de verbas em dezembro de 2016), o que representa um agravamento considerável face à média de 22 milhões a que crescia a dívida em 2016.

O comportamento demonstrado por esta rubrica em 2017 demonstra precisamente que não são estas verbas extraordinárias que põem fim – ou sequer um travão – à trajetória ascendente da dívida. Ao montante em que a mesma se encontra, é certo que muito dificilmente o problema seria resolvido sem esta prenda extra no sapatinho, mas estas medidas são apenas paliativas.

É urgente uma estratégia integrada, que permita não só que o ponto de partida de 2018 seja pautado por montantes aceitáveis, mas que também vá ao cerne do problema, alterando os mecanismos que levam à permanente geração de dívida junto das farmacêuticas, com o objetivo de se entrar num ciclo de sustentabilidade e evitar a necessidade de uma nova transferência no Natal de 2018.

No mês de dezembro o panorama referente aos pagamentos em atraso dos Hospitais EPE deverá ser bastante diferente do apresentado este mês, mas devido exclusivamente à regularização extraordinária que deverá ocorrer (que deverá ascender a 1,4 mil milhões de euros)

Em resumo, os dados da execução orçamental, já praticamente completos, confirmam a ideia de um ano “saboroso” no que diz respeito às finanças públicas. O potencial amargo que sobrava, relacionado com o subsídio de Natal, revelou-se bastante suave, confirmando um défice de 1,2% do PIB, conseguido graças a uma receita fiscal muito bem servida, e a uma dieta rigorosa no investimento.

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Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)

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